Artigo: O que é segurança pública?

Segurança pública é algo complexo que vai muito além das ações dos organismos policiais, do combate à criminalidade.

Ao inaugurarmos esta coluna, necessário se faz conceituar segurança pública. Poderia parecer desnecessário, pois todos acham que sabem o que é segurança pública e qual sua finalidade. Exatamente isso: acham que sabem. Segurança pública é algo complexo que vai muito além das ações dos organismos policiais, do combate à criminalidade. Esse conceito se faz necessário para que os leitores tenham uma ideia dos assuntos que discutiremos nesta coluna.

Formalmente falando, o conceito e finalidade encontram-se no ordenamento jurídico e na doutrina. A Constituição Federal, em seu art. 144, reza:

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: I- polícia federal; II – polícia rodoviária federal; III – polícia ferroviária federal; IV – polícias civis; V – polícias militares e corpos de bombeiros militares (BRASIL, 1988). [grifo nosso]

Obviamente que o conceito de Segurança Pública vai muito além da redação dada pelo art. 144 da CF. A doutrina estabelece muitos conceitos para Segurança Pública, que vão variar de acordo com a temática de estudo.

Para o doutrinador José Afonso da Silva, “segurança pública é manutenção da ordem pública interna“. E ordem pública, por sua vez, como ensina Moreira Neto, “é um conjunto de valores, de princípios e de normas que se pretende devam ser observados numa sociedade, impondo uma disposição ideal dos elementos que nela interagem, de modo a permitir-lhe um funcionamento regular e estável, assecuratório da liberdade de cada um“.

Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil

Há muito tempo nossa sociedade não tem tido um funcionamento regular e estável, mas, nesse cenário pandêmico que estamos vivendo, podemos concluir que estamos vivendo um caos, onde os elementos que interagem com a sociedade estão fora de ordem. Como diria Roberto Carlos: “tudo está certo, como dois e dois são cinco”. Estamos sendo vitimizados por uma pandemia que mata milhares de pessoas diariamente e as normas sanitárias editadas pelo poder público não são obedecidas por parte da sociedade, que de forma irresponsável ajuda a disseminar o vírus, aumentando o número de contaminados e mortos. A pandemia se tornou questão de segurança pública.

Cuidar da saúde e vida das pessoas, também é questão de segurança pública. Tudo aquilo que represente uma ameaça aos bens jurídicos mais relevantes é de interesse da segurança pública. Por essas e outras razões, a segurança pública precisa ser vista como um direito fundamental. À vista disso, insta frisar este conceito de segurança formado por Lima e Camilo, relacionado ao direito social e à dignidade da pessoa humana:

É um direito fundamental e social, que promove a segurança pessoal, física e mental do indivíduo enquanto ser dotado de liberdade pública, para que possa exercer seus outros direitos constitucionalmente assegurados como, por exemplo, à vida, à integridade física e psíquica, à inviolabilidade da intimidade, à liberdade pessoal e à dignidade (LIMA; CAMILO, 2013, p. 3.). 

Ante o exposto conclui-se que o direito à segurança pública precede aos demais direitos, pois a segurança tem como finalidade assegurar o gozo dos demais direitos constitucionais, ou seja, sem segurança os direitos à vida, à integridade física e psíquica, à inviolabilidade da intimidade, à liberdade pessoal e à dignidade ficam comprometidos.

A pandemia não compromete apenas a vida, integridade física e psíquica das pessoas. Compromete, também, o desenvolvimento econômico e social do país. A economia e os empregos estão ameaçados.

Da mesma forma que existe uma conexão entre desenvolvimento e políticas públicas, pode-se afirmar, por dedução, que existe uma relação entre desenvolvimento e segurança pública. Isso verifica-se quando se reporta ao entendimento de que desenvolvimento está diretamente relacionado à melhoria na qualidade de vida dos indivíduos e no gozo de seus direitos fundamentais.

A segurança pública não é imprescindível apenas para que os indivíduos gozem de seus direitos fundamentais garantidos pela Constituição Federal, mas também para o desenvolvimento econômico, pois os empresários precisam garantir a segurança de seu patrimônio industrial e a integridade física de seus funcionários. Trabalhador sem saúde não produz e os lucros da empresa caem. Sem saúde não se trabalha, não se ganha salário para comprar bens de consumo. A pandemia tem afetado todos os atores e etapas do processo produtivo.

Não bastasse a pandemia, ainda temos outras preocupações: a criminalidade. Esta, infelizmente, não reduziu com a pandemia. Pode ser, inclusive, que venha a aumentar, face o crescimento da pobreza provocada pelo aumento do desemprego e do número de órfãos desamparados pela morte de seus provedores (pai, mãe, avós etc.).  

