Amazônia sob fogo, chamas que não se extinguem

Bertha Becker chama a atenção em sua extraordinária obra  “Amazônia Geopolítica na Virada do III Milênio”, 2004, sobre a globalização dos fluxos financeiros, enquanto “os estoques de natureza estão localizados em territórios de Estados ou em espaços ainda não regulamentados”. Com efeito, “a apropriação da decisão sobre o uso de territórios e ambientes como reservas de valor, isto é, sem uso produtivo imediato, torna-se uma forma de controlar o capital natural para o futuro”. 

Este fator, segundo Becker, configura “novo componente na disputa entre as potências detentoras da tecnologia pelo controle dos estoques de natureza” aqui e alhures. Disputa essa que “incide vigorosamente sobre o Brasil” pela razão razão fundamental de que, conforme salienta, “três grandes eldorados  podem ser reconhecidos contemporaneamente:os fundos oceânicos ainda não regulamentados, a Antártida, partilhada entre as potências, e a Amazônia, único a pertencer, em sua maior parte, a um só Estado Nacional”. Ao que tudo indica, contundente realidade que o governo brasileiro teima em não reconhecer.   

Para Samuel Benchimol, em “Amazônia: um pouco antes e além depois”, 1977, a especulação sobre a internacionalização (ou planetarização, como ele prefere) da Amazônia “constitui uma moeda falsa, cuja circulação deve ser impedida, sob pena de retardar-se indefinitivamente o processo de desenvolvimento. Isto não significa que devemos praticar uma economia predatória e destruidora dos recursos naturais, nem fazer tábula rasa dos conceitos ecológicos e bióticos”. 

A perspectiva ecológica e a ótima econômica, enfatiza o mestre Benchimol, “são indispensáveis no contexto do desenvolvimento, mas não podemos nos deixar levar pela profecia que os conservacionistas de todos os matizes nos procuram impingir como verdade absoluta, esquecendo que o homem e a sociedade, pelo seu trabalho, imaginação e poder criativo, participam também do processo de criação, recriação, reciclagem, transformação e ordenação do ecossistema, e não podem ser sujeitos passivos do mundo vegetal e animal que os rodeia”.

Com efeito, ao que supõe Samuel Benchimol  “o processo planetarizador constitui uma ameaça, não de base política ou internacionalizadora, mas provindo de falsas premissas científicas ou do exagero e preocupação excessiva de pesquisadores, profetas e filósofos empenhados na restauração do paraíso  terrestre antes  da ocorrência do pecado original”. Nesta hipótese a região amazônica ainda estaria habitado apenas pelas populações autóctones, garças, onças, pirarucus, jaraquis e piranhas. 

Longe de representar padrão de ação antrópica (do homem em relação às modificações no ambiente, na natureza, causadas por essa ação), a região evoluiu econômica e socialmente.  Hoje, com uma população superior a 25 milhões de habitantes na Amazônia Legal a hipótese é encontrar meios seguros que permitam maximizar o binômio exploração/sustentabilidade e assim torná-la econômica e ambientalmente próspera, desenvolvida. 

O Consórcio Interestadual de Desenvolvimento Sustentável da Amazônia Legal, reunido em Macapá com o presidente Jair Bolsonaro, no sábado, 24, propôs ao Chefe da Nação “imediatas providências no sentido de viabilizar a cooperação das estruturas dos Estados da Amazônia Legal e as do Governo Federal no combate a incêndios e apoio material para enfrentamento efetivo ao desmatamento e incremento às ações de fiscalização de atividades ilegais”. Como habitual, os governadores limitaram-se a propor ao presidente da República, em caráter de urgência, “o estabelecimento de parcerias necessárias a construção de uma agenda permanente de proteção, conservação e desenvolvimento sustentável da nossa Amazônia”. 

Discurso padrão feijão com arroz requentado . Nada de novo sob o sol. A “agenda” propugnada  consiste da mesma pauta de reivindicações de sempre. Medidas concretas de longo prazo, que é bom, nada. Quem sabe nas próximas rodadas de queimadas?

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