Evolução histórica da política nacional de segurança pública (parte 2)

Primeiro mandato de Lula

Dando continuidade a nossa série de artigos sobre a evolução histórica da política nacional de segurança pública, discorreremos neste artigo sobre as políticas desenvolvidas no primeiro governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva[i].

No início do governo Lula, em 2003, foi apresentado um segundo Plano Nacional de Segurança Pública. Visando o fortalecimento institucional da segurança pública foi apresentado o Projeto de Lei – PL do Sistema Único de Segurança Pública – Susp.

O plano conquistou avanços importantes,

Como a estruturação de critérios técnicos para a distribuição dos recursos do Fundo Nacional; a criação da Matriz Curricular Nacional; o Sistema Nacional de Estatísticas (Sinesp-JC); a criação da Coordenação de Prevenção; e a criação dos Gabinetes de Gestão Integrada dos Estados, como órgãos centrais de governança

(KOPITKKE, 2017, p.42) [i]

Apesar de alguns avanços programáticos o plano foi abandonado, pois não conseguiu efetivar a criação de nenhuma nova estrutura institucional para consolidar suas propostas. Dentre as quais: na nova estrutura estava prevista a desconstitucionalização das polícias e uma grande reforma estrutural nos órgãos de segurança Pública e no sistema penitenciário, inclusive em normas constitucionais. A pressão foi grande, principalmente por parte dos organismos policiais, que não concordavam com a proposta de desconstitucionalização das polícias[i].

Além das pressões dos organismos policiais, conforme Soares, citado por Natal (2016, p. 190):

O governo não quis assumir os inerentes a reforma institucional proposta e a responsabilidade pela segurança na mídia, uma vez que seus resultados só seriam obtidos paulatinamente ao longo do tempo, o que levou à substituição deste por ações da Polícia Federal, as quais por mais eficientes que sejam não suprem a falta de uma Política de Segurança Pública

(SOARES, 2007, p.87, citado por NATAL (2016, p. 190).

Um dos avanços que se efetivou com o plano foi a criação da Matriz Curricular Nacional, que estabeleceu as Diretrizes Pedagógicas para as Atividades Formativas dos Profissionais da Área de Segurança Pública. Nela são contempladas: 

 Um conjunto de orientações para o planejamento, o acompanhamento e a avaliação das ações formativas e, a Malha Curricular que apresenta um núcleo comum composto por disciplinas que congregam conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais, cujo objetivo é garantir a unidade de pensamento e ação dos profissionais da área de segurança pública 

(SECRETARIA NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA, 2014, p. 11). 

Além de padronizar os processos de capacitação dos profissionais de segurança pública em todos os estados brasileiros a Matriz Curricular teve como um dos principais eixos a valorização dos direitos humanos e a promoção da cidadania[i].

Merece especial atenção os Gabinetes de Gestão Integrada (GGI) criados pelo plano de 2003. Esses gabinetes funcionam como um fórum executivo e deliberativo inspirado na metodologia das “forças-tarefa”. Segundo Souza[ii], o GGI:

Tem como missão integrar sistemicamente os órgãos e instituições federais, estaduais e municipais, priorizando o planejamento e a execução de ações integradas de prevenção e enfrentamento da violência e criminalidade. O GGI teve origem em 2003, a partir de atuações integradas em gerenciamento de crises e núcleos de gestão comum de segurança pública existentes no Ministério da Justiça e em algumas unidades federativas. Para a criação GGI’s, o conceito de força tarefa integrada foi ampliado pela Senasp para gerir os processos de políticas públicas de segurança pública no Brasil. Ficou estabelecido que o Gabinete seria um órgão deliberativo e executivo, preservando a plena autonomia e a identidade dos órgãos integrantes, não criando vínculo de relação hierarquizada entre os mesmos, devendo suas decisões serem tomadas por consenso 

(SOUZA, 2015, p.187).

Reprodução: Foto: Albari Rosa/ Gazeta do Povo| Foto: Gazeta do Povo

 Insta salientar o papel de Luiz Eduardo Soares nos primeiros anos do governo Lula, tanto na formulação quanto na implementação da política nacional de segurança pública. Sua atuação, inclusive, foi anterior à eleição de Lula.

Luiz Eduardo Soares tinha prestígio entre os petistas e trabalhou na campanha de Lula, chegando a liderar um grupo criado para elaborar ´propostas de um Plano Nacional de Segurança Pública. Entre as propostas defendidas pelo grupo estava a de criação de um Ministério da Segurança Pública. Lula não apoiou a ideia, pois achou que a criação desse ministério teria um custo político alto demais. Combinou-se que seria criada uma Secretaria Especial de Segurança Pública, subordinada diretamente ao presidente da república.Apesar do enorme prestígio de Luiz Eduardo Soares a secretaria especial não foi criada e a SENASP continuou subordinada ao Ministério da Justiça, na época sob o comando do Ministro Márcio Thomaz Bastos (SOUZA, 2015).

Apesar dos planos de Soares não terem sido materializados como pretendia, até sua demissão do SENASP, em outubro de 2003, houve considerável avanço nessa na área de política de segurança pública, pois fez com que o tema alcançasse bastante visibilidade. Nesse período, graças a Soares, houve um avanço na participação da Academia nas questões de segurança pública, principalmente no tocante à organização e pesquisa científica.

Segundo Souza (2015, p.189):

 Lula teria demitido Luiz Eduardo Soares por temer uma desestabilização da governança em relação às polícias e às alianças políticas, pois Luiz Eduardo havia entrado em rota de colisão com vários segmentos do Governo e grupos de pressão ligados aos setores contrários às mudanças estruturais na segurança pública 

(SOUZA, 2015, p. 189).

Na próxima semana daremos continuidade, concluindo as políticas desenvolvidas no segundo mandato do governo Lula.


Sávio A. B. Lessa é Doutor em Ciência Política; pós graduado em Ciências Penais, Segurança Pública, Direitos Humanos e Direito Militar; Advogado Criminalista; Professor de Direito Penal e Processual Penal da FCR; Pesquisador do PROCAD/MIN. DEFESA; e Coronel da Reserva da PMRO.

Referências

[i] NATAL, Mariane. Políticas Públicas de Segurança para o Combate a Violência e a Criminalidade no Estado Democrático de Direito: as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPS). in Segurança Pública. /Vladimir Passos de Freitas, Fernando Murilo Costa Garcia (Coordenadores) [et al.]. – 1. ed. – Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016. pp.183-204.

[i] LESSA, Sávio A B. Planejamento estratégico e política de segurança pública: análise do processo de formulação das políticas de segurança pública implementadas pelo estado de Rondônia no período de 2008 a 2017. https://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/193537

[i] MADEIRA, Lígia Mori e RODRIGUES, Alexandre Ben. in Novas bases para as políticas públicas de segurança no Brasil a partir das práticas do governo federal no período 2003-2011. Rev. Adm. Pública. Rio de Janeiro, v.49 n.1:3-2, jan./fev. 2015.

[ii] SOUZA, Robson Sávio Reis. Quem comanda a segurança pública no Brasil? atores, crenças e coalizões que dominam a política nacional de segurança pública. Belo Horizonte: Letramento, 2015.

[1] KOPITKKE, Alberto Grapes.A (In)Capacidade Institucional do Governo Federal na Segurança Pública. Boletim de Análise Político-Institucional / Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. – n.11 (2017). Brasília: Ipea, 2017.

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