Pesquisa investiga as práticas tradicionais de manejo da paisagem não reconhecidas no repertório técnico formal, mas de grande importância para uma agenda sustentável.
Quando o assunto é a Amazônia, o foco é, geralmente, a sua fauna e flora. A floresta é muito citada, afinal é de suma importância para o planeta. Mas não podemos perder de vista também outro viés, igualmente indispensável e entrelaçado: os espaços urbanos.
Essa relação entre urbano e natureza e os processos únicos das cidades da Amazônia despertaram o interesse da estudante Giuliana Lima em mergulhar no tema.
“A pesquisa se baseia em uma hipótese da professora Ana Cláudia sobre a Trama Verde e Azul dos povos da floresta, com base em uma concepção que já existe, que é a Trama Verde e Azul da França, em que eles institucionalizaram a proteção de rios e florestas. Aqui, a gente acredita que são os povos tradicionais, ribeirinhos, indígenas e quilombolas os responsáveis por essa proteção”,
explica a jovem pesquisadora.
A Trama Verde e Azul em Belém do Pará
Segundo a pesquisa, apesar de a relação entre pessoas e natureza ser mais nítida quando vista nas ilhas, como é o caso da Ilha do Combu, ainda há experiências de cuidado e proteção por parte dos moradores também da cidade. A investigação considerou duas áreas: o Igarapé São Joaquim, localizado na Bacia do Una, que vai abrigar o projeto de um Parque Urbano ao longo da sua extensão; e o Igarapé Sapucajuba, pertencente à Bacia do Tucunduba e atravessa o campus da UFPA, em Belém.
O processo teve auxílio de várias frentes de trabalho, contou com a parceria da Universidade Federal do Ceará, com tecnologia de análise de escoamentos de água e também envolveu trabalhos de campo, como entrevistas com os líderes comunitários e moradores.
No caso do Sapucajuba, o estudo observou que a relação dos moradores com o rio mostrou-se mais frágil que a dos moradores de São Joaquim. A estratégia foi procurar moradores mais antigos que resgataram memórias mais afetivas. “Ouvimos moradores mais velhos, que estavam no início da ocupação e que viram o rio quando ele era cristalino. Eles falavam: ‘Ah, o rio era cristalino, a gente tomava banho, a gente pescava camarão'”, destaca Giuliana.
Para esse caso, foi concebido um plano piloto que reúne ações de enfrentamento das mudanças climáticas. A proposta consiste em um microzoneamento da região em quatro eixos: saneamento, drenagem, fluxos e usos. Para a questão do saneamento, considerada mais urgente, foram recomendadas soluções sociotécnicas, como fossa alta comunitária e biodigestores.
Quanto ao São Joaquim, a pesquisa identificou que, mesmo com o processo de macrodrenagem que suprimiu a vegetação local, impermeabilizou o solo e deslocou parte da população, o vínculo da comunidade com o espaço ainda é forte. A mata ciliar foi replantada pelas mãos dos próprios moradores, que transformaram as margens do igarapé em seus quintais. Ali há áreas de convivência, hortas e plantio frutífero.
O trabalho conclui que a Trama Verde e Azul dos povos da floresta não está totalmente perdida dentro da área urbana da RMB e que pode, e deve, ser reativada, afinal os saberes locais e tradicionais estão carregados de soluções sustentáveis eficazes. Para a jovem pesquisadora, revelar essa relação é essencial para a agenda de sustentabilidade, por isso fomento e investimento são indispensáveis.
Sobre a pesquisadora
Giuliana Cira Cardoso Morais Lima tem 22 anos e está no 8º período do curso de Arquitetura e Urbanismo da UFPA. É integrante do Laboratório Cidades na Amazônia (Labcam/UFPA) como bolsista de Iniciação Científica (CNPq). Também participa, como integrante e extensionista, do Grupo de Pesquisa Urbanização e Natureza na Amazônia (Urbana). Gosta de viver a cidade, andar de bicicleta, pegar um barco para as ilhas e frequentar programações culturais. Tem vontade de seguir carreira acadêmica e lecionar. “Apesar de parecer solitário o processo de pesquisa, a gente consegue se conectar com muita gente. Seja aberto para conhecer novas realidades, não tenha vergonha de falar sobre os seus interesses. Participe sempre de congressos, simpósios etc. Conheça pessoas e realidades diferentes”, aconselha a pesquisadora às meninas e mulheres que têm vontade de fazer pesquisa.
Sobre a pesquisa
O trabalho intitulado ‘Repertório da Trama dos Povos da Floresta para enfrentamento de mudanças climáticas em cidades amazônicas’ foi feito sob orientação da professora Ana Cláudia Duarte Cardoso (Itec/UFPA) e contou com financiamento Pibic/CNPq. O estudo foi apresentado durante o XXXIV Seminário de Iniciação Científica da UFPA, realizado pela Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação (Propesp), tendo sido premiado pelo Edital Pibic Verão Destaque na Iniciação Científica da UFPA (edição 2023), como representante da área de Planejamento Urbano e Regional.
*O conteúdo foi originalmente publicado no Jornal Beira do Rio, da UFPA, edição 169, escrito por Julia Ladeira