Na quarta audiência de conciliação sobre as cinco ações que discutem a constitucionalidade da Lei do Marco Temporal (14.701/2023) para demarcação de Terras Indígenas, realizada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), no dia 23 de setembro, em Brasília, o secretário-executivo do Ministério dos Povos Indígenas, Eloy Terena, defendeu a criação de um programa com prazos e orçamento para efetivar a entrega de terras para povos indígenas e um calendário de indenizações aos ocupantes para resolver os conflitos fundiários em curso no país.
A audiência foi convocada pelo ministro Gilmar Mendes para ouvir nove especialistas indicados pelos membros da câmara de conciliação. O intuito era esclarecer dúvidas da própria comissão, criada em agosto, após vários ataques e escalada de conflitos ocorridos com mais intensidade contra grupos de indígenas que iniciaram processos de retomada, a partir de julho deste ano, em territórios tradicionalmente ocupados nos estados do Mato Grosso do Sul e do Paraná.
“Vejo a possibilidade de trazer questões estruturais e propositivas por meio de um programa de entrega de terras para os povos indígenas com operacionalidade da Funai. Temos que ter prazos claros e orçamento garantido para pagar e garantir o que chamamos de consolidação das comunidades indígenas. Além de entregar a terra, é preciso pensar um programa de apoio à produção, à construção de estruturas de escolas, saúde indígena e sistemas de monitoramento e segurança”, explicou Terena ao trazer a proposta, reafirmando o papel de diálogo do MPI para a construção de soluções.
O secretário acrescentou o Fundo Indígena dos Biomas, projeto desenvolvido ao longo de 2023 pelo MPI, como forma de apoiar iniciativas indígenas exitosas. Ele também reforçou a necessidade de aperfeiçoamento da legislação para os povos indígenas, uma vez que o Estatuto do Índio data de 1973 e precisa ser aprimorado a partir de uma discussão feita com os povos indígenas.
Mecanismo
A fala do secretário ocorreu após a exposição de Nelson Jobim, ministro aposentado do STF; Aldo Rebelo, ex-ministro da Defesa; e Eugênio Aragão, ex-ministro da Justiça. O último mencionou uma iniciativa que ocorreu, em torno de 2013, quando a situação de conflito fundiário entre os Guarani Kaiowá e os ruralistas demandou intervenção da União, que mobilizou uma caravana ao município de Douradina-MS para autoridades conhecerem a realidade de uma das áreas mais críticas em relação aos conflitos fundiários no Brasil.
Aragão relatou que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) fundou uma comissão para cuidar do conflito fundiário e elaborou a possibilidade de desenvolver um sistema de arrendamento das terras pela União aos fazendeiros e demais ocupantes que estavam em território indígena.
“A emissão da posse indígena seria feita por um mecanismo de leasing de terra, com um planejamento ao longo de 10 anos, para que não houvesse prejuízo das safras. O valor pela terra nua era de R$ 1,2 bilhão à época, mas precisa ser atualizado. O STF refutou a iniciativa, que tinha apoio da Secretaria-Geral da República e do Congresso. Portanto, a proposta pode ser aprofundada e estudada”, relatou.
O ex-ministro acrescentou que o desembargador Sérgio Martins, coordenador do grupo do CNJ, deixou um relatório com mais de 100 páginas sobre a iniciativa no estado e sugeriu recuperar o trabalho sobre a situação dos Guarani Kaiowá com vistas a transferir recursos da União para o Mato Grosso do Sul pagar as indenizações.
Por sua vez, o governador do estado, Eduardo Riedel, elogiou a sugestão vinda do ex-ministro Aragão e afirmou que uma porção expressiva dos problemas no MS têm origem na falta de um cronograma nítido sobre os pagamentos de indenizações.
“Boa parte dos conflitos têm base nessa situação. Temos que ter etapas previstas para a indenização perante um planejamento com regularização da União”, alertou.
Responsável por conduzir a segunda sessão da Câmara de Conciliação sobre a lei do marco temporal do Supremo Tribunal Federal (STF), o juiz auxiliar do gabinete do ministro Gilmar Mendes, Diego Viegas Veras, citou que há, por exemplo, 72 terras da União no MS.
“A ideia do ministro Gilmar Mendes é que o resultado final da câmara seja um documento jurídico que contemple possibilidades, uma espécie de anteprojeto de lei que, mediante interesse das partes, haverá soluções elencadas”, comentou Veras.
Estado pluriétnico
Em seu discurso, Eloy Terena reforçou que eventuais iniciativas para resolver os conflitos fundiários precisam seguir a mesma linha da Constituição de 1988, um marco da inauguração do estado pluriétnico no Brasil, que reconheceu o conjunto de dimensões étnicas diferentes dentro do mesmo estado e deixou de lado a relação estatal de assimilação dos indígenas.
“O Brasil precisa superar a ‘síndrome de Copacabana’. Não queremos o Rio de Janeiro ou São Paulo inteiros. Não se trata disso porque a Funai fez grande parte das delimitações de Terras Indígenas e a demanda é maior no Centro-Oeste, no Sul e no Nordeste, onde os conflitos fundiários permanecem. Precisamos buscar mecanismos jurídicos administrativos diferentes para resolver os problemas”, enfatizou Terena.
Conforme dados do Diário Oficial da União (DOU) apresentados na audiência, atualmente, o Brasil possui 798 Terras Indígenas, sendo que 534 foram homologadas pela presidência da República, 155 estão em fase de identificação pela Funai, 44 contam com Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação (RCID) da Funai e 65 foram declaradas pelo Ministério da Justiça.
*Com informações do Ministério dos Povos Indígenas