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Quarta, 08 Mai 2024

Planejamento estratégico para as Corporações Policiais

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Há duas semanas escrevemos nesta coluna sobre a importância de um planejamento estratégico para a formulação e implementação de uma política pública de segurança O jogo estratégico da política pública de segurança. No entanto, não basta que as políticas públicas de segurança sejam planejadas estrategicamente se as corporações policiais não tiverem o seu próprio planejamento estratégico, que, obviamente, deve se harmonizar com o planejamento da política pública.

Pelas mesmas razões que o planejamento estratégico é imprescindível para a formulação, implementação e execução de uma política de segurança pública, também é imprescindível que haja planejamento estratégico nas organizações policiais.

Como já abordado anteriormente, a política de segurança pública, difere da política pública de segurança, pois tem como foco de suas ações o aparato policial, ou seja, as organizações policiais são imprescindíveis para o êxito de uma política de segurança pública, pois será por meio delas que a política de segurança pública conseguirá combater a violência e manter a ordem pública. 

Toda e qualquer corporação deveria ter um planejamento estratégico, principalmente organizações policiais definidas pelas Constituições Federal e estaduais como instituições permanentes. A Constituição Federal estabelece que as Polícias Federal, Rodoviária Federal e Ferroviária Federal são "órgãos permanentes" (art. 144, §§ 1º, 2º e 3º).

Foto: Reprodução / SSP-AM

As polícias estaduais, como as Polícias Militar e Civil, têm essa mesma previsão, ou seja, de serem instituições ou órgãos permanentes, nas respectivas Constituições Estaduais.

Na Constituição do Estado de Rondônia essa previsão está nos artigos 146 e 148.

Art. 146. A Polícia Judiciária Civil, instituição permanente, dotada de autonomia administrativa e financeira, instrumental a propositura de ações penais, incumbida das funções de polícia judiciária e da apuração de infrações penais, exceto as militares e ressalvada a competência da União, é dirigida por Delegado de Polícia de última classe na carreira, de livre escolha, nomeação e exoneração pelo Governador do Estado.

(...)

Art. 148. À Polícia Militar, força auxiliar, reserva do Exército e instituição permanente, baseada na hierarquia e na disciplina, cabe a polícia ostensiva, a preservação da ordem pública e execução de atividades de defesa civil, através dos seguintes tipos de policiamento:


  • I ostensivo geral, urbano e rural;
  • II de trânsito;
  • III florestal e de mananciais;
  • IV rodoviário e ferroviário, nas estradas estaduais;
  • V portuário;
  • VI fluvial e lacustre;
  • VII de radiopatrulha terrestre e aérea;
  • VIII de segurança externa dos estabelecimentos penais do Estado;
  • IX Suprimido pela EC nº 6, 22/04/1996 – D.O.E. nº 3498, de 29/04/1996)
  • X outros, atribuídos por lei (RONDÔNIA, 1989).
As Polícias Militar e Civil são consideradas instituições permanentes porque suas existências independem de pessoas, momentos históricos ou gestões governamentais, ademais possuem valores e princípios próprios. São essenciais para o funcionamento do Estado.

Por serem instituições permanentes e essenciais para o funcionamento do Estado, elas precisam se planejar para o futuro, de forma a se tornarem mais eficientes no cumprimento de suas missões institucionais, dentre as quais está a de promover a manutenção da a ordem pública, principalmente combatendo a criminalidade, o que tem se tornado uma missão cada vez mais difícil.

Conforme já visto, planejamento é um ato racional de escolha de um determinado futuro. Sem o planejamento o futuro é incerto e pode ocorrer de diversos modos possíveis. Com ele procura-se evitar ou, pelo menos, diminuir as incertezas quanto ao futuroi. Para reduzir essas incertezas e possibilitar a escolha mais racional para o futuro dessas instituições permanentes é imperioso que cada uma delas tenha um planejamento estratégico, à semelhança do que acontece com qualquer empresa. Afinal, a gestão de instituições como essas são tão complexas quanto a de uma empresa de grande porte.

Óbvio que não se pode confundir o planejamento estratégico das instituições policiais com o planejamento estratégico da política de segurança pública. Enquanto este planejamento está voltado para fazer com que as políticas públicas atinjam seus objetivos, aquele planejamento está relacionado ao futuro das instituições, visando perpetuá-las no tempo e torná-las mais eficientes, a fim de proporcionar uma melhor qualidade de vida para a população, mantendo a ordem pública, bem como a sensação de tranquilidade.

Resta claro que os planejamentos da política de segurança pública e o das instituições policiais se complementam, tendo em vista que o êxito destas políticas depende muito da eficiência das instituições policiais.

A ineficiência ou mau funcionamento de instituições permanentes como as Polícias Federais e as estaduais, ou seja, as Polícias Militar e Civil, compromete o funcionamento do próprio Estado. Por isso as instituições policiais devem se planejar para garantirem sua existência futura e o bom funcionamento do Estado, assim como o fazem as grandes empresas.

Feita essa analogia, conclui-se que a cúpula das instituições policiais deve raciocinar estrategicamente, ou seja, com a mente voltada para o futuro.

