Fiocruz Amazônia estuda impacto do desmatamento nos ciclos de transmissão de parasitos

Sapos, lagartos, cobras, roedores e gambás podem estar sendo reservatórios de parasitos, como os causadores da Doença de Chagas e Leishmaniose, e integrando o ciclo de transmissão das doenças em área de desflorestamento com presença de humanos.

A Fiocruz Amazônia, por meio do Edital Inovação Amazônia, do Programa Inova Fiocruz, e Edital Kunhã, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam), estuda o impacto do desmatamento na diversidade e nos ciclos de transmissão de parasitas tripanossomatídeos, dentre eles os causadores da Doença de Chagas e da Leishmaniose, ambas doenças endêmicas da Amazônia

Uma expedição do projeto, realizada recentemente à Base de Pesquisa Rio Pardo, no município de Presidente Figueiredo, a cerca de 200 quilômetros de Manaus, trouxe evidências de que novas espécies de vetores e reservatórios do parasita estejam fazendo parte do ciclo de transmissão das doenças tripanossômicas na região, entre eles os coretrelas, família de insetos hematófagos pouco conhecida que pica exclusivamente sapos, e que está envolvida na transmissão desses parasitos. No projeto, também são estudados os tripanossomatídeos que infectam sapos, lagartos, pequenos roedores e mamíferos de porte médio, como marsupiais (gambás) e os insetos que os transmitem.

O estudo é coordenado pelos pesquisadores da Fiocruz Amazônia Felipe Arley Costa Pessoa e Claudia Maria Ríos-Velasquez, ambos biólogos com doutorado em Entomologia e membros do Laboratório Ecologia de Doenças Transmissíveis na Amazônia (EDTA). Ao todo, a expedição contou com uma equipe de 15 pessoas e passou 17 dias na área, realizando coletas de campo. Felipe Pessoa explica que o trabalho iniciado este ano dá continuidade a uma série de estudos que vêm sendo desenvolvidos desde 2007 na região de Rio Pardo. 

“É um trabalho contínuo em que está sendo possível analisar o processo de desmatamento e ocupação do solo ocorrido naquela região e o reflexo no ciclo das doenças que são transmitidas no local”, afirma. Segundo ele, no caso dos tripanossomatídeos, os mais frequentes que causam doenças em humanos são o da leishmaniose tegumentar – doença infecciosa que acomete o homem e provoca úlceras na pele e mucosas das vias áreas superiores.

Foto: Divulgação/Fiocruz Amazônia

A pesquisa inicialmente tinha como foco a relação entre mosquitos e arboviroses, e entre flebótomos e a leishmanias. Agora, o estudo se propõe a fazer o levantamento geral dos reservatórios, desde pequenos anfíbios e lagartos a mamíferos de pequeno e médio porte, no caso pequenos roedores, como marsupiais. “Todos esses vertebrados são picados por vários insetos hematófagos, em especial uma família que começamos a estudar há pouco tempo, ainda desconhecida no Brasil, que são os coretrelas, popularmente conhecidos como ‘mosquitinho-de-sapo’, que picam exclusivamente esses animais, atraídos pelo som do canto dos machos. Eles transmitem uma série de doenças para os anfíbios e podem ser um dos responsáveis pela extinção em massa que está acontecendo em anfíbios na América do Sul”, adianta o pesquisador, salientando que ainda não há estudos acerca dos “mosquitinhos-de-sapo”.

O estudo conta com a colaboração da Fiocruz Ceará, Museu Nacional do Rio de Janeiro, Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e Fundação de Medicina Tropical Dr Heitor Vieira Dourado. Pelo menos 20 novas espécies de insetos foram descobertas ao longo das pesquisas em Rio Pardo. “Acabamos de encontrar dez morfótipos que vão se tornar dez espécies novas, que também serão incluídas no estudo. O objetivo é saber como se comportam tanto no ambiente de floresta como em área de ocupação humana. Inicialmente iremos descrevê-los, dar nome para eles e em seguida realizaremos a identificação dos parasitos que transmitem.

“Coletamos insetos, amostras de sangue e tecidos dos vertebrados e identificamos, por várias técnicas diferentes, tais como o esfregaço de sangue, PDR e sequenciamento, a existência de patógenos. Os dados que obtemos nos permitem estabelecer a relação entre os parasitos que estão circulando, as espécies de insetos que transmitem e os hospedeiros vertebrados”,

ressalta Felipe.

Foto: Divulgação/Fiocruz Amazônia

Cláudia Velasquez explica que a Fiocruz Amazônia é parceira da Fiocruz Ceará em projeto similar realizado em área de Mata Atlântica, nas regiões serrana e de sertão cearenses, onde mais de 30% dos vertebrados coletados estão com tripanossomatídeos. A entomologista observa que o desmatamento e as mudanças na paisagem estão alterando os ciclos de transmissão dos patógenos. “No caso dos tripanossomatídeos, os protozoários mais conhecidos são a Leishmania e o Trypanosoma, mas é possível que haja muitas outras espécies que são desconhecidas e estejam circulando entre pequenos mamíferos e humanos, e que representem risco zoonótico”, salienta.

“Estamos primeiro coletando os insetos, verificando se estão infectados e se tem-se alimentado de sangue humano, de cobras, lagartos, gambás ou outros vertebrados. O trabalho é realizado em áreas florestadas e desmatadas, e desta forma, poderemos identificar como o processo de desmatamento pode estar mudando essa transmissão de patógenos e como estão acontecendo esses ciclos de transmissão”, complementa Ríos-Velasquez.

Base Rio Pardo

A Base de Pesquisa Rio Pardo, em Presidente Figueiredo, está situada numa área de assentamento rural, onde há focos de desmatamento e trechos florestados, muito próximos um do outro. “Lá, podemos estabelecer essas comparações, com presença humana, sem presença humana, e como estão distribuídas as populações de insetos e hospedeiros vertebrados e quais riscos podem oferecer para os humanos. Aproveitaremos também para buscar nas amostras a presença de vírus, por meio da parceria com o Laboratório Diagnóstico e Controle de Doenças Infecciosas da Amazônia (DCDIA), da Fiocruz Amazônia, e assim fecharmos o diagnóstico de como estão acontecendo os ciclos de transmissão”, afirmou Cláudia.

O projeto terá duração de pouco mais de um ano, mas, segundo a pesquisadora, com a perspectiva de desdobramentos a partir da submissão a novos financiamentos. Para Felipe Pessoa, a base de pesquisa Rio Pardo reúne as condições ideais para o estudo. 

“Trata-se de uma área de assentamento clássico, em que parte da população não sai do local. Eles adoecem em Rio Pardo, o que significa que os vetores e reservatórios vertebrados estão circulando por ali e são os mantenedores dos ciclos de transmissão”, afirmou, destacando que a expedição contou com a participação de pesquisadores como o médico veterinário da Fiocruz Rondônia, André Aguirre, especialista em borreliose (doença transmitida pela picada de carrapatos); o biólogo Aldo Cáccavo, especialista em roedores e pequenos mamíferos, do Museu Nacional do Rio de Janeiro, e os biólogos do Instituto Oswaldo Cruz (IOC-Fiocruz RJ) Helena Santos e Rhagner Bonono, especialistas em tripanossomatídeos.

O trabalho também contou com uma equipe de pesquisadores visitantes da Fiocruz Amazônia, como Gabriela Peixoto, especialista em herpeto fauna, Emanuelle Farias e Jordam William Pereira Silva, entomologistas, além de doutorandos e técnicos. A missão aconteceu entre os dias 15 e 31 de maio. 

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