Manaus sob fumacê

Acordei hoje (01/10/2015) e ao abrir a cortina do quarto vi uma paisagem embaçada e, imediatamente, lembrei de minha infância quando a experiência de meu pai vaticinava: “cerração baixa, sol que racha” e imaginei que seria mais um dia de verão amazônico. Ao abrir a janela de vidro para respirar o ar úmido e mais puro e mesmo ainda obnubilado pelo sono, percebi que não era cerração de origem climática, mas fumaça resultante de queima de lixo e/ou de floresta. Como custo a acordar totalmente, passou pela minha cabeça a ideia de que estaria havendo um festival da maconha e muitos milhares de pessoas, durante a noite, tivessem fumado a droga e uma inversão térmica tivesse impedido a difusão da fumaça para a atmosfera superior. Essa situação embora execrável, não seria de todo impossível em uma cidade sem lei e sem ordem, onde o tráfico de drogas existe claramente sem que se saiba quem planta, quem traz, quem vende e quem lucra. Ou sabem?Acordei de vezDesperto enfim e livre da obscuridade do final de um período de sono, me senti desperto e lembrei que nessa época do ano são comuns as queimadas da floresta causadas pela usura sem cultura cujo objetivo único é o lucro independente do mal que fazem às pessoas, aos ecossistemas, ao meio ambiente (habitat habitado) e ao futuro. Se a ignorância ou o desprezo por nossas amazonidades é algo tão intenso o ideal seria ver as autoridades zelando por nossa história, por nossa gente, por nossas amazonidades, por nosso futuro. Lamentavelmente, o poder público é ocupado por pessoas com enorme tendência a aceitar a vontade de poderosas minorias financiadoras de campanhas políticas que depois exigem o troco ou o lucro do investimento.A origem das florestasAprendi muito cedo que não se ensina música para surdos e, como biólogo, sei que não adianta fazer transfusão de sangue em cadáver, mas essa minha compulsão amazônica me obriga a discorrer, um pouco sobre a origem da Amazônia e da floresta, escrevendo para os que não são surdos, nem defuntos.Faz muito tempoA origem da Amazônia está indissociavelmente vinculada às severas modificações da geografia, da geologia e do clima ocorridas desde a Era Arqueana (4,6-2,5 bilhões de anos) e que cumulativamente, permitiram a gênese e a evolução da diversidade biológica regional.Na Amazônia uma marca de grande significado foi o surgimento da Cordilheira dos Andes, no Cretáceo-Terciário (65 milhões-1,8 milhões de anos atrás) que impediu a drenagem para o Pacífico e formou um grande lago interior onde aconteceu a evolução da biota aquática e semiaquática. No ambiente terrestre, sabe-se que durante milhões de anos surgiram ilhas isoladas com grande diversidade (animal e vegetal) separadas por savanas e que só puderam se expandir quando o clima se estabilizou nos últimos 11-12.000 anos formando a atual cobertura florestal. Outras conclusões importantes advindas de estudos paleoclimáticos indicam que entre 5 e 6.000 anos atrás uma transgressão marinha represou os rios formando as várzeas e que ao redor do ano 700 d.C. ocorreram grandes variações de precipitação na Amazônia, causando o abaixamento e em alguns casos o secamento de rios com mudanças na flora e fauna.Uma informação essencial para pessoas responsáveis diz que, durante o Mesozoico, aconteceu um intenso vulcanismo que liberou grandes quantidades de CO2 e SO2 elevando a temperatura global em cerca de 5º C, (efeito-estufa), extinguindo cerca de 95% das espécies marinhas e 70% das terrestres. O atual desmatamento acelerado e a queima das florestas também liberam enormes quantidades de gases do efeito estufa que vão aumentar a temperatura do planeta podendo repetir a eliminação de grande parte da nossa biodiversidade.Nosso futuro depende da floresta e não de projetos como o da Zona Franca que implantou uma economia de enclave e de encrave sem qualquer sinalização de desenvolvimento humano como mostra um trabalho sobre IDH que revelou uma distorção inaceitável, entre o Vieiralves (0,953) e São José (0,658). E isso acontece não apenas na cidade que contribuiu com 76,14% da formação do PIB, mas também entre os municípios com Manaus figurando no topo com IDH 0,747 e Ipixuna (onde mora gente como a gente) com um IDH de 0.487. A mudança desse rumo para outro mais assentado nas humanidades, só vai acontecer usando as dádivas da floresta selecionadas ao longo de muitos milhões de anos.
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