A ‘La Voz de los Refugiados’ mobiliza a comunidade abrigada e é protagonizada por voluntários venezuelanos
A comunidade de refugiados e migrantes da Venezuela do abrigo Rondon III, em Boa Vista (RR), está enfrentando a desinformação com a rádio comunitária ‘La Voz de los Refugiados’.
Enquanto o venezuelano Mario Rodas usa seus conhecimentos como advogado para apresentar o programa “Derechos constitucionales” sobre leis trabalhistas e outras questões legais, o artista Erasmo Rangel e sua companheira Maria Andreina narram o programa “Momento Salud”, com notícias e fatos verdadeiros sobre a pandemia da COVID-19.
Os programas são todos em língua espanhola, e o som se propaga pelos alto falantes do Rondom III. Em breve os programas serão reproduzidos em outros abrigos da Operação Acolhida – resposta governamental ao fluxo de refugiados e migrantes da Venezuela para o Brasil – na capital do Estado de Roraima.
Por meio de um estúdio que opera como um laboratório de rádio no abrigo, voluntários radialistas gravam programas em formato de podcasts a partir de dúvidas da própria comunidade e assim combatem os rumores e informações equivocadas que circulam nos abrigos e em redes sociais sobre COVID-19, documentação, acesso à direitos no Brasil, busca por trabalho e outros temas. A combinação do engajamento comunitário e da infraestrutura de rádio permite que o abrigo Rondon III cultive uma cultura de pensamento crítico e boas práticas para compartilhar informações, o que é fundamental no contexto de deslocamento forçado e prevenção à COVID-19.
A inauguração da rádio comunitária “La Voz de los Refugiados” ocorreu há duas semanas, no abrigo Rondon III, que conta com mais de 1.200 refugiados e migrantes venezuelanos – é um dos 12 abrigos temporários da Operação Acolhida.
A inciativa é uma realização da Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) com a Associação Voluntários para o Serviço Internacional (AVSI Brasil), com o apoio do governo de Luxemburgo.
Durante a cerimônia de inauguração da rádio, equipes do ACNUR, AVSI, Operação Acolhida e moradores do Rondon III prestigiaram o trabalho dos voluntários do projeto em uma mesa redonda que discutiu a importância de acesso à informação verídica e confiável em tempos de pandemia.
“Muita gente no abrigo tem vergonha e dificuldade com o idioma, por isso não perguntam para os brasileiros sobre suas dúvidas. Ainda assim, moradores do abrigo circulam informações não confiáveis entre si. A rádio está ajudando muito, principalmente a estas pessoas”, conta a moradora de Rondon III, Katiuska Rodrigues de 56 anos.
O projeto conta com a participação de onze pessoas refugiadas e migrantes da Venezuela que criam programas de rádio em formato de podcasts que são distribuídos via WhatsApp e disseminados nos autofalantes de outros abrigos da Operação Acolhida. Assim, esclarecem as dúvidas da comunidade sobre o processo de integração no Brasil e combatem rumores que circulam entre a população abrigada pela Operação Acolhida.
“Esta é uma rádio comunitária, ou seja, uma rádio da comunidade para a comunidade. O grupo de voluntários tem um papel de extrema importância em promover a verdade e a conscientização sobre o compartilhamento de informações nos meios digitais, o que impacta as decisões e futuro de refugiados e migrantes no Brasil”, diz Lucas Ferreira, Assistente de Informação Pública do ACNUR Brasil.
“Falamos sobre leis trabalhistas, discriminação, documentação e vários outras temáticas. Mas o principal é identificar aquele erro de informação, aquela mentirinha que está circulando na comunidade e que pode acabar prejudicando alguém. Quando dizem, por exemplo, que um imigrante pode votar no Brasil. Ou que a fronteira abriu, sem realmente estar aberta”, conta Maria Andreina Gil, voluntária do projeto de 35 anos.
O chefe do escritório do ACNUR em Roraima, Oscar Sánchez Piñeiro, reforçou a importância de ter a comunidade protagonizando as produções da rádio, podendo assim realizar entrevistas com especialistas para melhor compreensão de temas como documentação, prevenção à COVID-19, acesso à direitos no Brasil e recomendações para encontrar trabalho. “Esta rádio é de vocês, refugiados e migrantes. A ideia é que vocês compartilhem estas informações e continuem buscando apurar a verdade e responder às preocupações de sua comunidade” disse Piñeiro durante a cerimônia de inauguração.
