Crime organizado versus Estado desorganizado, resultado: caos e violência

Não bastasse os sérios problemas que já vem enfrentando, decorrentes da pandemia e dos alagamentos provocados pela cheia histórica, ainda tem que enfrentar essa onda de violência e medo provocado pelos ataques das facções criminosas.

A força das facções criminosas não está, necessariamente, em sua organização – são reconhecidamente organizadas, mas sim na falta de organização do Estado, que tem se mostrado ineficiente no combate à criminalidade”.

Agência bancária é depredada durante atentados em Manaus – Foto: G1 Amazonas

Coitado do povo de Manaus, coitado do povo brasileiro, vítimas constantes da violência e da incompetência do Estado em combater a criminalidade.

Não bastasse os sérios problemas que já vem enfrentando, decorrentes da pandemia e dos alagamentos provocados pela cheia histórica, ainda tem que enfrentar essa onda de violência e medo provocado pelos ataques das facções criminosas.

Em ataques contra a morte de um traficante no último sábado, dia 05 de junho, criminosos atacaram ônibus do transporte urbano, prédios públicos e viaturas. Os ataques ocorreram na madrugada do domingo, dia 06, em Manaus. Segundo a Secretaria de Segurança Pública, os ataques se estenderam às cidades do interior do estado (Parintins, Careiro Castanho, Iranduba e Manacapuru. As ordens para esses ataques saíram dos presídios, ordenado pela facção criminosa a qual pertence o traficante morto.

Um clima de terror se instalou no estado, principalmente em Manaus, fazendo com que as pessoas tenham medo de sair as ruas à noite.

Não é a primeira vez que facções criminosas desafiam o Estado e instauram clima de terror nas cidades brasileiras. Para não precisarmos ir muito longe, lembremo-nos dos ataques do PCC em São Paulo no ano de 2006, ocasião em que a cidade viveu uma verdadeira guerra entre o Primeiro Comando da Capital (PCC) e os organismos de segurança do estado. Entre os dias 12 e 21 de maio de 2006, 564 pessoas foram assassinadas por armas de fogo no Estado.

Bases da polícia, bombeiros, agentes penitenciários e policiais de folga foram atacados em ações orquestradas a partir da facção que age dentro e fora dos presídios. O dia 15 de maio de 2006, uma segunda-feira, marcou o ápice da onda de violência iniciada alguns dias antes. Naquele dia, a cidade de São Paulo parou.

Veículos incendiados em Manaus. — Foto: Leandro Guedes / Rede Amazônica

Os ataques teriam ocorrido em represaria à decisão do governo do estado de transferir chefes de facções criminosas para presídios de segurança máxima.

Mais recentemente, em 20 de setembro de 2019, iniciou-se uma onda de ataques no Ceará, também ordenados dos presídios. Em 05 dias foram registrados pelo menos 43 ataques no estado contra prédios públicos e privados, transportes coletivos, caminhões, carros particulares e uma torre de telefonia.

A onda de ataques no Ceará que incendiou dezenas de veículos e prédios públicos no estado é motivada pelo corte de “regalias” no sistema prisional, de acordo com o secretário da Segurança Pública, André Costa. Além disso, fontes ligadas ao sistema penitenciário do Ceará afirmam ao G1 que a descoberta de um plano de resgate de presidiários e o isolamento dos detentos que iriam fugir geraram reações dos criminosos.

As facções criminosas há muito tempo vêm desafiando o Estado, tentam mostrar que tem mais força que o próprio Estado e que este não deve mexer com elas. Demonstram isso delimitando seus territórios, onde o estado não entra, onde a Polícia não pode entrar, como ocorre nos morros cariocas. O Rio de Janeiro há muito tempo tem sido uma cidade vivendo uma guerra civil, com confrontos quase que diários entre polícia e facções criminosas. Em novembro de 2010 assistimos pelos noticiários de tv, ao vivo, um confronto que resultou na migração de um morro para outro. O estado do Rio de janeiro, inclusive, já se submeteu a uma intervenção federal na segurança pública, haja vista a sua incapacidade em combater o crime organizado.

Aquilo que víamos na tela da tv ocorrendo no Rio de Janeiro, e as vezes em São Paulo, agora se alastra pelo país inteiro.

