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Domingo, 28 Abril 2024

Hipócrates envergonhado: os alunos de medicina precisam respeitar a dignidade humana

Todas as pessoas precisam respeitar a dignidade humana. Todos os cursos precisam formar seus alunos com respeito à dignidade humana, bem como aos preceitos éticos e morais. Mas os cursos de medicina, estes por formarem profissionais que vão lidar com vidas humanas, tratando pessoas em seus momentos mais frágeis, quando estão em alto grau de vulnerabilidades, precisam ter um comportamento ético e moral mais rigoroso, com respeito pleno, total e absoluto à dignidade humana.

Lamentavelmente, temos tido inúmeras notícias de casos abomináveis envolvendo alunos e profissionais de saúde. São relatos de agressões físicas, ameaças, trotes degradantes, estupros e mortes:

Foto: Reprodução/site Diário do Centro do Mundo 

Médico anestesista acusado de estupro de paciente na sala de parto será julgado no dia 12

Principal prova contra Geovanni Quintela Bezerra é um vídeo gravado por enfermeiras, ao qual o Fantástico teve acesso na íntegra,...

.5 de dez. de 2022


Médico que estupra pacientes: o que os hospitais têm feito para prevenir abusos?

Alguns meses separam a notícia sobre o médico anestesista, preso por estuprar uma mulher durante uma cesariana, a do atual médico colombiano...

.20 de jan. de 2023


Médico é preso enquanto trabalhava por ter estuprado três pacientes

Segundo as investigações, ele tocou as partes íntimas de três mulheres quando deveria cuidar da saúde delas.

.20 de jul. de 2023


Cremerj cassa registro de anestesista acusado por estupro de paciente

Giovanni Quintella Bezerra foi preso em flagrante no dia 10 de julho do ano passado, denunciado por ter estuprado uma mulher durante o...

.29 de mar. de 2023


Médico ginecologista é preso por suspeita de estupro de pacientes em GO

Um médico ginecologista suspeito de estuprar pacientes no Distrito Federal foi preso hoje nas proximidades da cidade de Formosa (GO).

.6 de jul. de 2023


Médico é preso acusado de estuprar três mulheres

A Polícia Civil de Pernambuco prendeu nesta quarta (20) um médico, em Barra de Jangada - Jaboatão dos Guararapes, denunciado por estuprar.

.20 de jul. de 2023


Anestesista acusado de estuprar mulher durante parto tem registro profissional cassado

O Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro (Cremerj) anunciou nesta terça-feira (28) que decidiu pela cassação definitiva...

.28 de mar. de 2023


Médico ginecologista é condenado a 277 anos de prisão por estuprar 21 mulheres em GO

O médico ginecologista Nicodemos Júnior Estanislau Morais foi condenado a 277 anos, dois meses e 19 dias de prisão em regime fechado pelo...

.14 de jun. de 2023


Estudante de medicina espancou ator Victor Meyniel após ter a sexualidade exposta

"Eu não sou viado [sic], você que é!". Agressor de Victor Meyniel espancou ator brutalmente por ter sexualidade exposta.

.3 semanas atrás


Abusos e humilhações marcam trotes e jogos de estudantes de Medicina, revela 'Fantástico'

Absurdos como o episódio dos estudantes que desfilaram se masturbando durante um jogo de vôlei feminino do CaloMed, competição entre...

.19 horas atrás


Imagens expõem abusos contra calouros de Medicina e humilhações frequentes

Estudantes foram coagidos com frequência e receberam ameaças quanto ao futuro no mercado de trabalho.

.9 horas atrás


A cultura de abusos nos trotes e competições universitárias

Ameaças, segregação, humilhações: denúncias de uma tradição imposta por veteranos aos calouros do curso de medicina.

.23 horas atrás 

Foto: Reprodução/internet

Se fizermos uma pesquisa pelos sites da internet encontraremos vários casos ocorridos ao longo dos últimos anos.

Com relação aos trotes violentos e degradantes, e de festas regada a drogas, podemos citar o caso de um calouro do curso de medicina encontrado morto na piscina da FMUSP, em 1999, Edson Tsung, após um trote. Na época, quatro estudantes suspeitos foram ouvidos pela polícia, mas nada foi comprovado.

Há também um caso, em 2014, em que calouros na USP foram recebidos em um ritual envolvendo garotas de programas, onde os alunos eram constrangidos a praticarem sexo coletivo ou a assistirem as relações sexuais.

As meninas têm sido o principal alvo dos trotes promovidos pelos veteranos. Muitas são constrangidas a vestirem roupas provocantes, praticamente despidas, e a pedirem dinheiro nos semáforos para comprar bebidas alcoólicas para os veteranos. Há, inclusive, acusações de estupro de alunas embriagadas, o que caracteriza estupro de vulnerável.

Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos:

Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.

§ 1o. Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.

Código Penal
Foto: Instagram/Reprodução

Desde então, os casos vão se repetindo, sem que nada seja feito para mudar esse cenário.