E na programação da rádio “La Voz de los Refugiados”, a busca por informação verídica continua. Os voluntários – e moradores do abrigo Rondon III – Kennedy Rodrigues e Maria José apresentam o programa “No Caemos en Rumores” para desmontar fake news sobre temas essenciais como documentação, acesso a trabalho, situação na fronteira e funcionamento dos abrigos da Operação Acolhida. Afinal, é como se diz o slogan da rádio: “cuidando da comunidade, cuidamos de nós mesmos”.
Para encerrar a inauguração da rádio “La Voz de los Refugiados”, o voluntário Erasmo Rangel, que é artista e cantor, fez um rap para conscientização do combate à rumores: “Aqui na rádio te mantemos informado para que não caia em rumores. Aqui trazemos o que vocês pediam, entrevistas, saúde e um time de locutores. Esta é ‘La Voz de los Refugiados’, te dando a notícia para que esteja claro. Minhas saudações a todos meus irmãos, Brasil e Venezuela segurando as mãos.’
O projeto de rádio comunitária foi selecionado por meio de um edital de inclusão digital da Unidade de Inovação do ACNUR e financiado pela Diretoria de Cooperação para o Desenvolvimento e Assuntos Humanitários do Governo de Luxemburgo. O edital buscou apoiar iniciativas lideradas pela população refugiada e migrante em suas comunidades para combater rumores que circulam entre essa população nos abrigos e por meios digitais si. A iniciativa leva em consideração a rádio como uma ferramenta de comunicação e informação e é baseada em uma abordagem de engajamento da comunidade para identificar dúvidas e fornecer informações relevantes para estas pessoas.
A concepção do projeto se deu a partir de uma análise sobre desinformação nos abrigos e a necessidade de capacitar voluntários para o radiojornalismo como meio de enfrentar notícias falsas e rumoras. A implementação se deu por meio da montagem de um estúdio de gravação e da instalação de um sistema de som, possibilitando assim realizar a produção e transmissão dos programas de rádio nos abrigos de Boa Vista, Roraima.
O primeiro passo do projeto foi realizar uma pesquisa com 80 pessoas de quatro abrigos de Boa Vista para investigar os impactos da desinformação nas comunidades e avaliar quais eram os temas de interesse dos venezuelanos para apoiar sua integração no Brasil. A pesquisa identificou que 28% dos entrevistados já haviam presenciado impactos negativos advindos da circulação de notícias falsas em sua comunidade.
Após concluir o diagnóstico sobre rumores nos abrigos, a AVSI Brasil selecionou voluntários do abrigo Rondon III para receber uma formação de três módulos sobre radiojornalismo, verificação jornalística e técnicas de teatro jornal, que fazem parte da metodologia que deu origem ao Teatro do Oprimido de Augusto Boal. Desta forma, os voluntários puderam propor diferentes roteiros de rádio em formato de podcast para tratar os temas de interesse da comunidade.
“O principal ponto da capacitação foi trabalhar com um grupo tão diverso de gênero, idade e formação sobre a rádio como ferramenta de comunicação comunitária, contribuindo, portanto, com a conscientização dos impactos de fake news em suas comunidades”, conta Camila Ignácio, Oficial de Comunicação da AVSI Brasil.
Com o fim da capacitação do grupo de rádio, foi implementado a infraestrutura de som e gravação nos abrigos Rondon I, Rondon II, Rondon III e Pricumã em Boa Vista. Com o intuito de ter um centro de experimentação, aprendizado e co-criação de programas de rádio, foi montado um estúdio de gravação no Abrigo Rondon III, onde também são realizadas reuniões sobre pautas comunitárias e eventuais entrevistas com especialistas.
Após a criação e edição dos programas de rádio no estúdio, a infraestrutura de som das áreas sociais e de alimentação dos abrigos transmite os podcasts informativos. Em tempos de pandemia, a infraestrutura de som também contribui para reforçar mensagens de prevenção à COVID-19, bem como transmitir notícias de apoio à integração dos venezuelanos no Brasil e outros avisos gerais.
Além da infraestrutura de som, a rádio comunitária tem um aspecto inovador que facilita a disseminação dos programas de rádio. As produções são todas realizadas em formato de podcasts curtos, o que facilita a distribuição das gravações entre a comunidade por meio do WhatsApp e Youtube. Para isso, um chatbot de Whastapp está sendo desenvolvido para facilitar a comunidade a ter acesso aos programas gravados pela rádio ‘La Voz de los Refugiados’.