Pará: Rede de Apoio Psicológico ajuda a enfrentar sofrimentos emocionais durante quarentena

A plataforma digital foi desenvolvida pela Sectet e busca amenizar os impactos psicológicos causados pelo novo coronavírus

“Tenho momentos de crises de ansiedade: o coração acelera, sinto dor na barriga, uma angústia que faz o peito doer”, descreve a assistente social Marcella Takeshita, de 33 anos. Ela é uma das pessoas atendidas pelo projeto Psicologia Pará – Rede de Apoio Psicológico (RAP), uma plataforma digital desenvolvida pela Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Educação Profissional e Tecnológica (Sectet) com o objetivo principal de amenizar os impactos psicológicos da pandemia do novo coronavírus que mudou drasticamente a rotina das pessoas em todo o mundo.

A situação descrita por Marcella é vivida por muitas pessoas, que, como ela, não conseguem conter as lágrimas ao imaginar que a Covid-19 pode acometer parentes e amigos. A psicóloga Danielle Medeiros, voluntária da RAP, explica que essas crises de ansiedade são comuns em momentos como este. “O Brasil é um dos países mais ansiosos do mundo. Todos nós estamos vivendo momentos que nunca pensamos em viver. É natural sentirmos ansiedade diante de algo novo, sobretudo daquilo que não temos controle”, esclarece.

Foto: Divulgação

Segundo a psicóloga, a ansiedade é um sentimento que faz parte da vida e que prepara as pessoas para uma ameaça ou perigo. Mas quando esse sentimento se torna muito forte, cede espaço para o medo, a insegurança e a tristeza, “enfraquecendo nossos mecanismos de defesa psíquica. Quando se está mal emocionalmente, abrem-se portas para várias outras dificuldades ou mesmo doenças físicas”, destaca Danielle, que dedica um dia na semana para o atendimento aos cadastrados na Rede.

Urgência subjetiva

Lucas Dourado também faz parte do grupo de 171 psicólogos cadastrados no projeto. Ele já fez 20 atendimentos pela RAP, dedicando de duas a três horas diárias para esse trabalho voluntário. Lucas ressalta que é muito comum as demandas se relacionarem às interferências do coronavírus na rotina das pessoas.

“São questões muitos comuns que têm aparecido durante os atendimentos. Assim, o que temos feito é acolher a urgência subjetiva dessas pessoas e pensar nas melhores possibilidades para dar outros sentidos e significados a essas situações”, diz o psicólogo. Ele esclarece que a urgência subjetiva é um pedido de acolhimento emergencial ao sofrimento psicológico, como crises de ansiedade e depressão causadas por momentos como este.

As crises de ansiedade vividas por Marcella Takeshita são causadas pelo medo muito comum de contrair a doença ou de que familiares e amigos sejam vítimas. Além disso, a assistente social fica aflita ao ver a situação de pessoas em busca de atendimento e a superlotação de hospitais. “Também me causa aflição ver que muitas pessoas insistem em não acreditar que isso é muito sério e não tomam as medidas de segurança e ficam aí pelas ruas como se nada estivesse acontecendo”, acrescenta.

Foto: Reprodução/Shutterstock

Sofrimento pré-existente

“O isolamento social e a pandemia podem levar ao surgimento de sofrimento psíquico ou à intensificação de sintomas já existentes que vêm das incertezas sobre quanto tempo isso tudo irá durar e as questões familiares que emergem a partir do isolamento”, enfatiza o psicólogo Lucas Dourado.

O motivo que levou o estudante de engenharia civil Eduardo Freitas, de 25 anos, a se cadastrar na RAP não tem relação direta com a pandemia. Mas o contato com um profissional o ajudou a tomar decisões a respeito de um problema que estava passando com a família.

A aposentada Fran (nome fictício), de 81 anos, mora em Marabá e há algum tempo havia procurado ajuda psicológica. Ela morava sozinha em Belém até julho do ano passado e sentia muita solidão. Hoje mora perto do filho e da nora. “A minha vida mudou completamente. Eu morava sozinha e saía bastante em Belém. Ia para as consultas médicas, hidroginástica, fazer exames. Mas sentia muita falta do meu filho”, conta Fran.

Atendimento profissional – Para Marcella Takeshita, o atendimento na RAP tem ajudado a aliviar a tensão. “O profissional que me atende está sendo muito atencioso. O atendimento se assemelha a uma psicoterapia”, avalia a assistente social.

