Preservar terras indígenas poderia evitar 15 milhões de casos de infecções respiratórias e cardiovasculares por ano.
Preservar a cultura e o modo de vida indígena, e auxiliar na conservação dos recursos naturais do bioma com a maior biodiversidade de fauna e flora do planeta são alguns pontos que tornam relevantes a preservação dos territórios indígenas.
O Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010 apontou que o número de indígenas no Brasil era de 817.963 pessoas de 305 diferentes etnias. Esses povos apresentam tradições próprias, com a valorização da sua cultura sendo reconhecida na legislação brasileira.
Porém, a preservação desses territórios não tem importância apenas culturalmente ou até socialmente devido ao aumento dos conflitos de terras nos últimos anos. É significativo também para a saúde humana.
Essa foi a reflexão de um estudo publicado na revista científica Nature. De acordo com o estudo, pouco se sabe sobre o papel dos territórios indígenas na manutenção da saúde humana. Com isso, proteger os territórios indígenas da Amazônia brasileira reduz partículas atmosféricas e evita impactos negativos associados à saúde.
O artigo aponta que, entre maio e outubro de 2021, 519 mil hectares da Floresta Amazônica foram queimados em decorrência de incêndios florestais. Esses incêndios começam, em geral, depois do desmatamento para ‘limpar’ a terra para a agricultura, um processo conhecido como corte e queima.
“Na Amazônia brasileira, as taxas anuais de desmatamento estão intimamente ligadas à incidência anual de incêndios, sendo os incêndios a principal via de remoção de biomassa vegetal e transferência de carbono associado da vegetação tropical para a atmosfera”,
alerta a publicação.
Além disso, os incêndios florestais são as principais fontes de algo chamado material particulado (PM 2.5 , sigla para particulate matter). Os materiais particulados correspondem a um conjunto de poluentes formados por fumaça, poeira e outros materiais que ficam suspensos no ar. Vale ressaltar que os incêndios são responsáveis por 90% das emissões globais de PM 2.5 .
Quais as consequências disso?
O estudo afirma que “o excesso de materiais particulados podem degradar a qualidade do ar regional, perturbar as comunidades da fauna ao acelerar a perda de espécies e afetar a saúde respiratória da população humana, agravando a vulnerabilidade de populações indígenas, tradicionais e comunidades rurais”.
O artigo descreve ainda que a exposição da população humana à fumaça de incêndios florestais está associada ao aumento de sintomas respiratórios, doenças cardíacas, acidente vascular cerebral, enfisema, câncer de pulmão, bronquite, asma, dor torácica, problemas pulmonares e cardíacos crônicos e aumento do risco de morte.
“Esses efeitos podem ocorrer mesmo em locais distantes de eventos de incêndios. Incêndios graves, por exemplo, emitem partículas de fumaça que são elevadas na coluna de ar e, portanto, transportadas para longas distâncias da fonte do incêndio, afetando regiões populosas a favor do vento”, destaca.
Os impactos negativos da atividade intensa de queimadas também se estendem à esfera socioeconômica. Os incêndios descontrolados podem trazer prejuízos financeiros aos agricultores pela destruição de plantações, cercas e infraestruturas habitacionais , além dos custos associados às internações e tratamento de cada pessoa internada.
Impactos
Em 2020, o Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (Ieps) lançou uma nota técnica intitulada ‘Impactos dos Incêndios Relacionados ao Desmatamento na Amazônia Brasileira Sobre Saúde’ no qual foram coletados dados tanto do Sistema Único de Saúde (SUS) quanto do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam).
Ao Portal Amazônia, o diretor de pesquisa do Ieps, Rudi Rocha, afirmou que:
“As queimadas e a poluição afetam sim, e de modo muito significativo, a saúde da população na Amazônia – aumentando internações por causas respiratórias, principalmente entre crianças e idosos, sem impactos sobre outras doenças ou taxas de mortalidade. O esforço que fizemos foi o de identificar a relação causal entre queimadas/poluição/saúde, separando do efeito o fato de que durante a época de queimadas – e independentemente da poluição – existe um padrão sazonal esperado, epidemiológico, de aumento de casos de problemas respiratórios”,
dissertou Rudi.
O foco do material foi em crianças até 5 anos de idade e pessoas com mais de 60 anos. A hipótese era de que a poluição do ar, relacionada às queimadas, poderia levar a um aumento das hospitalizações e da mortalidade devida a doenças respiratórias.
Os dados apontam que há um aumento de desvio padrão nos níveis de poluição que está associado ao aumento na taxa de hospitalização. Em linhas gerais, quando a poluição do ar está acima de 75 µg/m3 (microgramas por metro cúbico), a taxa de hospitalização é 8,7 por 100.000 pessoas mais alta em comparação com a diretriz de qualidade do ar da OMS.
Em relação à políticas que devem ser adotadas, Rudi especifica: “por um lado, naturalmente, combate às queimadas. Por outro lado, devemos alertar e capacitar serviços públicos de saúde local (equipes de atenção primária e Estratégia Saúde da Família) para que estejam preparados para atuar de modo preventivo durante a temporada de queimadas, principalmente alertando a população e orientando sobre o que fazer em caso de sintomas mais graves”.
Confira a nota completa do Ieps aqui.
Territórios indígenas
Por fim, os resultados do artigo indicam que os territórios indígenas são responsáveis por 27% da absorção do PM 2.5 . Além disso, o desmatamento de 1% de cada município poderia gerar 82 novas infecções respiratórias e cardiovasculares.
Isso significa que, mantendo a proteção desses territórios, 700.000 kg de PM 2,5 poderiam ser absorvidos a cada ano, o que poderia evitar 15 milhões de casos de infecções respiratórias e cardiovasculares e economizar US$ 2.079.000.000 em custos de saúde todos os anos.