O artigo com o resultado da pesquisa foi publicado esta semana no The New England Journal of Medicine. O estudo foi feito com 345 gestantes que apresentaram manchas vermelhas, sendo que 182 delas (53%) tiveram positivo para Zika. Desse total, 125 fizeram parte do estudo, das quais116 tiveram os filhos nascidos vivos, sendo que uma gravidez foi de gêmeos. Portanto participaram do estudo 117 bebês nascidos entre janeiro e julho de 2016.
A chefe do Laboratório de Pesquisa Clínica em Doenças Febris Agudas do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz), Patrícia Brasil, uma das autoras do estudo, explica que dos 117 bebês expostos ao Zika, 49 (42%) tiveram algum tipo de alteração comprovada em exame clínico ou radiológico de imagem do cérebro.
“Isso significa que a microcefalia seria apenas uma ponta do iceberg. Nenhuma alteração é mais grave que a microcefalia, mas a gravidade [nesse caso] é que a gente não sabe como essas crianças com essas alterações vão evoluir”, disse.
O estudo começou em setembro de 2015 e em março deste ano foi publicado um trabalho mostrando as alterações que apareceram nos fetos. “Agora nós publicamos os resultados depois que o bebê nasceu. Porque você via no ultrassom e não sabia se era aquilo mesmo ou não. Agora, quando os bebês nasceram, a gente pôde reavaliar os achados e, para nossa surpresa, a proporção de bebês acometidos foi maior do que no ultrassom”, disse Patrícia.
Entre as 125 grávidas que fizeram parte da pesquisa foram registradas nove mortes fetais, sendo cinco abortos espontâneos no primeiro trimestre, dois no segundo e dois natimortos. Foi constatada microcefalia em quatro bebês (3,4%), sendo que dois tinham o tamanho normal e dois eram menores do que o esperado para a idade gestacional.
Entre o grupo sem Zika acompanhado pela pesquisa, composto por 61 gestantes, sete (11,5%) apresentaram gravidez de risco, enquanto no grupo com Zika o percentual foi de 46.4%, ou 58 casos. Entre as não infectadas, foram registrados quatro casos de mortes fetais, sendo que em dois deles a gestante teve chikungunya. Em apenas três (5%) dos bebês nascidos vivos nesse grupo foi registrada alguma alteração, sendo todos de baixo peso e uma das mães teve chikungunya.
O estudo mostrou também a gestação em que a mãe teve Zika aumenta o risco de alteração neurológica no bebê. Entre as que tiveram a doença no primeiro trimestre, 55% registraram anomalias, enquanto entre as que tiveram nos últimos três meses a proporção cai para 29%. Os cinco casos de aborto espontâneo também ocorreram nas gestantes que tiveram Zika no primeiro trimestre da gravidez, bem como nos dois casos de microcefalia desproporcional.
Entre as alterações mais verificadas estão calcificações cerebrais, atrofia cerebral, aumento ventricular e hipoplasia (desenvolvimento precário de um órgão ou tecido] de estruturas cerebrais, mas também houve casos de hemorragias cerebrais. Um total de 31 bebês apresentou resultados excessivamente anormais em exames neurológicos. Também foram observados alterações em exames oftalmológicos e de audição.
“São alterações neurológicas, a criança pode ter alteração de fundo de olho, pode ter uma crise convulsiva… Às vezes é uma coisa muito sutil que só o neurologista percebe, às vezes a mãe percebe que tem alguma cosia estranha e não sabe exatamente o que é. Muitas dessas alterações podem ser corrigidas se a mãe for orientada a estimular a criança”, explicou Patrícia Brasil.
A pesquisadora recomenda um acompanhamento cuidadoso do desenvolvimento neurológico e com estímulo precoce dos bebês, para que o dano seja o menor possível. “Existe uma luz no final do túnel, que é a estimulação dos bebês. Quanto mais cedo fizer, melhor. Às vezes o bebê nasce aparentemente normal e quando faz um exame neurológico ou de imagem pode ter alguma alteração, como mostrou o nosso trabalho”, disse.
Os bebês que participam do estudo vão ser acompanhados até pelo menos os dois anos de idade.