Cascavel nativa de Roraima tem veneno mais difícil de controlar, apontam pesquisadores

De acordo com o grupo de pesquisadores ‘Snake Bite Roraima’, o potencial hemorrágico é o que torna o veneno da “cascavel roraimense” diferente das outras espécies no Brasil

Crotalus durissus ruruima é uma subespécie de cascavel cujos os estudos ainda são iniciais. Seu nome não é a toa. Essa serpente só é encontrada no estado de Roraima e sua peçonha tem componentes que a diferem das outras cascavéis no Brasil.

O grupo de pesquisadores “Snake Bite Roraima“, especializado em animais peçonhentos no estado, se empenha no estudo pioneiro dessa “cascavel roraimense”. De acordo com a biomédica Manuela Pucca, coordenadora do projeto, o potencial hemorrágico é o que torna seu veneno diferente.

“Essa subespécie de cascavel é única, só encontramos em Roraima e nas fronteiras do estado. Nossos estudos já revelaram que a peçonha dessa cascavel tem toxinas diferentes de outras cascavéis do Brasil. O envenenamento dela apresenta casos muito mais hemorrágicos do que nas outras cascavéis. Mais difícil de controlar”, detalha a coordenadora.

Crotalus durissus ruruima. A cascavel de Roraima. — Foto: Caíque Rodrigues/G1 RR

A coordenadora explica ainda que, por ser uma serpente catalogada há pouco tempo e com estudos iniciais, o soro utilizado em casos de ataques é feito com base em cascavéis de outras regiões do país. Por este motivo, o grupo trabalha para modificar o protocolo de produção de antiveneno.

“Recentemente publicamos um artigo que chama ‘Revisão Bibliográfica sobre a Cascavel Roraimense’ e nós evidenciamos toda a composição diferenciada da peçonha dela e os quadros do envenenamento. Inclusive, sabemos que o antiveneno hoje disponível para o tratamento de ofidismo [envenenamento], que serve tanto para a jararaca quanto cascavel, não inclui o veneno da nossa cascavel. Então o grupo quer modificar o protocolo de produção de antiveneno para cascavel no Brasil”.

Habitat da ‘cascavel roraimense’

Anderson Rocha manuseando a cascavel roraimense — Foto: Caíque Rodrigues/G1 RR

De acordo com o biólogo Anderson Rocha, um dos colaboradores do grupo, os campos abertos dos lavrados roraimenses foram o que contribuíram para o desenvolvimento diferenciado dessa subespécie de cascavel.

“O que a difere das outras espécies de cascavel, além do veneno, é que essa subespécie frequenta muito as áreas abertas do lavrado. Também pode ser encontrada em áreas florestadas, mas com pouca frequência. Elas são menores que as cascavéis de áreas fechadas. Alimentam-se preferencialmente de roedores, lagartos e aves como uma segunda opção na dieta. A atividade delas geralmente é noturna”, explica o biólogo.

De acordo com o grupo, os municípios onde há maior registro da cascavel são Bonfim, Normandia e Cantá, na região Norte do estado. Por Roraima ter boa parte de sua área composta por território indígena, a possibilidade de habitantes dessas regiões sofrerem algum acidente envolvendo as serpentes é bem maior, segundo Manuela Pucca.

“A maioria do nosso território é indígena, então há a maior probabilidade dos indígenas encontrarem as serpentes. E o atendimento acaba sendo muito demorado, pois muitos desses pacientes são acometidos por essas serpentes longe dos grandes centros de saúde. Até essas pessoas chegarem ao Hospital Geral de Roraima (HGR) já se passou muito tempo. Nós realizamos campanhas de prevenção com materiais didáticos não só em português, mas de forma acessível à várias etnias indígenas, pois a grande quantidade de casos de envenenamento em Roraima acontece com indígenas”, informou a coordenadora.

Ataques em Roraima

Manuela Pucca afirma que o número de acidentes com cascavéis em Roraima é “expressivo” tendo em vista a quantidade de habitantes no estado.

“Roraima é o estado que apresenta a maior incidência de ofidismo no país. São 95 casos para cada 100 mil habitantes, então nós temos, em média, um acidente por dia no estado que chega ao atendimento no HGR. Com esse projeto esperamos diminuir a incidência do envenenamento em Roraima”.

Extração de veneno da cascavel roraimense — Foto: Caíque Rodrigues/G1 RR

Anderson Rocha também destacada a letalidade dessa subespécie em comparação a outros tipos de serpentes encontradas em Roraima.

“São poucos acidentes registrados quando comparados à jararaca, mas, proporcionalmente, os óbitos com ataques dessa cascavel são muito maiores. Uma letalidade muito grande. A cascavel, em comparação com a jararaca, não é muito agressiva. Com o chocalho ela avisa que algo está incomodando. Esse animal, quando dá o bote, não erra. Ele dá para acertar”, disse.

Avanços na medicina

Para o biólogo, os estudos pioneiros sobre a peçonha da cascavel roraimense são muito importantes e abrem um leque de possibilidades para um uso farmacêutico no futuro.

“O fato dessa subespécie ter o veneno diferenciado torna as pesquisas do grupo Snake Bite muito importantes, pois fármacos e estudos feitos com cascavéis estão procurando saber se a peçonha pode ser usada em uma terapia mais específica ao tratamento do câncer”.

“Acredita-se que o estudo dessa subespécie de cascavel pode trazer novos avanços na medicina, pois a peçonha das serpentes têm muito a oferecer”, afirmou o biólogo Anderson Rocha.

O grupo também destaca a importância da preservação desse animal para o ecossistema. “A cascavel tem importância ecológica e econômica. Ela é importante no controle de roedores e pragas. É presa de outros animais. A natureza é um equilíbrio. É importante preservar esses animais pois os benefícios são incontáveis”.

Para a biomédica Manuela Pucca, o grupo Snake Bite Roraima ainda tem um longo caminho pela frente com os estudos da “cascavel roraimense”.

“Eu acredito que as pesquisas básicas que estudam os componentes das peçonhas desses animais vão continuar por muito tempo pois são substâncias ricas em muitos componentes e precisamos estudar para o quê serve cada um deles. Nós queremos resolver e melhorar o atendimento de casos de pacientes que foram acometidos por serpentes como a da nossa cascavel”.

Cascavel do lavrado ou cascavel roraimense — Foto: Caíque Rodrigues/G1 RR

Snake Bite Roraima

O grupo Snake Bite Roraima surgiu em 2016 com apoio da Universidade Federal de Roraima (UFRR), da Fundação Estadual do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Femarh), do governo de Roraima e da Fundação Ajuri. O objetivo é estudar animais peçonhentos, como serpentes e escorpiões, em Roraima, que, de acordo com Manuela, é o estado com mais casos proporcionais de acidentes com serpentes no Brasil.

“O ofidismo é um grande problema de saúde publica no estado de Roraima. São vários fatores que colaboram para esse problema, como a falta investimento em pesquisa e a falta treinamento para profissionais da saúde durante o atendimento dos pacientes envenenados por animais peçonhentos. A proposta do Snake Bite Roraima é fornecer treinamento e informação”, ressaltou Manuela Pucca.

Para diminuir os casos de envenenamento, o grupo realiza treinamento com profissionais da saúde e campanhas de prevenção, que contam com diversos colaboradores, entre professores e acadêmicos do curso de medicina.

O grupo Snake Bite divulga suas ações, trabalhos e pesquisa por meio da internet, no site oficial, Instagram e canal no YouTube.

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