As facções criminosas agora disputam território em outros estados da federação, em especial nos estados da região norte, pois estão mais próximos das fronteiras com países produtores de drogas.

Recentemente foi publicada reportagem que divulgou uma pesquisa que confirma que as maiores facções criminosas do país estão disputando a hegemonia do crime em pelo menos nove Estados brasileiros, alguns da região norte está nesta lista.

Maiores facções do país e ex-aliadas no mundo do crime, o PCC (Primeiro Comando da Capital) e o CV (Comando Vermelho) estão em confronto direto pelo domínio da rota de tráfico de drogas e dos presídios em pelo menos nove estados brasileiros: Acre, Amapá, Alagoas, Ceará, Pará, Rio Grande do Norte, Rondônia, Roraima e Tocantins (COSTA; ADORNO, 2018, p. 1).

Essa disputa tem relação direta com os índices de criminalidade, que crescem em face a guerra declarada pelas facções. Neste sentido:

A chegada do PCC no mercado de drogas de outros estados produziu enorme instabilidade dentro e fora dos presídios, promovendo alianças e rivalidades violentas, tendo um reflexo no aumento das taxas de homicídios, como ocorreu principalmente nos estados do norte e nordeste (COSTA; ADORNO, 2018, p. 1).

Dias e Manso mapearam a influência do PCC nos Estados brasileiros, como ilustra a Figura abaixo:

Os estados de Rondônia e Amapá, por enquanto, aparecem como “média influência” do PCC. Isto porque, no caso de Rondônia, existem outras facções de maior expressividade, a título de exemplo, cita-se o Comando Vermelho.

O Acre e Roraima já estão sob “alta” influência do PCC, sofrendo com a disputa entre as duas facções, o que leva esses Estados à altas taxas de criminalidade, sobretudo homicídios.

Os demais estados do norte demonstram baixa influência do PCC. No caso do Amazonas, a baixa influência do PCC deve-se ao fato do estado já ser dominado por outras facções, tais como Comando Vermelho (CV) e Família do Norte (FDN). O CV, inclusive, pichou um aviso nos muros do bairro Compensa, em Manaus, deixando claro que domina aquela área e está em guerra com outras facções:

Atenção: Uber ou moradores da Compensa 1, 2 e 3, ao entrar no bairro por favor baixar os vidros do carro e desligar o farol para a sua própria segurança. Estamos em guerra. Assinado CV”.

A mensagem, pichada em uma mureta na avenida Brasil, em Manaus, é destinada aos forasteiros: os mais de 75.000 habitantes do bairro da Compensa sabem que o local se tornou, nos últimos anos, uma das principais linhas de frente no violento embate entre facções criminosas.

As ações de violência ocorridas nesses últimos dias em Manaus deixam clara a influência das facções criminosas no Estado, principalmente dentro dos presídios, onde parece que o Estado não manda, pois os presos condenados continuam a praticar crimes, dando ordens de dentro dos presídios.

A força das facções criminosas não está, necessariamente, em sua organização – são reconhecidamente organizadas –, mas sim na falta de organização do Estado, que tem se mostrado ineficiente no combate à criminalidade. A falta de uma política pública de segurança eficiente, acrescido da incompetência de muitos e da corrupção de alguns servidores públicos, fazem com que as organizações criminosas ganhem força e conquistem mais terrenos. Isto, no entanto, não pode acontecer, pois onde reinam as organizações criminosas imperam a violência, o medo e o terror.

Os Estados precisam rever suas políticas de segurança pública. Imperioso se faz investir no combate à corrupção, em inteligência, melhores salários e condições de trabalho para os profissionais de segurança pública, e na melhoria do sistema carcerário, além, obviamente, em políticas de inclusão social.

Nesse embate de forças entre as facções criminosas e o Estado, é preciso deixar claro que o Estado é o Leviatã, é o mais poderoso, que deve ser respeitado por todos e temido pelos criminosos.

Sávio A. B. Lessa é Doutor em Ciência Política; pós graduado em Ciências Penais, Segurança Pública, Direitos Humanos e Direito Militar; Advogado Criminalista; Professor de Direito Penal e Processual Penal da FCR; Pesquisador do PROCAD/MIN. DEFESA; e Coronel da Reserva da PMRO.

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