Referência em fotografia no país, Christian Braga aborda próximas gerações de ativistas em oficina na Glocal Amazônia

Em entrevista, o fotógrafo amazonense relata o cenário nacional e internacional sobre as narrativas visuais construídas sobre a Amazônia e as desigualdades impostas nessa realidade.

As atividades de formação para uma geração que age local e pensa global, premissa da Glocal Experience Amazônia, tornam-se uma das grandes contribuições do evento. A busca por uma identidade cultural para reconhecimento e fortalecimento da Amazônia através das potências profissionais do próprio território foi o tema abordado pelo fotógrafo amazonense Christian Braga, que há dez anos atua no mercado brasileiro com uma arte que reflete a realidade distante dos grandes painéis bucólicos pintados sobre a Amazônia.

Sua oficina na Glocal Experience se sustenta na consciência de um cenário indisponível para uma nova geração que busca também através do ativismo um campo fotográfico que expresse a urgência das pautas que envolvem os povos da Amazônia.

“Não há um cenário orgânico na fotografia local que incentiva jovens fotógrafos amadores e pessoas interessadas em produzir suas próprias imagens aqui, não só no campo da mudança climáticam, mas no campo de Manaus, da Amazônia. Precisa ter um incentivo para que as pessoas daqui possam, através da fotografia como linguagem artística, contar nossas histórias”, comenta Christian.

Para ele, as imagens estereotipadas da Amazônia, a exemplo de imagens que ilustram a biodiversidade como de rios, araras e belezas naturais, geram um imaginário ilusório sobre o que realmente é Amazônia e a profundidade e complexidade das questões que podem ser traduzidas através de uma câmera e um olhar. “São as imagens divulgadas para o mundo e quando essas pessoas voltam para essas imagens querendo visitar a Amazônia sempre querem visitar essas imagens expressas a partir desse olhar que não é o de quem vive na Amazônia urbana, na periferia, nos interiores, as linguagens visuais que a gente tem aqui e que são daqui”, declara.

Christian também comenta a falta de incentivo para que fotógrafos comecem a olhar a Amazônia e a contar suas próprias histórias. “A minha oficina vai nesse sentido de mostrar que é possível a gente contar as nossas próprias histórias, de que é possível contar histórias positivas dessa região, porque muitas vezes só é contada um grande problema, conflito, desgraça, destruição ou uma Amazônia que ela é impecável, intocável, que seria o rio, a arara voando, a onça…”, enumerou o fotógrafo.

Ao convidar um meio termo na produção fotográfica, a oficina de Christian abordou questionamentos como: que Amazônia é essa? Quais são as pessoas que vivem na Amazônia? Quais são as nossas características, peculiaridades, singularidades culturais e que através da fotografia eu consigo divulgar essas narrativas? O que é nosso, qual é a nossa identidade?

O profissional relatou não encontrar caminhos para direcionar fotógrafos com intenções de seguir uma carreira fotográfica focada em mudanças climáticas numa cidade como Manaus. 

“Não consigo nem ramificar em mudanças climáticas, porque o básico, que seria a gente ter o nosso próprio acervo fotográfico, nossa própria linguagem fotográfica, a partir das pessoas que são daqui desse próprio território, a gente também não tem. Durante muito tempo a nossa história foi contada a partir de fotógrafos que não eram daqui. É o momento agora de olhar pra esse lugar, fortalecer fotógrafos, produtores de conteúdo e de imagem daqui, para que a gente possa contar nossa própria história”, 

completa.

Fotografia como proteção

Há dez anos Christian mantém um trabalho sólido comprometido em acompanhar principalmente questões ambientais e, tão indissociáveis como são no Brasil, as questões indígenas. “Precisei sair [da região], morei oito anos em São Paulo, para olhar pra minha região e falar: nossa, a gente tem uma potencialidade visual e narrativa muito grande! Um Estado lindo, com aspectos culturais incríveis, um povo acolhedor, muita gente incrível! Como que essas narrativas não saem na imprensa?”, perguntou o artista, emendando na resposta que é possível constatar na rotina jornalística que cobre a Amazônia, com as constantes pautas cobrindo problemas e conflitos sociais como crimes ambientais e violência urbana.

“O meio termo disso é construído pelo nosso cotidiano, pessoas do dia a dia, nossas singularidades culturais, nosso povo que é daqui. Meu trabalho está muito vinculado a criar esse meio e tentar fazer com que essa narrativa, seja uma narrativa positiva dessa região, eu sendo daqui o meu olhar é outro”. A fala do fotógrafo aponta para o mal que o fotojornalismo nacional e mundo fez para Amazônia por conta de um estereótipo, tanto para lado ruim quanto para o positivo, que não identifica de fato o que caracteriza visualmente o que é ser amazônico.

“A grande perda dos crimes ambientais são as perdas culturais, algumas regiões do Sul do Pará, Amazonas, Rondônia, onde já não se pesca mais. Cidades compostas por uma estética de rodeio, açougues, bois, soja, que nunca foi a nossa identidade. Isso é um projeto de nação que não é nosso”, afirma o fotógrafo. O trabalho de memória realizado pela fotografia de Christian aponta para um impacto de linguagens visuais onde se apresenta uma inspiração para um outro olhar, instigando a auto estima através da imprensa.

O processo de êxodo feito por profissionais para buscar oportunidade fora do Amazonas também foi destacado pelo fotógrafo. “A gente tem um Estado lindo com uma característica incrível cultural, com festas, eventos, entretenimento, meio ambiente, pessoas muito acolhedoras, que ele é muito completo e falta muito as pessoas olharem para essas histórias e contá-las”, finalizou o artista, destacando a responsabilidade que sente por ser um dos agentes responsáveis por contar uma nova história amazônica.

Sobre Christian Braga

Christian Braga tem 32 anos, é um fotógrafo e documentarista amazonense, membro da agência brasileira de fotografia Farpa. Tem seu trabalho voltado às questões de direitos humanos e socioambientais. Contribui com organizações não-governamentais nacionais e internacionais como Greenpeace, WWF, Instituto Socioambiental (ISA), especialmente com trabalhos voltados a documentação e monitoramento de crimes ambientais e na preservação e proteção da Amazônia. Já publicou histórias em mídias como National Geographic, Al Jazeera, Vice, The Guardian, entre outras. 

Sobre a Glocal Experience Amazônia

A Glocal Experience nasceu em maio de 2022 com sua primeira edição no Rio de Janeiro. O evento retornará à capital carioca no período de 5 a 8 de outubro. Este encontro deverá ser anual e tem a intenção de ser realizado em cada Estado da Amazônia, a exemplo de Boa Vista (RR), que já recebeu uma mini edição do encontro. Em Manaus são 70 horas de conteúdo gratuito e sua programação completa está disponível no site do evento.

A Glocal Experience Amazônia tem o apoio do Governo do Amazonas, Secretaria de Cultura e Economia Criativa, Secretaria do Meio Ambiente, Navegam e Parque Mosaico; idealização e operação Dream Factory; e realização Fundação Rede Amazônica. 

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