Cientistas identificam moléculas associadas ao risco de recaída no sangue de pacientes com malária

Para identificar esses biomarcadores, pesquisadores da Unicamp, UEA e UFG analisaram o plasma sanguíneo de 51 pacientes amazônicos com malária vivax recorrente e de 59 não recorrente.

A forma mais comum de malária no Brasil é a causada pelo parasita Plasmodium vivax. Embora a espécie provoque um quadro mais brando em comparação à P. falciparum, ela possui uma característica que torna o controle da doença muito difícil: a capacidade de produzir formas dormentes do protozoário no fígado do hospedeiro que podem ser reativadas meses após o término do tratamento. De acordo com a literatura científica, esse fenômeno, denominado recorrência ou recaída, pode ser responsável por aproximadamente 90% dos casos no país.

Em artigo publicado na revista Scientific Reports, pesquisadores brasileiros descreveram, pela primeira vez, possíveis biomarcadores associados à recorrência da malária vivax. Financiada pela FAPESP, a pesquisa fornece informações relevantes sobre potenciais alvos para o desenvolvimento de antimaláricos e possíveis marcadores relacionados ao risco de recaída.

Para identificar esses biomarcadores, pesquisadores das universidades Estadual de Campinas (Unicamp), do Estado do Amazonas (UEA) e Federal de Goiás (UFG) analisaram o plasma sanguíneo de 51 pacientes amazônicos com malária vivax recorrente e de 59 não recorrente (que estavam ainda no primeiro episódio da doença).

As amostras foram analisadas por meio de metabolômica não direcionada, técnica que avalia todo o conjunto de metabólitos presente na amostra. O objetivo foi compreender como o metabolismo dos voluntários foi afetado durante esses dois momentos da infecção.

Imagens ilustrativas de Plasmodium vivax. As setas indicam os estágios sanguíneos assexuados de anel (cinza), trofozoíto (azul), esquizonte (verde) e o estágio sexuado conhecido como gametócito (vermelho). imagens: Laboratório de Doenças Tropicais/Unicamp

Os pacientes foram acompanhados por 180 dias e, majoritariamente, apareceram com o ‘novo’ episódio entre 40 e 60 dias após o inicial. A análise com espectrometria de massa (equipamento que identifica compostos com base na massa molecular) revelou 52 e 37 metabólitos significativos nos participantes recorrentes e não recorrentes, respectivamente.

“No momento em que o paciente chega com o episódio inicial de malária, há uma superexpressão de metabólitos, situação que muda completamente nos episódios de recorrência, caracterizada pelo maior número de metabólitos diminuídos”, relata Jessica Alves, pesquisadora do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp e uma das autoras do trabalho.

“Além disso, entre os pacientes com recorrência, observamos uma modulação principalmente em vias lipídicas envolvidas na produção de prostaglandina e leucotrienos – moléculas envolvidas na resposta imune do hospedeiro. Já o grupo que estava no primeiro episódio foi caracterizado por alterações no metabolismo do triptofano e da vitamina B6 [piridoxina], que já foram descritos na literatura científica como importantes nutrientes do hospedeiro utilizados pelo parasita para se desenvolver”, diz a pesquisadora.

Os pesquisadores realizaram ainda uma análise de dados mais aprofundada, que revelou o enriquecimento de outras vias metabólicas para o fenótipo da malária recorrente, incluindo substâncias como butanoato, aspartato, asparagina e N-glicano.

“Todos esses marcadores podem sugerir vias com associação à recorrência e podem, no futuro, ser usados para caracterizá-la”, diz Gisely Melo, pesquisadora da UEA que também assina o estudo.

Perspectivas

“A principal contribuição do trabalho foi direcionar as análises em relação a quais vias metabólicas precisamos investigar mais profundamente para tentar entender e preencher lacunas que envolvem o estudo das recorrências”, diz Fabio Trindade Maranhão Costa, professor do IB-Unicamp e coautor do artigo.

No entanto, os pesquisadores destacam duas limitações do estudo: o número de participantes (relativamente pequeno) e a incerteza sobre a origem das recorrências (poderia ser uma recaída ou um nova infecção, por exemplo).

“Não temos, hoje, como diagnosticar as recaídas e tratá-las adequadamente”, sublinha Melo.

Segundo os autores, os próximos passos envolvem a condução de estudos multicêntricos, com um maior número de pacientes e uma cobertura geográfica mais ampla do P. vivax. Além disso, o grupo pretende associar à metabolômica plasmática investigações lipidômicas (conjunto de lipídeos), proteômicas (conjunto de proteínas), transcriptômicas (conjunto de RNAs transcritos) e genômicas (sequenciamento genômico). Também devem ser feitas análises do perfil imunológico de pacientes com ou sem recorrências.

Além da FAPESP, apoiaram a pesquisa agora divulgada o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), The World Academy of Science (TWAS), a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam) e o Instituto Serrapilheira.

*O conteúdo foi originalmente publicado pela Agência FAPESP, escrito por Julia Moióli

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