Em um evento fechado, realizado entre 16 e 19 de janeiro, os grupos se reuniram na Terra Indígena Raposa Serra do Sol para relembrar e construir novos passos na história da organização.
“A luta continua, unidos venceremos. Povo unido, jamais será vencido. Sangue indígena, nenhuma gota a mais”. Estes são alguns dos diversos gritos de guerra entoados por jovens indígenas ao celebrar a abertura dos 50 anos do Conselho Indígena de Roraima (CIR), uma das organizações indígenas mais antigas do Brasil. No lago Caracaranã, em Normandia, na Terra Raposa Serra do Sol, um dos locais sagrados que simboliza a luta dos povos originários do Estado, mais de dois mil indígenas se reuniram entre 16 e 19 de janeiro para relembrar e construir novos passos na história da organização.
Danças, ritos, orações e cantos tradicionais marcaramm toda a programação, protagonizada pelos próprios indígenas. De 11 etnorregiões (Serras, Raposa, Surumú, Baixo Cotingo, Serras, Amajari, Murupú, Tabaio Wai-Wai, Yanomami, Yekuana e Pirititi), eles prepararam desde a alimentação diária até um documentário que retrata a trajetória de lideranças tradicionais.
Construído por diversas mãos, a organização teve seu marco inicial na década de 70, quando um pequeno grupo de indígenas decidiu fazer a primeira Assembleia de Tuxauas, na comunidade Barro, na região Surumú.
Desde então, os indígenas passaram a se reunir anualmente para tratar dos principais problemas das comunidades nas chamadas Assembleias. A instituição, com histórico anterior a criação do estado de Roraima, chegou até a se chamar Conselho Indígena do Território de Roraima (CINTERR), mas com a emancipação passou a se chamar Conselho Indígena de Roraima.
Jacir de Souza, de 75 anos, do povo Macuxi, foi um dos pioneiro na organização. Primeiro vice-coordenador do Conselho, ele relembra que a luta pelos territórios foi uma vitória coletiva.
“Cinquenta anos e eu ‘to’ aqui contando minha história. Eu fui o primeiro no Conselho Indígena de Roraima e ele nasceu por mim. Na votação, o Terêncio que foi comigo, ele foi o primeiro [coordenador] e eu fui o segundo [vice-coordenador]. Nós éramos muito tristes, pois nós tínhamos perdido nossa terra. A luta começou buscando a nossa a terra e estamos aqui com a vitória”,
disse Jacir.
Luta pela terra
Durante os 50 anos, um consenso entre a maioria dos indígenas é que a luta pelo território da Raposa Serra do Sol foi o momento mais emblemático para o movimento, quando muitos “parentes” – como os indígenas costumam se chamar – perderam a vida pela terra. Edinho Batista, coordenador do Conselho afirma que o momento é de comemoração de vitórias como esta.
“Viemos nesses quatro dias para falar de garra, de conquista, de resistência e de vitória, não foi para falar de derrota porque é assim que estamos caminhando […] Hoje nós temos 10 milhões de hectares de terra para poder garantir a vivência das próximas gerações”, disse.
O processo de demarcação da T.I Raposa Serra do Sol iniciou na década de 70, junto a construção do Conselho Indígena. Foram quase 30 anos até a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) pela homologação e demarcação, que ocorreu em 2008.
No período, o território, localizado na tríplice fronteira entre Brasil, Venezuela e Guiana, foi palco de diversos conflitos entre arrozeiros, fazendeiros e indígenas.
Depois da retirada total dos invasores, a luta continua. Desta vez pela preservação do local, como explica uma das protagonistas na batalha, Elinha Maria de Souza, de 63 anos, macuxi da comunidade Maturuca: “Nós tomamos essa união, nos fortalecemos junto às lideranças e conquistamos nossa terra Raposa Serra do Sol. Hoje estamos defendendo e vigiando nosso território junto com as lideranças. A gente vai para a luta defender nosso território, nossa vida, para que nós tenhamos uma boa sustentabilidade, pois sem terra, a gente não tem uma boa educação e uma boa saúde”.
