MANAUS – Nos anos de 1920, o Amazonas amargava dias difíceis na economia. Após o fim do apogeu da borracha, a produção amazônica respondia por apenas 5% do consumo mundial de borracha. Mário de Andrade, um dos líderes do movimento modernista brasileiro, em visita a Manaus no ano de 1927 afirmou que a capital amazonense de “virgem de luxo” estava se transformando em “mulher fecunda”, metáfora que ilustra a decadência da outrora Paris dos Trópicos. Foi neste cenário de estagnação econômica pós primeiro ciclo da borracha que aconteceram as primeiras transmissões de rádio do Amazonas. Segundo a mestra e doutora em educação Ierecê Barbosa, autora do livro “Favor Transmitir ao Destinatário: uma análise semiológica dos avisos de rádio no Amazonas”, obra se transformou em um clássico e faz parte das bibliografias básicas de várias disciplinas de cursos superiores, o rádio surge no Amazonas em 1927, impulsionada pela produção do látex, matéria-prima da borracha que era comercializado não só no mercado interno, mas principalmente no externo.
“Os barões da borracha fizeram grande investimento no Amazonas e o rádio foi um deles, pois atendia não só às necessidades de comunicação devido à geografia da região, mas também aos fins políticos. O ganho social foi a promoção da cidadania do homem do interior que vivia isolado do resto do país. O Rádio até hoje não perdeu a função social de levar a informação à lugares mais distantes, principalmente em nossa região”, explicou.
A radialista Edilene Mafra, Mestra em Ciências da Comunicação e Coordenadora de Comunicação Social do Centro Universitário do Norte – Uninorte/Laureate, acrescenta ainda que, diferentemente da maior parte do Brasil, onde surgiu como Amazonas o rádio foi introduzido como veículo estatal, com a total iniciativa do então governador Ephigênio Sales (1926 -1930).“Ephigênio Salles fascinado pelos adventos tecnológicos de comunicação da época, tornou-se um dos maiores interessados pelo aprimoramento urbano de Manaós, como era então chamada a capital do Estado do Amazonas. Seu interesse fez com que buscasse recursos que viriam a expandir o sistema de radiotelegrafia existente na capital, desde 1910. Salles tinha em seus ideais a busca pela erradicação do analfabetismo”, pontuou.
Foto: ShutterstockAs primeiras vozes
Foto: ShutterstockAs primeiras vozes
A primeira emissora instalada no Amazonas, em abril de 1927, foi “A Voz de Manaós”, que atendia aos interesses comerciais e políticos dos barões da borracha, transmitindo diariamente as cotações do látex no mercado internacional, a situação econômica do país, anunciando a chegada e saída dos navios, os feitos do governo e notícias de interesse público. A primeira emissora de rádio do Amazonas tinha uma periodicidade semanal de três dias, ou seja; entrava no ar nas segundas, quartas e sextas-feiras, à noite, das 21h às 22h.“Alguns historiadores consideram “A Voz de Manaós” uma emissora estatal, mas arrisco afirmar sua essência comercial, pois sua programação básica estava a serviço da riqueza do Amazonas, triangulada na produção, extração e comercialização do látex”, afirma Ierecê Barbosa.A estudiosa explica que, após este primeiro impulso, o número de “radiófilos”aumentou consideravelmente, o que levou ao investimento de receptores de alta qualidade e sofisticação para a época, todos importados. No entanto, impactado pela crise de 1929 que afetou a economia de todo o planeta, a emissora pioneira no Estado sofreu vários cortes dos governantes e quebrou.Na sequência, o Amazonas amargou um períodode quase uma década sem rádio. Depois vieram a Voz da Baricéa (1938), a Rádio Baré (1939), a Difusora (1948), a Rio Mar (1954) e ninguém mais segurou o rádio que inovou com FM (Frequência Modulada) e sua moderna Rádio Tropical, inaugurada em 1966.
Barbosa destaca o importante o grande poder que o veículo teve, e ainda tem, em levar a informação a lugares em que os carteiros não chegavam e desde sua primeira emissora esteve a serviço do desenvolvimento da região. “Tivemos vários programas de educação à distância via rádio, mas integrar o homem do interior com o restante do país me parece uma das mais nobres missões do rádio, pois o retirou do isolamento social em que vivia”, conclui.Já a mestra Edilene Mafra classifica como de extrema importância o papel do rá-dio para o desenvolvimento do Amazonas, colaborando com a diminuição das distâncias, tirando o homem do isolamento geográfico que o deixava isolado em muitos outros aspectos.