Foto: Tânia Rêgo / Agência Brasil

Segundo Robert, raciocínio estratégico é o processo de pensamento usado pelo presidente e pelos membros da direção para pintar uma imagem do que eles querem que sua organização seja em determinado momento futuro (ROBERT, 1998, p. 77-78).

O objetivo é traçar um perfil para o futuro da empresa ou organização, a partir dele pretende-se que os funcionários da empresa o usem como filtro ou plataforma de teste para ajudá-los a tomar decisões coerentes em nome da organização ao longo do tempo (ROBERT, 1998).

Esse tipo de raciocínio é importante em uma instituição permanente, pois as pessoas passam e as instituições ficam. As instituições não podem sofrer solução de continuidade em suas atividades em razão da saída de um de seus dirigentes ou até mesmo do presidente. As mudanças na gestão da empresa/organização/instituição não justificam a mudança no perfil da mesma ou do rumo que foi traçado para ela.

Se por um lado o raciocínio estratégico determina "o quê" uma organização deve ser no futuro, por outro lado, é o planejamento estratégico que ajudará escolher "como" chegar lái.

O planejamento estratégico mostra-se necessário para as organizações, sejam elas empresariais ou policiais, pois "as organizações que planejam estrategicamente, em geral, alcançam um desempenho superior às demais"ii.

Para Steiner e os demais autores neoclássicos o planejamento produz um resultado imediato: o plano. Este por sua vez, é o produto do planejamento e descreve um curso predeterminado de ação sobre um período específico para alcançar um objetivo almejado e proporciona respostas às questões: o quê, quando, como, onde e por quem.

Importante destacar que instituições permanentes devem servir ao Estado e não aos Governos, pois estes mudam a cada quatro anos, enquanto o Estado e suas instituições essenciais perpetuam-se ao longo do tempo. Por essa razão, o planejamento de uma instituição permanente deve ser estratégico, pois seu horizonte temporal se dá a longo prazo.

O fato de não existir um planejamento estratégico para o setor da segurança pública e não haver planejamento estratégico para as corporações policiais é motivo de enorme preocupação, pois o futuro da segurança pública parece cada vez mais incerto e os objetivos cada vez mais distantes de serem atingidos.

A falta de planejamento suscita a ideia de que não se sabe para onde se quer ir. E nesse caso, qualquer caminho serve, inclusive o caminho errado. Isto remete à conversa entre Alice e o Gato de Cheshire (personagens do livro Alice no País das Maravilhas).

Há um trecho do livro que é muito lembrado quando se fala da importância do planejamento. Nele Alice está caminhando pela floresta quando chega numa encruzilhada, onde inúmeros caminhos se apresentam. No alto de uma árvore, próximo à encruzilhada, está o Gato. Ela dirige-se a ele e pergunta:


  • "Bichano de Cheshire, poderia me dizer, por favor, que caminho devo tomar para sair daqui?", perguntou Alice.
  • "Isso depende muito para onde você quer ir", respondeu o Gato.
  • "Não me importa muito para onde ...", disse Alice.
  • "Então não importa que caminho que você escolha", disse o Gato.
  • "Contanto que dê em algum lugar", Alice completou.
Ante o exposto, conclui-se que ao não saber qual destino que se pretende ir, o caminho pouco importa.

A impressão que dá é que a segurança pública no Brasil está exatamente como Alice: sem saber para onde vai. E pior, não se preocupando com o caminho que vai seguir, pois é isso que se extrai da falta de planejamento estratégico, tanto na política de segurança quanto na política institucional das corporações policiais.

Muito já se falou acerca da importância de uma política pública, principalmente na área de segurança, contudo insta salientar também a relevância do planejamento estratégico para as corporações policiais, pois as forças policiais, para atuarem de forma integrada, terão que, separadamente, consolidar suas organizações e suas metodologias, aprimorar gestão em todos os seus aspectos, a fim de fortalecer o sistema de segurança pública do Estado, de forma a permitir que as políticas públicas de segurança obtenham êxitoiii.


i ROBERT, Michel. Título original: Strategy pure and simple. Estratégia como empresas vencedoras dominam a concorrência / Michel Robert tradução June Camargo. São Paulo: Negócio Editora, 1998

ii CHIAVENATO, Idalberto e SAPIRO, Arão. Planejamento estratégico. 3. ed.-Rio de Janeiro: Elsevier, 2016.

iii FREITAS JÚNIOR, Francisco Lopes de. CPT498- Segurança pública estadual brasileira: o que influencia seu desempenho. In: XII Congresso ANPCONT, João Pessoa, jun. 2018. Disponível em: https://www.anpcont.org.br/pdf/2018_CPT498.pdf. Acesso em: 07. set. 2018.


Sávio A. B. Lessa é Doutor em Ciência Política; pós graduado em Ciências Penais, Segurança Pública, Direitos Humanos e Direito Militar; Advogado Criminalista; Professor de Direito Penal e Processual Penal da FCR; Pesquisador do PROCAD/MIN. DEFESA; e Coronel da Reserva da PMRO.

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