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Domingo, 28 Abril 2024

O Brasil tem sua(s) Gaza(s) e seu(s) Hama(es): a segurança pública e sua guerra, nada santa, contra a corrupção

Quem disse que o Brasil é um país pacífico, sem guerras e atos terroristas?

Podemos dizer que um lugar pacífico é um lugar calmo, pacato, sossegado, manso, ordeiro e tranquilo. As grandes cidades brasileiras já não sabem o que é tranquilidade, as pessoas não se sentem seguras onde moram, não conseguem sair às ruas sem medo de serem vítimas de algum tipo de violência.

Há muito tempo que não vivemos uma guerra contra outros países, mas, lamentavelmente, vivemos, constantemente, em uma "guerra" contra à criminalidade, principalmente entre polícias e facções criminosas.

No estado do Rio de Janeiro a situação ficou caótica. Alguns bairros se tornaram verdadeiras "Faixas de Gaza", áreas dominadas pelas facções criminosas, onde as forças policiais não podem entrar sem que haja confronto armado, tipo "guerrilha".

Desde os anos 80 temos acompanhado pela mídia o avanço das facções criminosas no Rio de Janeiro (Comando Vermelho) e em São Paulo (PCC). Passados quatro décadas, a situação só piorou. Essas facções criminosas tornaram-se cada vez mais organizadas e expandiram seus tentáculos para outras regiões do Brasil. Hoje elas tem filiais em praticamente todos os Estados. Até fizeram escola, pois na região norte, espelhadas nessas facções, foram criadas as suas próprias, como a "Família do Norte", que disputa território com as mais famosas.

Em 09 de junho de 2021 escrevemos, nesta coluna, o artigo intitulado 'Crime organizado versus Estado desorganizado, resultado: caos e violência'. Abordamos o avanço das organizações criminosas no Brasil, mas principalmente na região Norte. Na ocasião, narramos os ataques das facções criminosas contra a morte de um traficante no dia 05 de junho daquele ano, quando criminosos atacaram ônibus do transporte urbano, prédios públicos e viaturas. Os ataques ocorreram na madrugada do domingo, dia 06, em Manaus. Segundo a Secretaria de Segurança Pública, os ataques se estenderam às cidades do interior do estado (Parintins, Careiro Castanho, Iranduba e Manacapuru. As ordens para esses ataques saíram dos presídios, ordenado pela facção criminosa a qual pertence o traficante morto.

Um clima de terror se instalou no Estado, principalmente em Manaus, fazendo com que as pessoas tivessem medo de sair as ruas à noite.

Os estados da região Norte estão sob influência de facções criminosas. Rondônia e Amapá, na ocasião que publicamos o artigo, apareciam como "média influência" do PCC. Isto porque, no caso de Rondônia, existem outras facções de maior expressividade. À título de exemplo, cita-se o Comando Vermelho.

O Acre e Roraima já estão sob "alta" influência do PCC, sofrendo com a disputa entre as duas facções, o que leva esses Estados à altas taxas de criminalidade, sobretudo homicídios.

Os demais estados do Norte demonstram baixa influência do PCC. No caso do Amazonas, a baixa influência do PCC deve-se ao fato do estado já ser dominado por outras facções, tais como Comando Vermelho (CV) e Família do Norte (FDN). 

Foto: Tarcísio Heden/SSP-AM

A Bahia recentemente foi alvo de ações policiais de combate às facções criminosas, que havia matado policiais em confronto. Em setembro, pelo menos 56 pessoas foram mortas pelas forças de segurança da Bahia – média de quase duas por dia. Três policiais morreram em confrontos.

A violência tem tomado conta do país, que parece anestesiado, fazendo pouco caso dos altos números de mortes, roubo, feminicídio, estupros e outros crimes.

Antes o Brasil assistia nas telas das tvs, nos noticiários dos jornais, a absurda onda de violência que dominava o Rio de Janeiro. Infelizmente, as organizações criminosas expandiram seus territórios, alcançando nossos estados, nossas cidades, nossas ruas, deixando claro que o Estado está perdendo essa "guerra".

A força das facções criminosas não está, necessariamente, em sua organização – são reconhecidamente organizadas --, mas sim na falta de organização do Estado, que tem se mostrado ineficiente no combate à criminalidade. A falta de uma política pública de segurança eficiente, acrescido da incompetência de muitos e da corrupção de alguns servidores públicos, fazem com que as organizações criminosas ganhem força e conquistem mais terrenos. Isto, no entanto, não pode acontecer, pois onde reinam as organizações criminosas imperam a violência, o medo e o terror.

Devemos enfrentar as facções criminosas e combater a corrupção que assola este país. A corrupção é um câncer que se alastra pela máquina administrativa, impedindo que ela funcione adequadamente no combate ao crime. Não podemos tapar os olhos para o avanço da criminalidade.

Na semana passada, até armas do Exército foram furtadas dentro do Quarte, provavelmente por militares envolvidos com as facções criminosas. Ainda tivemos o caso de policiais que apreenderam drogas e fizeram a escolta até o RJ, e depois negociavam sua liberação com uma facção. Mais de 20 câmeras mostraram policiais civis escoltando um carregamento de maconha para depois negociar com a maior facção carioca. Uma outra operação da PF apura o envolvimento de policiais civis no desvio de 280 kg de cocaína. Onde vamos parar?

Na data de ontem fomos surpreendidos com a notícia de mais uma ação violenta das facções criminosas no Rio de Janeiro:

A morte de um miliciano provocou um dia de terror na Zona Oeste do Rio na tarde desta segunda-feira (23). Ao menos 35 ônibus e 1 trem foram queimados a mando de criminosos na região, no dia com mais coletivos incendiados na história da cidade, segundo o Rio Ônibus.

Inadmissível! Não podemos tolerar que facções criminosas ajam como grupos terroristas, semelhantes ao HAMAS, ou que nossas cidades se tornem "Faixas de Gaza". O Estado precisa cumprir o seu papel de promover a segurança, a ordem e a tranquilidade pública.

Não adianta ignorarmos a realidade, acreditando nas propagandas governamentais que transmitem uma falsa realidade de mundo perfeito, sem violência, sem crimes - um verdadeiro comercial de margarina –, onde os programas de combate à criminalidade estão dando certo. É necessário enfrentar o mundo real, onde todos os dias morrem cidadãos trabalhadores, vítimas de homicídios, latrocínios e feminicídios, entre outros inúmeros crimes violentos.

Os Estados precisam rever suas políticas de segurança pública, e formular políticas públicas de segurança envolvendo todos os segmentos do poder público e da sociedade.

Imperioso se faz investir no combate à corrupção, em inteligência, melhores salários e condições de trabalho para os profissionais de segurança pública, e na melhoria do sistema carcerário, além, obviamente, em políticas de inclusão social.

Levem a sério a segurança pública.

 Sobre o autor

Sávio A. B. Lessa é Doutor em Ciência Política; pós graduado em Ciências Penais, Segurança Pública, Direitos Humanos e Direito Militar; Advogado Criminalista; Professor de Direito Penal e Processual Penal da FCR; Pesquisador do PROCAD/MIN. DEFESA; e Coronel da Reserva da PMRO.

*O conteúdo é de responsabilidade do colunista

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