“O rádio nasceu em um momento que não havia uma forma mais eficaz de comunicação massiva. Ele foi o companheiro, conselheiro, acalentador do ribeirinho por muito tempo. Uniu famílias que estavam separadas. Mostrou um mundo que muitos não sabiam que existia por meio das ondas sonoras.
Penso que fez e faz um papel de integração social aqui no Amazonas”, destaca. Entre os programas que fizeram história no rádio amazonense, a doutora em Comunicação Ierecê Barbosa destaca, por questões de pesquisa acadêmica realizada na Rádio Difusora e Rio Mar, o programa dos Avisos de Rádio, não só pelo fato de ter sido a autora do estudo, mas, segundo ela, pela relevância histórica e social dos
Avisos de Rádio em uma época em que o rádio era o único meio de comunicação com o homem e a mulher interiorana. Edilene Mafra lembra ainda que no tempo áureo do rádio popular e espetáculo no estado, programas eram realizados ao vivo com auditório e apresentações de artistas amazonenses e de referência nacional.
O rádio hoje
Apesar dos avanços tecnológicos e das novas plataformas de transmissão, ambas as autoras acreditam que o rádio amazonense, apesar de viver um período de redefinições, como os rádios do restante do país e do mundo, não perdeu o seu status e ainda é o meio de comunicação com maior penetração no estado. Para Ierecê Barbosa, além da geografia favorável, outro fator que mantém o rádio vivo e fundamental para grande parte da população é a sua grande capacidade de adaptação às mudanças.
“A geografia da região favorece ao rádio. Quando a TV chegou ao Brasil, em 1950, houve quem apostasse na morte do rádio. Ele resistiu e se transformou. Depois ouvi a mesma coisa com a chegada da internet, o rádio não só resistiu, mas também se ressignificou a tal ponto que passou a fazer parte da web, usando seus “prefixos” eletrônicos.
O rádio está também no celular. Precisa de mais explicação? ”, questiona. Edilene Mafra confirma esta visão. Para a radialista, hoje, mesmo com a concorrência de inúmeras mídias e plataformas, quase 90 anos após a sua instalação no Amazonas, o rádio continua com as características que o consagraram, tendo como marca forte a interatividade e permanece como um veículo do tempo real.
“Com a chegada da TV, o rádio se multifacetou, se tornou móvel, melhorou a qualidade técnica, se organizou em redes e até desterritorializou com a chegada da web. Para completar está todo pávolo porque ganhou imagens, texto e alcança muitos outros países”, afirma.
O futuro já está no ar Por tudo isso, tanto Mafra como Barbosa acreditam que o rádio ainda tem fôlego para continuar sendo um dos meios de comunicação mais difundidos e importantes. Edilene Barbosa lembra que, com a chegada do SBRD (Sistema Brasileiro de Rádio Digital), é preciso melhorar as condições técnicas das emissoras que estão migrando de AM para FM. Ela cobra uma maior agilidade do governo federal para a legislação do novo sistema que, segundo ela, já era para ter sido implantado.
“A morosidade do governo brasileiro para definições cruciais sobre o SBRD tem dos deixado anos luz atrás de outros países, lamentavelmente”, criticou. Ierecê, no entanto, é otimista.
Para ela, a rádio (estação) e o rádio (instrumento) veem se modernizando e andam de mãos dadas com outros veículos de comunicação, se consolidando não só é um meio de comunicação que promove à cidadania, intervindo no isolamento social, mas também é promotor da própria integração com novas tecnologias.
“Sem o isolamento, não tem como prever o seu desaparecimento. Espero que eu esteja certa. Aprendi a amar o rádio quando me comprometi a entender apenas uma parte dele “Os Avisos de Rádio”. Foi o suficiente. Afinal, a parte está no todo e o todo está na parte”, finalizou.
Sobre as autoras
Ierecê Barbosa é licenciada em Pedagogia, bacharel em Comunicação Social, Psicanalista Clínica, Mestre e Doutora em Educação. Professora da Universidade Federal do Amazonas – UFAM (aposentada); Universidade do Estado do Amazonas – UEA e Centro Universitário do Norte – UNINORTE.
Edilene Mafra é autora da dissertação de mestrado A Divulgação Científica Radiofônica em Tempos de Internet: Um estudo das adaptações do Rádio com Ciência ao ambiente da web”, pela Ufam (Universidade Federal do Amazonas).