O local passa a se chamar Parque Cemitério da Soledade, tornando-se um espaço que une museu, história, cultura e educação patrimonial.
Quando pensamos em espaço cultural a primeira coisa que vem à cabeça é um lugar confortável e que inspire as pessoas, mas você imaginaria um cemitério ocupando tal posição? Em Belém (PA), o Cemitério da Soledade acabou de debutar como espaço cultural, depois de ser restaurado e requalificado.
A partir de agora, o local passa a se chamar Parque Cemitério da Soledade, espaço que une museu e educação patrimonial. Dessa maneira, o público tem a oportunidade de caminhar entre túmulos e mausoléus, além de conhecer mais sobre a Belém do século XIX. O parque está localizado na Avenida Serzedelo Corrêa, 514 – Batista Campo.
História
A história do Cemitério Nossa Senhora da Soledade se mistura com um momento crítico da história brasileira. Em meados do século XIX, a epidemia de febre amarela tornou necessária a construção de um novo cemitério na cidade de Belém, pois o antigo, no Largo da Campina, só era utilizado por escravos e desvalidos, preferindo as pessoas de “melhores condições” continuar enterrando dentro das igrejas (apesar da proibição).
Então, em janeiro de 1850, foi inaugurado o novo cemitério, com capela de Nossa Senhora da Soledade construída pelo Capitão Joaquim Vitorino de Sousa Cabral. No entanto, a nova necrópole apresentava vários problemas, como a localização em área no Centro da cidade, pequena extensão, além de problemas higiênicos. Em dezembro do mesmo ano, passou o cemitério para a Santa Casa de Misericórdia, ficando à cargo desta as obras de acabamento.
De acordo com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), o pórtico e o portão tem desenho do arquiteto-engenheiro Pezerat, sendo talhado em cantaria de pedra-de-lioz, lavrada e escoada. Já o gradeamento de ferro foi importado da Inglaterra.
As obras de melhoramento ficaram prontas em 1854. Em 1863, o cemitério passou por várias transformações. O arvoredo de casuarina foi derrubado, as grades de madeira foram substituídas por parapeitos de tijolinhos côncavos, e a capela retalhada e caiada. Em 1880, os sepultamentos foram encerrados.
Entre os monumentos funerários de maior destaque está o jazigo do General Hilário Maximiliano Antunes Gurjão. Construído nas oficinas de Lombardi, na Bréscia, com trabalho de escultura feito pelo professor Allegretti, do Instituto de Belas Artes de Roma.
Apesar de desativado, o Cemitério de Soledade ainda era muito procurado, tanto por famílias de pessoas sepultadas, quanto pelo dia das almas (segunda-feira).
Restauração
O projeto do Parque Cemitério da Soledade é resultado do Acordo de Cooperação Técnica assinado entre Governo do Pará e Prefeitura de Belém, com investimento estimado em cerca de R$ 16 milhões. O espaço, que conta com mais de 400 túmulos, deve incorporar um museu e outras ações culturais abertas ao público. A previsão de conclusão é até o fim de 2024.
O arquiteto da Secretaria de Estado de Cultura (Secult), Helder Moreira, é um dos responsáveis pelo acompanhamento das obras. Ele informa que a parte civil dos trabalhos já chegou a 85% de conclusão. No entanto, o trabalho minucioso e necessário da equipe de arqueologia exige a adoção de um ritmo mais cuidadoso.
“A parte do caminhamento, que dá acesso aos mausoléus, ali é tudo novo; não tinha nada, era só mato, estava tudo abandonado. Começamos a cavar e após 10 centímetros já fomos encontrando ossadas. Então, trabalhamos junto com a arqueologia, e isso precisa ter delicadeza”, detalha o arquiteto.
Helder Moreira garante que toda a atuação segue as normas do Iphan, órgão responsável pela aprovação do projeto que baseia toda a obra, criado em gestões anteriores pelo falecido arquiteto Paulo Chaves (1946-2021).
O encarregado de obras Rodrigo Carvalho Monteiro confirma que trabalhar em uma obra que envolve restauro é diferenciado. “O cuidado é redobrado, especialmente por causa dos mausoléus, que sofrem risco de desabamento. São muito antigos, e deram mais trabalho. É diferente de uma obra civil, porque lidamos com partes estruturais que vieram da Itália, Portugal. A gente não sabia muito bem como era a estrutura. Acabamos descobrindo em cima da hora que tinha metal, chumbo. Tudo muito interessante”, destaca.
A acadêmica Ana Rita Teodósio faz parte do Lacore e integra uma das duas equipes que atuam com o trabalho de restauração e conservação realizado no Soledade. “É uma sensação maravilhosa fazer parte disso, porque eu mesma via o Soledade, antes de estudar, como algo assustador, fechado, escuro, sem vida. E agora, com esse novo uso, o Soledade está renascendo, mas sendo valorizado por aquilo que sempre foi. Aqui não vejo só túmulos e jazigos; eu vejo história. É emocionante estar trabalhando com tudo isso”, garante a universitária.