Mosquito transmissor da dengue X pernilongo: descubra diferenças e o que atrai cada um

Cada vez mais presentes nas cidades, esses insetos agem em locais e horários diferentes. Entender o que eles buscam pode ajudar no manejo e na prevenção.

Exterminar criadouros, usar repelente e colocar telas protetoras nas janelas e portas são formas já conhecidas de evitar a proliferação do Aedes aegypti, mosquito transmissor de doenças como dengue, zika e chikungunya. Outra medida que pode ajudar neste sentido é saber como o inseto age, entender que ele tem horário e locais mais prováveis para sugar o sangue e aprender a não confundi-lo com pernilongos.

“Se um mosquito picar você em casa à noite, em uma cidade, por exemplo, há 99% de chance de ser um Culex quinquefasciatus, conhecido como ‘pernilongo comum’ ou ‘muriçoca’. O Aedes aegypti pica majoritariamente de dia porque o ciclo circadiano dele aponta a noite como momento de repouso”, 

relata a curadora da Coleção Entomológica do Instituto Butantan, Flávia Virginio.

Foto: Renato Rodrigues/Comunicação Butantan

As pernas listradas do A. aegypti, podem até ajudar na identificação, mas como essa é uma característica presente em algumas espécies do gênero Aedes, ela não é necessariamente uma garantia de que você esteja de frente com um A. aegypti. Um exemplo disso é o Aedes albopictus, que tem a mesma característica e também ocorre no Brasil. Por aqui, ele não é considerado um vetor da dengue, diferente do que ocorre no sudeste asiático, onde é o principal transmissor da doença.

O tamanho corporal dos mosquitos adultos também pode ajudar a diferenciá-los, embora isso possa variar dependendo das condições ambientais e da disposição de alimento que os representantes de cada espécie sejam expostos.

“O tamanho corporal muda conforme o sexo, sendo em geral, fêmeas maiores do que os machos. Considerando minha experiência vendo diariamente mosquitos das três espécies, em geral, o Culex quinquefasciatus costuma ser mais ‘robusto’ e maior que os Aedes aegypti e Aedes albopictus“, ressalta Flávia.

Porém, essas características podem variar se um exemplar de uma espécie comer mais do que o da outra durante a fase larval. “Certamente o que comeu mais será maior do que o que comeu menos”, reforça.

Atração por sangue

Os mosquitos A. aegypti e A. albopictus despertam com o nascer do sol, período conhecido como crepúsculo matutino, e procuram por alimento geralmente nas primeiras horas da manhã. O oposto ocorre com o pernilongo (C. quinquefasciatus), que tende a permanecer atrás de armários, sofás, em casas de cachorro ou outros lugares com pouca luminosidade durante o dia e sai do repouso no fim da tarde.

Seu pico de atuação ocorre por volta da meia-noite e vai decrescendo até a manhã do outro dia. Apesar de agirem em horários diferentes, tanto as fêmeas do Aedes aegypti quanto as do Culex quinquefasciatus vivem à base de sangue humano porque o líquido é essencial para nutrir seus ovos, embora também consumam seiva de plantas.

As fêmeas do A. albopictus também se alimentam de sangue, mas “se viram bem” sugando aves e mamíferos por viverem em áreas de mata ou de intersecção entre áreas rurais e urbanas, ocupando principalmente o que chamamos de “peridomicílio” o quintal destes ambientes. 

“Quando acaba o alimento das fêmeas do A. albopictus em áreas florestadas, o que já vem ocorrendo por causa do desmatamento e pela urbanização, elas vêm para as cidades e se alimentam de humanos também”, 

disse Virginio.

Ao sugar o sangue de alguém infectado pela dengue, o A. aegypti se contamina com o vírus, embora não possa transmiti-lo a outras pessoas instantaneamente. A fêmea não adoece como o ser humano, mas pode ter diminuição de sua capacidade de voo e reprodução. Em questão de dias se torna capaz de transmitir o vírus para o humano pela sua saliva. O mesmo ocorre com os vírus Zika e chikungunya.

Já os machos de Aedes e Culex se alimentam somente da seiva de plantas, fontes de carboidratos necessários para sobreviverem.

“Em raras exceções, até onde se sabe, alguns machos podem nascer infectados, devido à transmissão transovariana, onde a fêmea infectada passa o vírus para seus filhos, e consequentemente, estes machos podem transmitir o vírus sexualmente para as fêmeas. Mas isso ainda está sob investigação dos cientistas”,

afirma Flávia.

Temperatura e cheiros

Além do sangue, as fêmeas de Aedes e Culex também são atraídas por “cheiros” e gases expelidos por humanos e animais, captados através de quimiorreceptores nas antenas e em outras estruturas do corpo.

“Apesar de elas não possuírem narinas, como os humanos, quando sentem o ‘cheiro’ de suor, entendem que há vida ao redor e se aproximam para tentar se alimentar. É a mesma coisa quando sentimos cheiro de um bife na grelha e temos vontade de comer”,

explica a curadora.

Além do cheiro, estes mosquitos também são atraídos pela temperatura corporal humana e por pessoas que vestem roupas de cores mais escuras, como preta, azul e vermelha. Da mesma forma que existem cheiros atrativos, existem os odores que repelem os mosquitos. O exemplo mais popular são os repelentes de uso tópico ou de ambientes.