Ao todo cerca de 20 mil indígenas moram no território com paisagens de serras e lavrados, vegetação típica de Roraima. Eles estão distribuídos em 222 comunidades dos povos Macuxi, Wapichana, Taurepang, Patamona e Ingaricó. As comunidades tem como sustento a agricultura, pecuária e também artesanatos.
A página importante para o movimento indígena de Roraima se tornou inspiração para outros povos originários do Brasil. Almir Surui, liderança de Rondônia foi um dos convidados da celebração dos 50 anos do CIR. Ele define a mensagem deixada através da conquista da Raposa Serra do Sol como de “união”.
“O povo Surui está muito honrado em ter recebido esse convite do CIR e da Coiab [Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira] da importância que esse evento traz para o movimento indígena da Amazônia, a partir do estado de Roraima. Então, isso traz outra visão para o movimento indígena, de que a união sempre será um instrumento importante para que os povos indígenas tenha a conquista do seu direito e da luta para sua autonomia”, declarou.
União simbolizada pelo feixe de varas, elemento presente em toda decoração da festa. Para os indígenas, o feixe de varas traduz a ideia de que juntos são mais fortes, pois uma vareta sozinha é fácil de quebrar, mas quando unidas se tornam resistentes.
Outro fruto do Conselho Indígena de Roraima foi a candidatura de Joenia Wapichana (Rede-RR) a deputada federal. Durante o evento, ela relembrou que foi em uma das Assembleias em que ela foi escolhida coletivamente como candidata ao cargo.
Na batalha jurídica pela Serra do Sol, ela foi a primeira advogada indígena da história a se pronunciar no plenário do STF e agora assume mais uma missão de pioneirismo: ser a primeira mulher indígena a ocupar a presidência da Fundação Nacional dos Povos Indígenas. Ela aponta que entre as prioridades está a desintrusão de invasores dos territórios e os procedimentos de demarcação.
“Tem que ser prioridade retornar os procedimentos de demarcação, fazer desintrusão de áreas que estão ameaçados por garimpo, madeireiros e outros invasores, mas também possibilitar o desenvolvimento sustentável dos povos indígenas […] Então, a gente já tem um plano a seguir dentro dessas prioridades junto com o Ministério dos Povos Indígenas, agora é sentar e se organizar”.
‘União, luta, resistências e conquistas’
Com o tema ‘União, luta, resistências e conquistas’, a celebração comemora as cinco décadas de história do CIR, no entanto, o aniversário de 50 anos ocorreu em janeiro de 2021. Já a criação formal ocorreu em 30 de agosto de 1990.
Atualmente, o CIR representa 261 comunidades e defende os direitos de mais de 70 mil indígenas de 10 povos. A organização atua em diversas áreas como saúde, segurança, educação, cultura, gestão ambiental e desenvolvimento sustentável.
“Esse é o CIR, é uma organização de comunidade de base, na qual nós temos orgulho de dizer: eu sou o CIR, eu pertenço ao CIR, eu sou comunidade. Eu sou taurepang, eu sou macuxi, eu sou rezador, eu sou pajé, eu protejo os meus, eu ensino os meus. Eu sou professor, eu sou agente de saúde, eu sou GPVIT, eu sou comunicador. Eu sou o CIR, nós somos o CIR! Eu sou advogado, eu fui deputado federal e serei presidente da Funai. Esse é o CIR!”, define Enock Taurepang, vice-coordenador da instituição.
Prevista para encerrar nesta quinta-feira (19), a celebração incluiu uma programação de rituais indígenas, falas das lideranças, apresentações culturais, apresentação da história do CIR, homenagens, exposição de artes e feira de produção orgânica.
*Por Samantha Rufino, do g1 Roraima