O jogo estratégico da política pública de segurança

Para se formular e implementar uma política de segurança pública, ou qualquer política pública, precisa-se de um planejamento estratégico.

Na coluna do dia 13 de abril de 2021 escrevemos sobre política de segurança pública Para combater a ”violência epidêmica” precisamos, mais do que ”política de segurança pública”, de uma ”política pública de segurança”, onde deixamos claro que o Estado existe para promover o bem-estar social e que, por meio de programas a ações, o Estado precisa atender as demandas sociais e resolver os problemas que afligem a sociedade. Ensinamos, ainda, que política de segurança pública é um “conjunto composto de programas, estratégias, ações e processos atinentes à manutenção da ordem pública no âmbito da criminalidade, incluídas neste contexto questões sobre violência e insegurança, inclusive subjetiva”.

Para se formular e implementar uma política de segurança pública, ou qualquer política pública, precisa-se de um planejamento estratégico, sem o qual não se realiza nenhum programa ou ação. E no campo da segurança pública, o planejamento precisa ser estratégico e sistêmico.

O planejamento estratégico é o planejamento mais amplo e abrange toda a organização. Entre suas características destaca-se o horizonte temporal, pois é projetado para o longo prazo, tendo seus efeitos e consequências estendidos por vários anos. É o mais adequado para se planejar uma política pública, pois, segundo Chiavenato e Sapiro (2016), ele é o processo administrativo que proporciona sustentação metodológica para se estabelecer a melhor direção a ser seguida, sendo seu planejamento de responsabilidade dos níveis mais altos, dizendo “respeito tanto à formulação de objetivos quanto a seleção dos cursos de ação – estratégias – a serem seguidos para sua consolidação”.

No âmbito da administração pública, o planejamento estratégico é aquele formulado num determinado âmbito público e que estabelece diretrizes gerais a serem seguidas pelos diversos setores da gestão pública.

Segundo Oliveira (2015, p. 192), estratégia é: Estratégia é definida como um caminho, ou maneira, ou ação formulada e adequada para alcançar, preferencialmente de maneira diferenciada e inovadora, as metas, os desafios e os objetivos estabelecidos, no melhor posicionamento da empresa perante seu ambiente, onde estão os fatores não controláveis (OLIVEIRA, 2015, p. 192).

Foto: Agência Brasil

O conceito de estratégia não é recente. Oliveira (2015) ensina que “o termo estratégia – do grego strátegos – deriva de duas palavras do grego: stratos (exército) e ago (em grego arcaico, liderar, guiar, mudar de direção)”. Segundo o autor, na Grécia Antiga, a estratégia inicialmente referia-se a uma posição (o general no comando de um exército). Mais tarde veio a designar “a arte do general”, significando. 

A aplicação das competências do general no exercício de sua função (arte militar) na liderança de diferentes agrupamentos (unidades) em múltiplas frentes envolvendo várias batalhas ao longo do tempo. O desafio colocado ao general é a orquestração e a visão do conjunto. Os grandes generais pensam sobre o todo. Ao tempo de Péricles (450 aC.) a estratégia designava as habilidades gerenciais de administração, liderança, oratória e poder. E com Alexandre, o Grande (330 aC.) já significava o emprego de forças para vencer o inimigo. Nas guerras helênicas, a estratégia constituiu a fonte inesgotável das vitórias militares mesmo com insuficiência de recursos frente ao opositor mais forte (CHIAVENATO; SAPIRO, 2016, p. 8). 

O General de Exército, na Grécia antiga, era a própria personificação da palavra estratégia. Ele era chamado de estrategos, do grego strátegos (aquele que lidera os exércitos), correspondia, basicamente, a um título para designar o cargo de general.

Os três pilares que constituem a base da estratégia organizacional (organização, circunstância e disposição) foram extraídos dos ensinamentos do reverenciado general chinês Sun Tzu, que viveu em meados do século V antes de Cristo. Sun Tzu dizia que “a ordem e a desordem dependem da organização, enquanto a coragem e a covardia dependem da circunstância e a força ou fraqueza da disposição” (CHIAVENATO; SAPIRO, 2016, p.10).

Sun Tzu foi o primeiro a tratar sobre estratégias militares, foi autor da obra literária, A Arte da Guerra. Na referida obra o general chinês tratou da preparação dos planos, da guerra efetiva, da espada embainhada, das manobras, da variação de táticas, do exército em marcha, do terreno, dos pontos fortes e fracos do inimigo e da organização do exército (CHIAVENATO; SAPIRO, 2016, p. 10).

Em que pese ter sido escrito há mais de 2.500 anos, A Arte da Guerra, continua atual. Chiavenato e Sapiro (2016, p. 10), reverenciando Sun Tzu, afirma que “do alto de sua visão como general da velha China, Sun Tzu revela sua atualidade”.  

Das valiosas recomendações de Sun Tzu as que mais chamam atenção são as que ensinam a “quebrar a resistência do inimigo sem combater” e “ganhar antes que comece a batalha”.

Chiavenato e Sapiro (2016, p. 11), com base nos ensinamentos de Sun Tzu, fazem referência a duas abordagens de intervenção: a estratégia direta e a estratégia indireta:

Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom / Agência Brasil

A estratégia direta (ou batalha) “está associada à destruição das forças inimigas em combate que tendem a colocar frente a frente os pontos fortes de ambos. Ganhará o mais forte” (CHIAVENATO; SAPIRO, 2016, p. 11).

Aplicando a estratégia direta ao campo da segurança pública, nas ações policiais de combate à criminalidade, cita-se, por exemplo, o confronto direto entre policiais e bandidos nas ruas das cidades brasileiras, que se tornaram um verdadeiro campo de batalha, acarretando muitas baixas de ambos os lados (policiais e criminosos). Uma guerra que não acaba nunca, pois a criminalidade não reduz. Pelo contrário, tem aumentado com o tempo devido a ineficiência das políticas de segurança pública.

