Casados há 27 anos, Cláudia Silva e Édson Assunção mantêm até hoje um ritual dos tempos de namoro. Durante os dias de semana, antes do almoço, o casal toma banho na praia do Farol, em Mosqueiro, tendo como únicas testemunhas as pedras da ‘Ilha do Amor’. “Foi aqui que a gente começou a namorar e considero este lugar o mais romântico de Mosqueiro. À noite, tem sempre casais namorando aqui e a gente vem também. O Edson vai pescar e eu, acompanho”, disse Cláudia, que trabalha como diarista na mesma casa em que o marido é zelador.
Localizada na costa oriental do rio Pará, um braço sul do rio Amazonas, em frente à baía do Marajó, a ilha de Mosqueiro é uma das mais procuradas pelos paraenses e turistas durante as férias de julho. Afinal, fica a apenas 70 quilômetros do centro de Belém e possui 17 km de praias de água doce com movimento de maré. O “rio com onda” de Mosqueiro já serviu de inspiração para poetas e durante os anos 80 virou reduto de praticantes de esportes aquáticos.
História
Junto com as belezas naturais, a ilha ainda traz o charme dos chalés de arquitetura européia que dão um toque “vintage” à orla. Junto com Belém, Mosqueiro recebeu a influência da arquitetura da Belle Epoque, no final do século XIX, marcada pela riqueza e pelo luxo da época áurea da borracha, e usufruiu das benesses trazidas pelo acelerado desenvolvimento registrado na capital.
“Os portugueses que chegaram a Belém para construir o porto da capital paraense, como o grupo Amazon River (de navegação), acabaram descobrindo a ilha de Mosqueiro como um lugar de lazer nos finais de semana e construíram esses casarões para virem com suas famílias”, conta o professor de português aposentado Claudionor Wanzeller. Como educador, o neto de português que nasceu na ilha resolveu se debruçar sobre a história do lugar e repassá-la a seus alunos, porque sentia falta de pesquisas sobre Mosqueiro.
Fábrica Bitar
Mas a ilha também possui relíquias curiosas que passam despercebidas aos olhos dos turistas. Situada na praia do Areião, em uma ponta avançada para a baía de Santo Antônio, atrás do que é conhecida pelos turistas como a “vila” de Mosqueiro, ainda existe o casarão onde funcionou a primeira fábrica de borracha do Pará.
Em 23 de junho de 1924, a firma Bitar Irmãos, que desde 1897 já se dedicava ao comércio, fundada em Belém por Simão e José Miguel Bitar, resolveu adquirir uma extensa área de terra em Mosqueiro, onde existia uma velha construção de madeira. Foi nessa antiga edificação, totalmente reconstruída, que a firma instalou uma nova indústria, certamente a primeira iniciativa particular desse gênero fixada em Mosqueiro: a Fábrica Bitar, que passou a exportar borracha para a Europa, especialmente Alemanha e Inglaterra. Os primeiros pneus de borracha do Brasil foram produzidos nessa fábrica.
Meios de acesso à ilha de Mosqueiro:
– Rodovia PA 391
– Terminal Rodoviário/ Terminal Mosqueiro, Praça Cipriano Santos – Praia do Bispo
Ônibus saem todos os dias da semana de Belém para Mosqueiro de meia em meia hora, a partir das 6h30 até as 22h, de segunda a sábado. Aos domingos e feriados os intervalos de saída entre os ônibus são de 20 minutos, das 5h55 às 20h55.
Roteiro próximo a Belém tem ainda a ilha de Cotijuba
Perto de Mosqueiro, a Ilha de Cotijuba é outro grande pedaço de história desconhecido de grande parte dos paraenses. Uma entre as 42 ilhas que integram as região insular de Belém, Cotijuba foi transformada por Lei Municipal, em 1990, em área de Proteção Ambiental, o que obriga a preservação de seus ecossistemas. O acesso à ilha é possível por meio de embarcações que saem de Icoaraci.
Com uma área de cerca de 60 km² e uma costa com 20 quilômetros de praias praticamente inexploradas, Cotijuba é o local preferido pela tribo mais “alternativa”, por seus encantos paradisíacos, como as praias rústicas, a exemplo do “Vai quem Quer”.
Educandário que virou prisão
Logo na saída do Porto Antônio Tavernard, Cotijuba guarda um pedaço importante da história do Pará. Assim que desembarca na ilha, o turista dá de cara com as ruínas do Educandário Nogueira de Farias. Construído em 1936 para abrigar menores de idade que precisavam cumprir medidas judiciais, em um Pará em crise social e financeira depois do declínio da borracha, o educandário virou prisão política na época da Ditadura Militar.
Durante os anos de chumbo, o espaço passou a ser ocupado também por adultos presos pela polícia de Cotijuba, depois que o “presídio do seringal” foi desativado na ilha. Em ambas as fases, do educandário ao presídio, desativado em 1974, o Nogueira de Farias é o cenário de histórias de torturas e maus tratos, relatadas por ex-detentos.