Foto: Tânia Rêgo / Agência Brasil

Ao abordar acerca de criminalidade, muitas vezes relaciona-se aos crimes violentos, como o roubo ou o homicídio. Ocorre, no entanto, que o Brasil sofre de um tipo de crime que atingiu proporções epidêmicas, que compromete a distribuição de renda e a melhoria na qualidade de vida da população, em razão dos serviços essenciais não chegarem ao seu destino: a corrupção política. Este “cancro” tem dilapidado o dinheiro público e levado à falência os serviços públicos de saúde, educação, infraestrutura e segurança pública, entre outros. Com relação à saúde pública, estamos sofrendo com o resultado dos desvios de recursos públicos: faltam hospitais, médicos, leitos de UTI, oxigênio, medicamentos, vacina etc.

A corrupção tomou tamanha proporção que foi objeto de uma das maiores operações policiais da história deste país, a “Operação Lava-Jato”. As cifras de dinheiro público desviado pelos corruptos é assustadora. Quantias que se fossem empregadas nos serviços públicos, poderiam proporcionar uma qualidade de vida muito melhor ao povo.

Furlan discorre sobre a afetação econômica e social da corrupção:

A corrupção compromete o setor privado, compreendido como o setor empresarial, ao alcançar a geração de riqueza econômica, de modo a resvalar na seara social com a ampliação da pobreza (HAYMAN, 2009, p. 55), com o comprometimento do desenvolvimento social em si, confirmado pela estimativa de que, somente nos países em desenvolvimento e em transição, calcula-se que políticos e funcionários corruptos do governo recebam de 20 a 40 bilhões de dólares por ano, como algo equivalente a aproximadamente 20% (vinte por cento) a 40% (quarenta por cento) do subsídio oficial para o desenvolvimento (FURLAN, 2014, p. 330).

É imperioso que sejam promovidas políticas públicas de segurança eficazes, a fim de permitir um combate efetivo contra a criminalidade que assola este país, envolvendo, obviamente, o combate à corrupção, pois só assim poderemos vislumbrar um Brasil desenvolvido em todos os sentidos abrangidos pelo conceito de desenvolvimento.

Alcançar a segurança em todas as suas concepções não é tarefa fácil. Haja vista que a segurança envolve a proteção da vida, integridade física, patrimônio, direito de ir e vir, liberdade e tranquilidade, sem contar que é um dos fundamentos da dignidade humana.

Durante muito tempo a noção de segurança pública estava vinculada à ideia de defesa do Estado e da ordem econômica e social, principalmente durante o período da década de 60 (sessenta) até os anos 80 (oitenta), fruto da política implementada pelos governos militares, cujo foco principal era a defesa nacional.

Com o advento da atual Constituição Federal, promulgada em 1988, onde os direitos e garantias fundamentais ganharam destaque, a noção de segurança pública foi mudando, apesar do texto destinada à segurança pública remeter a uma ideia de repressão ao crime. Não obstante isso, ganha força a ideia de uma segurança pública voltada para garantir a dignidade da pessoa humana. Somado a isso, as pressões dos organismos internacionais, que exigiam uma visão de segurança pública mais condizentes com estado democrático de direito e que respeita a dignidade humana, trouxeram uma nova concepção de segurança pública, denominada “segurança cidadã”.

Segundo Pamplona, aos poucos, o direito internacional passou a construir um conceito de segurança que se afastasse do conceito de segurança do Estado, com seus corolários que se voltam à proteção do ente estatal interna ou externamente e se aproximasse das necessidades dos indivíduos para que pudessem se desenvolver plenamente, com a garantia de que o Estado lhes proveria do ambiente adequado a viver com dignidade.

Por isso, o conceito forjado na Constituição de segurança pública, sob a responsabilidade das polícias, deixa de ser suficiente. Passa a ser necessário o envolvimento do Estado como um todo, em seus órgãos que cuidam da educação, do planejamento, do trabalho, da saúde. É essa a nova interpretação que deve ser dada ao artigo 144 do texto constitucional.

De fato, este conceito de segurança cidadã tem crescido e mostra-se adequado para ser seguido por uma política de segurança pública. Ela está de acordo com as melhores teorias sobre política de segurança, pois envolve todos os seguimentos da sociedade e do Estado. Ocorre, no entanto, que ainda temos um longo caminha pela frente até que esse conceito seja efetivado.

Usaremos esta coluna, SEGURANÇA PÚBLICA E CIDADANIA para trilharmos, juntos, esse longo caminho.

Até a próxima! Protejam-se e sigam as normas sanitárias, pois todos nós somos responsáveis pela segurança pública, pelo nosso bem estar e dos demais membros da sociedade.

Sávio A. B. Lessa é Doutor em Ciência Política; pós graduado em Ciências Penais, Segurança Pública, Direitos Humanos e Direito Militar; Advogado Criminalista; Professor de Direito Penal e Processual Penal da FCR; Pesquisador do PROCAD/MIN. DEFESA; e Coronel da Reserva da PMRO.

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