A estratégia indireta (ou manobra), por sua vez, tem como finalidade “criar condições estrategicamente desfavoráveis ao adversário que se verá forçado a renunciar ao confronto, assumindo a derrota, por perceber que não dispõe de quaisquer possibilidades de aspirar vitória” (CHIAVENATO; SAPIRO, 2016, p. 11).

No âmbito da segurança pública, cita-se, por exemplo, ações de inteligência, que permitem a polícia se antecipar à prática do crime, prendendo os criminosos antes de alcançarem os resultados criminosos desejados; o fortalecimento dos organismos policiais, permitindo com que ajam de forma mais eficiente, demonstrando supremacia de forças, o que desestimula a prática delituosa; e as ações que visam atacar os fatores de produção criminal (principalmente do narcotráfico e outros crimes organizados), tais como fontes de financiamento (lavagem de dinheiro) e oferta de armas.

A melhor forma de evitar o crescimento da criminalidade, sem a necessidade de confronto direto, seria por meio das ações preventivas, principalmente as que combatem a oferta de mão-de-obra para o crime organizado (berço da criminalidade), que tem se revelado um de seus pilares mais fortes. Sem mão-de-obra as organizações criminosas perdem sua força.

Neste sentido: Só há uma forma de atacar a oferta de mão-de-obra: criando e implementando programas sociais orientados para a diminuição das desigualdades e da exclusão socioeconômica, focalizados nos jovens, com base nas comunidades, e na reformulação total do sistema socioeducativo para menores infratores (CERQUEIRA; LOBÃO, 2003, p. 54).

Resta evidente que existe uma estreita relação entre estratégia e competição. A estratégia é uma abordagem competitiva, que sob o âmbito da competição militar, é indiscutível sua importância, afinal “foi no cenário da guerra que nasceu o conceito de estratégia da maneira como ele é usualmente entendido na atualidade” (CHIAVENATO; SAPIRO, 2016, p. 10).

Ao longo do tempo, a palavra estratégia tomou outras dimensões, que foram muito além da aplicação militar, no entanto inspiradas na competição militar.

Além da competição militar, a política também tem inspirado os estrategistas. “O jogo pelo poder implícito na política geralmente esconde uma batalha – frontal ou oculta nos bastidores – que lembra a disputa militar” (CHIAVENATO; SAPIRO, 2016, p. 15).

O jogo pelo poder, suas estratégias, a prática do poder político, bem como as formas como ele pode ser conquistado e praticado foram objeto do livro “O Príncipe”, de Nicolau Maquiavel, filósofo e político italiano considerado o pai da ciência política.

Como diz Chiavenato e Sapiro (2016, p. 16): “O Príncipe se mantém tão vivo e chocante, que sua influência na história política moderna e no pensamento estratégico é profunda”.

Sobre a competição esportiva, resta claro que a estratégia está diretamente relacionada à competição, tendo relação direta. Os esportes, diga-se de passagem, eram em sua essência uma competição. Seu surgimento remonta a Grécia antiga, com os jogos olímpicos.

A competição esportiva é um jogo e, como qualquer outro tipo de competição, precisa de estratégia. Chiavenato e Sapiro (2016, p. 17) ensinam: “o jogo se baseia na presença básica de três elementos: os jogadores, as regras e a busca pelos resultados”.

A expressão competição estratégica nos remete a ideia de jogo. No entanto, não se pode compreender a definição de jogo a partir de características como entretenimento, regras e competição, pois são incompletas e inadequadas.

Entenda-se como jogo toda e qualquer atividade em que exista a figura do jogador, atuando em qualquer ambiente (esporte, economia, matemático, política etc.).

Para tratar de estratégias, vencer jogos, ou aumentar as chances de vitória, criou-se diversas teorias, dentre as quais destaca-se, a Teoria dos Jogos – uma das principais técnicas de Pesquisa Operacional que a Teoria Matemática desenvolveu.

Neste sentido, a teoria dos jogos procura: Encontrar estratégias racionais em situações em que o resultado depende não só da estratégia própria de um agente e das condições de mercado, mas também das estratégias escolhidas por outros agentes que possivelmente têm estratégias diferentes ou objetivos comuns e é aplicada a conflitos (chamados jogos) que envolvem disputa de interesses entre dois ou mais competidores, nos quais cada jogador pode assumir uma variedade de ações possíveis, delimitadas pelas regras do jogo. Em outras palavras, a teoria dos jogos estuda as escolhas de comportamentos ótimos quando o custo e benefício de cada opção não é fixo, mas depende sobretudo, da escolha dos outros indivíduos (CHIAVENATO; SAPIRO, 2016, p. 17).

A concepção de jogo e suas estratégias aplicam-se à política pública, tendo em vista que muitos teóricos comparam a atuação dos diversos atores envolvidos no processo de formulação e implementação de política pública a um jogo. Nesse jogo os atores assumem o papel de jogadores, atuando ativamente em uma arena, onde disputam influência e defendem seus interesses.

No jogo da política pública de segurança, os jogadores envolvidos no processo de formulação e implementação da referida política precisam conhecer as regras do jogo, saberem jogar e buscarem o resultado. Caso contrário, nenhum programa e ação sairá do papel, será ineficaz, ineficiente e sem efetividade. 

Sávio A. B. Lessa é Doutor em Ciência Política; pós graduado em Ciências Penais, Segurança Pública, Direitos Humanos e Direito Militar; Advogado Criminalista; Professor de Direito Penal e Processual Penal da FCR; Pesquisador do PROCAD/MIN. DEFESA; e Coronel da Reserva da PMRO.

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