“Gostei muito do atendimento. Foi muito profissional e recomendo a quem esteja passando por algum problema seja relacionado ao momento ou a outro pré-existente”, indica o estudante de engenharia, Eduardo Freitas. A aposentada Fran conta que está se sentindo muito bem com o atendimento e não vê a hora de ter a próxima sessão.

Ética e cidadania

O sentimento que leva os dois profissionais a se dedicarem ao projeto é o mesmo e deve nortear os demais profissionais que estão cadastrados na RAP. “O nosso código de ética profissional é claro ao dizer que todo psicólogo precisa prestar serviços profissionais em situações de calamidade pública ou emergências sem visar benefício pessoal”, explica Danielle Medeiros.

Lucas Dourado também cita o dever ético como um dos motivos que o levaram a participar. “A iniciativa e criação da Rede de Apoio se torna um canal perfeito para acolher esses sujeitos em situação de urgência subjetiva e intervir de forma a nos fortalecer como sujeitos e comunidade para avançarmos contra o coronavírus”, ressalta o profissional. Lucas acrescenta que sempre participa de ações como essa e Danielle diz que atender pessoas também a ajuda a enfrentar esse período.

A coordenadora do Psicologia Pará, Úrsula Siqueira, aproveita para agradecer a todos os profissionais que fazem parte do projeto, dedicando um tempo muito importante para ajudar as pessoas nesse momento. Ela ressalta que a plataforma é apenas uma ferramenta e os profissionais é que tornam possível que pessoas tenham a devida orientação e suporte. “Tem sido muito enriquecedor compartilhar esse momento com eles e receber suas contribuições. Estamos todos vivendo algo novo e aprendendo com as diferentes situações que surgem. Definitivamente, juntos podemos enfrentar melhor esse desafio”, enfatiza a coordenadora.

Foto: Reprodução/Shutterstock

A RAP tem cadastradas 1.756 pessoas que buscam atendimento. A plataforma é aberta e tanto profissionais como quem precisa de atendimento pode acessar o projeto pelo site.

Orientações

Entendendo que cada pessoa tem reações diferentes a esse momento e por isso as orientações seguem as peculiaridades de cada situação e pessoa, podem-se dar sugestões gerais para o enfrentamento a problemas psíquicos que muitos podem estar vivendo. “Para quem não consegue amenizar o sofrimento, orientação profissional pode ser essencial. Nem sempre se sabe por onde começar e felizmente a plataforma tem auxiliado algumas pessoas nesse entendimento. Uma vida que seja tocada tem valor inestimável”, finaliza Úrsula Siqueira.

As orientações gerais dadas pelos profissionais Lucas Dourado e Danielle Medeiros foram:

– Utilizar a tecnologia das redes sociais para manter contato com as pessoas que você ama, seja por vídeo-chamada, ligação, áudio, jogos, enfim. É importante o isolamento em relação a ficar em casa e não se expor, mas não podemos nos isolar das relações sociais que podem ser virtuais nesse período.

– Organizar o seu dia com atividades e afazeres, criar um propósito. Sentir-se útil pode ser uma barreira contra os sentimentos de ansiedade e depressão.

– Separar apenas um momento do dia para ter acesso às informações e procurar fontes confiáveis. Excesso de informação pode ser um fator de estresse. Temos que ter as informações básicas de precauções nesse período, mas o excesso de informação pode ser prejudicial.

– Criar um “kit de primeiros socorros emocionais”. Repassar na sua história de vida, situações, atividades, filmes, livros ou qualquer outra situação que aqueça o coração e faça você se sentir bem.

– Fazer um trabalho de aceitação da ansiedade. Não lutar contra, mas ter formas de superá-la. Pois é preciso aprender a conviver com ela e saber o que fazer em momentos mais agudos de possíveis crises.

– Observar as coisas ao seu redor. Por exemplo, as cores no ambiente, os objetos, os barulhos… É uma forma de tirar o foco dos pensamentos e sensações que estão gerando ansiedade.

– Fazer exercícios para diminuir o ritmo da respiração, pois ela fica mais curta e acelerada em momentos de crise. O objetivo é acalmar essa respiração, diminuindo seu fluxo. Os exercícios respiratórios devem acontecer não apenas em momentos de crise, mas durante vários momentos do dia.

– Viver o momento presente e o que é possível fazer hoje; entendendo que somos seres humanos, que é normal não estarmos bem de vez em quando e não se cobrar demais. A ansiedade projeta situações futuras que nem sabemos se irão de fato acontecer, e quando se vive no futuro, deixa-se de viver e enfrentar o presente com autonomia emocional.

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