Mas em 2008, a professora de Lingüística da Universidade do Estado do Pará (Uepa), Izilda Cordeiro, transformou a curiosidade que tinha em trabalho acadêmico. Sua dissertação de mestrado na área de gestão educativa foi sobre o Educandário Nogueira de Farias. “Decidi por esse tema porque desde criança ouvia histórias dos meninos que eram pegos nas ruas e praças de Belém e eram levados para lá. Aquilo me deixava intrigada sobre o que acontecia com eles. Porque a gente ouvia falar que eles eram torturados e ninguém sabia da veracidade disso”, disse a professora.
Durante os dois anos de elaboração da dissertação, ela teve dificuldades para encontrar registros da época, porque todos os documentos do Nogueira de Farias foram queimados em um incêndio, no início dos anos 70. Izilda priorizou, então, os relatos, mas também encontrou dificuldade, porque alguns ex-detentos tinham medo de falar e sofrer represálias. “O que mais me chamou atenção nos depoimentos que colhi foram as narrativas de torturas. Aquilo me deixou angustiada, por saber se realmente aqueles meninos vinham para estudar e ter alguma progressão profissional, que era o objetivo do educandário, ou se eles sofriam torturas, como eles falavam pra gente”, pontuou.
Depois de ouvir duas ex-professoras e dois ex-detentos, Izilda Cordeiro se tornou mestra em Gestão Educacional, concluindo que o modelo de educação no Nogueira de Farias foi o “técnico-científico”, onde predomina a linha ditatorial e não existe a relação aluno, família e direção.
Durante os anos 60, depois que o “Presídio Seringal” foi desativado, o Educandário Nogueira de Farias passou a abrigar não só os detentos de Cotijuba, mas também os de Belém. Reginaldo de Jesus, conhecido como “Marajó”, foi morar em Cotijuba há 27 anos. Criou o que seria o primeiro meio de transporte dos turistas até as praias da ilha: o bondinho, e guarda retratos e relatos ouvidos de ex-presidiários. “Ouvi falar de muitas histórias de tortura. Por isso que a ilha passou a ser chamada de ‘A Ilha do Inferno’. Diziam que alguns presos, quando vinham de Belém para cá, preferiam se jogar na baía a ter que parar no presídio”, relatou o morador.
Paraíso rústico
Mas a ilha de Cotijuba, de tantas histórias nebulosas, é acima de tudo um relicário da natureza exuberante e acolhedora. A partir de 2003, quando ganhou energia elétrica, Cotijuba passou a ser mais procurada pelos turistas, principalmente nas férias de julho. Para chegar às famosas praias, como a do “Vai quem quer”, as pessoas encaram uma aventura em meio a oito quilômetros de trilhas.
O acesso é feito por meio dos bondinhos e, mais recentemente, com o auxílio da “motorrete”, mistura de moto com charrete. Motorista de uma motorrete há dois anos, Antônio Dione, 32 anos, e pai de seis filhos, espera ansiosamente pelas férias de julho para reforçar a renda familiar. “Fora de temporada ganho uns 700 reais por mês, mas em julho, chego a ganhar de três a quatro mil reais. Com a renda reforçada, eu monto uma venda de churrasco na porta da minha casa para os turistas. Gosto desse trabalho porque, além do dinheiro bom, valorizo minha terra e conheço muita gente de fora”, conta.
A Ilha de Cotijuba tem um público fiel, que considera o lugar mágico. Jones Corrêa, 35 anos, morador de Icoaraci, aproveitou uma manhã de folga durante a semana para relaxar na ilha com a esposa. “O clima daqui é especial. Pode estar chovendo em Belém e Icoaraci, mas aqui não. Cotijuba é única, gostamos muito daqui”, disse o turista.
Como chegar à Cotijuba
O acesso à ilha de Cotijuba é feito por embarcações que partem do distrito de Icoaraci, a preços populares. O navio da Prefeitura de Belém faz apenas uma viagem por dia, com saída às 9 horas do trapiche de Icoaraci e retorna às 17 horas. A viagem dura cerca de 20 minutos.
Os barcos da Cooperbic partem de Icoaraci de segunda a sexta-feira, a partir das 7 horas, de hora em hora. Aos sábados, domingos e feriados, os barcos só saem após terem a lotação completa. O tempo de viagem dura, em média, 45 minutos. Há um barco (Braga II) que sai da Praça do Pescador (próximo ao Ver-o-Peso) de segunda a sexta-feira, às 14 horas e, aos sábados e domingos, às 8 horas. A viagem dura uma hora e meia.
Na ilha o transporte se dá através de charretes ou mototaxi, não há carros ou ônibus circulando. Esta é a forma que a agência distrital encontrou de preservar o patrimônio ambiental. A passagem nos barcos “pôpôpô” custa R$ 5,00, no navio R$ 2,00 (em dia de semana) e R$ 4,00 (no fim de semana). Todas as linhas aceitam meia entrada. Na ilha, o bondinho custa R$ 3,00, mesmo preço da charrete (podendo subir para R$ 5,00 no período das férias) e o mototaxi R$ 5,00.