Infográfico: Milena Martins

Criadouros: onde e por que se formam

As fontes de alimento determinam inclusive onde ocorre a cópula e a postura dos ovos. As fêmeas do A. aegypti preferem sobrevoar ambientes domésticos e fechados para ficar mais perto de humanos. Por consequência, depositam seus ovos em criadouros artificiais instalados em terrenos ou quintais, tais como caixas d’água destampadas, vasos de plantas, pneus e garrafas vazias, que enchem de água na chuva.

Outros ambientes menos relatados em campanhas de combate ao mosquito também podem ser criadouros: brinquedo de crianças, baldes, até tampinha de garrafa pet. O mesmo ocorre com as fêmeas do A. albopictus, com a diferença de que elas optam por pôr os ovos em criadouros naturais como bromélias, buracos de árvores e troncos de bambus, que também acumulam água em períodos chuvosos.

Os ovos de ambas as espécies do gênero Aedes, que têm 5 mm de comprimento, são quase imperceptíveis ao olho humano e podem se manter intactos por até um ano em ambiente seco ou úmido, eclodindo somente quando submersos em água.

Da eclosão dos ovos surgem as larvas, que quadruplicam de tamanho em cerca de cinco dias até se transformarem em pupas, e, após dois dias de intensa metamorfose, se tornam adultas com capacidade de voo, momento considerado o “nascimento do mosquito”. Todo esse ciclo de vida do Aedes pode durar de sete a 10 dias dependendo do calor, um acelerador do processo.

“Em geral, nascem primeiro os machos, que ficam rodeando o criadouro. Depois nascem as fêmeas e eles fazem a cópula. A fêmea busca o alimento sanguíneo para nutrir os ovos, e os machos vão procurar outro criadouro para copular com outras fêmeas. Essa é a estratégia de reprodução clássica do A. aegypti e do A. albopictus”,

esclarece a entomóloga.

Durante a gestação dos ovos, fêmeas de A. aegypti infectadas com alguns arbovírus podem repassá-lo por transmissão vertical. “Na infecção transovariana, a fêmea repassa o vírus para os ovos, que em geral, seguem a proporção de metade de fêmeas e de machos. Esses machos, então, podem transmitir o vírus sexualmente para outras fêmeas durante a cópula”, explica.

As fêmeas de C. quinquefasciatus também se alimentam de sangue humano, com a diferença de sobrevoarem tanto ambientes internos quanto externos em busca do alimento. As fêmeas depositam seus ovos em água rica em matéria orgânica, especialmente em rios, córregos, piscinas sem tratamento com cloro, ou depósitos de água poluídos, onde ocorre a eclosão dos ovos em larvas em até 48 horas. Daí, são cinco dias até virar pupa e mais dois ou três dias até o nascimento do adulto.

“Estes locais são criadouros gigantes de Culex que se proliferam com mais facilidade durante o verão e se espalham cada vez mais rápido para regiões que não têm estes problemas”, ressalta a curadora.

Por que somente o A. aegypti transmite dengue no Brasil?

Das mais de 100 espécies do gênero Aedes já descobertas, por que somente o A. aegypti é capaz de transmitir a dengue aos humanos no Brasil? Flávia esclarece que até o momento não foi identificada a transmissão pelo A. albopictus no país, embora já tenha sido comprovada sua capacidade e competência vetorial para alguns vírus circulantes no Brasil. 

Isso significa que o mosquito consegue transmitir a dengue em condições laboratoriais controladas, só que até o momento não foi detectado nenhum exemplar desta espécie naturalmente infectado no Brasil.

“Na ciência não podemos apenas dizer, temos que provar que existe. Então, até que se prove, o A. albopictus não transmite a dengue no Brasil, porque não foi encontrado nenhum exemplar do mosquito naturalmente infectado. Mas como ele tem todas as competências, precisamos ficar ligados”,

expõe.

Já o A. aegypti é um vetor de aproximadamente 200 vírus, nem todos encontrados naturalmente no mosquito. Parte destes vírus foram testados em laboratório onde se constatou a competência do A. aegypti de infectar-se e ser vetor de todos eles.

“Para a ciência e para saúde pública estes estudos são importantíssimos porque se algum dia houver transmissão de alguns destes vírus entre humanos, já sabemos que o A. aegypti pode ser o vetor”,

disse Flávia.

Febre amarela urbana não tem relação com Aedes aegypti

O A. aegypti já foi vetor da febre amarela urbana no Brasil no começo do século 20 até a década de 1940, época que este tipo de transmissão foi erradicada do país. Atualmente, o mosquito vetor da febre amarela silvestre é o mosquito Haemagogus, que ocorre em áreas florestais e pode infectar humanos. A vacinação contra a febre amarela foi um dos fatores essenciais para evitar a proliferação da doença em áreas urbanas e silvestres.

“Enquanto o A. aegypti não for encontrado infectado com o vírus da febre amarela, a gente não pode dizer que a febre amarela urbana voltou a circular no Brasil. O Haemagogus vive em áreas florestadas e, mesmo que na última epidemia de febre amarela tenhamos encontrado mosquitos infectados com o vírus dentro da cidade, os pontos de transmissão sempre foram as áreas florestadas, o que chamamos de ‘silvestre'”,

explica a curadora.

Por isso, a transmissão naquela época continuou sendo chamada de febre amarela silvestre. “Até porque envolviam de alguma forma mosquitos, macacos, que são os hospedeiros ‘principais’, e os seres humanos, que são os hospedeiros ‘acidentais'”, conclui a entomóloga.

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