Recentemente escrevemos um artigo condenando os trotes violentos e degradantes, sob o título: Chega de trotes universitários que ofendem a dignidade das mulheres. Neste artigo demos enfoque às mulheres vítimas desses trotes: 

 Algumas meninas pareciam constrangidas em fazerem o que os veteranos mandavam, enquanto outras pareciam não se incomodarem. Lamentavelmente isso deixam claro um outro tipo de ofensa às mulheres: a objetificação. As meninas acabam sendo usadas pelos veteranos como objetos sexuais para atiçarem e satisfazerem a libido dos motoristas homens, a fim de que estes deem dinheiro para as meninas, que serão usados para eventos regados a álcool, onde, lamentavelmente, algumas meninas são embriagadas, e as vezes abusadas.

por Autor
Foto: Reprodução/internet

Ocorre, no entanto, que as vítimas desses trotes não são apenas as meninas, mas todos os calouros, de ambos os sexos. Além dos casos de estupros e trotes violentos que chegam a matar, há inúmeros casos de crimes de "constrangimento ilegal", onde os veteranos ameaçam os calouros, ou os alunos mais modernos que eles, para fazerem o que os veteranos querem, sob pena de serem prejudicados em suas atividades acadêmicas e profissionais, como residência e plantões médicos. Os veteranos ameaçam prejudicar os futuros médicos contra indicando-os para os futuros empregos. Ameaçam persegui-los durante o curso de medicina, assediando-os de todas as formas possíveis, o que caracteriza o crime do art. 146 do Código Penal, dentre outros possíveis. 

 Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda:

Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.

Art. 146

Os recentes casos divulgados na imprensa nacional, onde alunos de medicina da UNISA aparecem exibindo as partes íntimas durante um jogo de vôlei feminino, causaram grande indignação e expuseram a cultura de violência que permeia alguns cursos de medicina no Brasil. Essa cultura tem refletido no comportamento desses profissionais no mercado de trabalho.

Nesse episódio, claramente conseguimos identificar alguns atos criminosos: importunação sexual e ato obsceno. 

Importunação sexual

Art. 215-A. Praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro:

Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o ato não constitui crime mais grave.


Ato obsceno

Art. 233 - Praticar ato obsceno em lugar público, ou aberto ou exposto ao público:

Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.

Muitos outros fatos têm vindo à tona, principalmente de apologia ao estupro, como por exemplo, um hino cantado em um ato solene de uma turma de medicina da Unisa, cujo está publicado nas redes sociais como sendo a colação de grau da 48ª turma, formada no primeiro semestre de 2021.

Durante o evento, que aconteceu na Sala São Paulo, uma graduanda entoou o seguinte hino com a ajuda dos colegas:

"Xá! Vasca!

Xá! Vasca!

Xavasqui! Xavascá! Xavasqui e acolá!

Enfia o dedo nela que ela vai arreganhar!

O quê? Arre-ga-nhar!

Na rima do pudendo [termo médico que designa a fissura formada pelos grandes lábios da vagina]

Eu entrei mordendo!

É a Med Santo Amaro que está te fodendo!

Medicina! Santo Amaro! Ôoo!"

letra.

A letra desse hino é uma verdadeira apologia ao estupro. E pior, proferida por uma mulher, uma graduanda do curso de medicina. É possível que ela tenha sido coagida a cantar o referido hino, ou achou que seria uma brincadeira, algo engraçado. Lamentável, pois não há nada de engraçado em disseminar a cultura do estupro. É por essas e outras que tantos profissionais de saúde tem praticado estupros em consultórios e salas de cirurgia.

Logo em seguida ao canto do hino de apologia ao estupro, todos os demais formandos fizeram o juramento de Hipócrates, que é considerado o pai da medicina ocidental. O juramento é longo, mas podemos apresentar uma parte significativa desse juramento:  

 "Prometo solenemente consagrar a minha vida a serviço da Humanidade.

Darei aos meus Mestres o respeito e o reconhecimento que lhes são devidos.

Exercerei a minha arte com consciência e dignidade."

Os comportamentos aqui relatados estão muito longe daqueles defendidos por Hipócrates: passaram longe do "serviço da humanidade", "respeito", "consciência" e "dignidade". A ética, a moral, a dignidade e o respeito às leis e à dignidade humana devem orientar o comportamento daqueles que se dispõem a salvar vidas.

Hipócrates com certeza está envergonhado.

Cabe a todos nós, e principalmente aos gestores das faculdades de medicina – e de outros cursos – tomarem providências para resgatarem os valores defendidos por Hipócrates e pela nossa legislação, pois universidades não são terra sem lei. 


Sobre o autor

Sávio A. B. Lessa é Doutor em Ciência Política; pós graduado em Ciências Penais, Segurança Pública, Direitos Humanos e Direito Militar; Advogado Criminalista; Professor de Direito Penal e Processual Penal da FCR; Pesquisador do PROCAD/MIN. DEFESA; e Coronel da Reserva da PMRO.

*O conteúdo é de responsabilidade do colunista

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