Mesmo com chegada da vacinação, Território Indígena do Xingu (MT) enfrenta segunda onda de Covid-19

Entre novembro e fevereiro os casos confirmados aumentaram 47,7% no Território 

“A vacina é importante e urgente para os povos indígenas. Eu nunca questionei e nunca tive medo de tomar uma vacina, e não é dessa vez que nós vamos ter medo, vacina parente!”, pede Oreme Ikpeng, jovem liderança da aldeia Moygu, Território Indígena do Xingu (TIX), no Mato Grosso. Oreme é um dos 1906 indígenas aptos para tomar a vacina contra a Covid-19 que já receberam a primeira dose, 48,4% do total. Além dos indígenas, 165 profissionais de saúde foram vacinados.

O TIX contabiliza 996 casos e 19 mortes decorrentes do novo coronavírus, entre elas o cacique Aritana Yawalapiti e mais recentemente o cacique Kawaiwete Kamitai Kaiabi. Ainda que a vacinação tenha começado, indígenas e organizações parceiras redobraram os cuidados para enfrentar a segunda onda de Covid-19: entre novembro e fevereiro os casos confirmados aumentaram 47,7%.

No entorno do TIX a situação também se agravou nos últimos meses. Em Canarana e Querência, cidades vizinhas ao território, os casos aumentaram 39,7% e 26% entre novembro e fevereiro, respectivamente.

O avanço dos casos na região do médio e baixo Xingu preocupa os indígenas. Entre os Ikpeng os casos aumentaram 52%, entre novembro e janeiro. Mesmo que a vacina já tenha chegado a 90% dos indígenas no pólo Pavuru, local de referência das aldeias ikpeng, Oreme reforça que os cuidados devem continuar: “tomar vacina não significa que não precisamos nos cuidar ou que não precisamos usar máscara. A vacina previne a forma mais grave da Covid, então nós temos que continuar usando máscara, passando álcool em gel e mantendo distanciamento social até tomarmos a segunda dose”.

Exemplo de sucesso

“Desde que surgiu [a pandemia] a gente não saiu para a cidade. Vamos manter controle social e o isolamento, isso tudo vai continuar”, afirma Winti Khisetje, coordenador técnico local da Funai (CTL) Wawi. Os Khisetje desenvolveram um rigoroso protocolo de prevenção e controle para enfrentar a Covid-19 e até o momento não houve nenhum caso em nenhuma das oito aldeias do povo.

“Surgiu essa doença ruim e ficamos em isolamento desde o começo até agora e hoje chegou vacina aqui na nossa aldeia e estamos tomando, estou feliz com isso”, conta o cacique Kuiussi Khisetje, ao receber a primeira dose da vacina.

O protocolo Khisetje, em vigor desde o início da pandemia, foi repactuado após a comunidade receber a primeira dose da vacina no início de fevereiro e manteve as mesmas regras do protocolo anterior. No documento, eles afirmam que será mantido o uso da “casa de quarentena”, para que profissionais de saúde, parceiros e mercadorias fiquem em isolamento por ao menos sete dias antes de entrar na aldeia, e saídas para a cidade só serão realizadas por motivos de saúde. Eles também desenvolveram um sistema de cantina dentro da aldeia, para que os indígenas não precisem sair para a cidade no entorno. [Saiba mais]

Para Sofia Mendonça, médica sanitarista e indigenista, coordenadora do Projeto Xingu da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), o povo Khisetje lidou com a pandemia de maneira exemplar. “Os Khisetje estruturaram uma estratégia muito forte e se mantiveram coesos para lidar com a pandemia. Eles ficaram isolados mas continuaram trabalhando, fizeram rituais e festas antigas, produziram muita saúde nesse processo”, afirma.

Quase metade da população do Território Indígena Xingu já recebeu a vacina. Foto: Kamikia Kisedje

Enfrentando fake news

A região do Xingu sempre foi referência quando se trata de vacinação, mas fakes news causam ruídos que dificultaram o trabalho dos profissionais da saúde durante a campanha de imunização. “Muitos jovens têm acreditado nessas mensagens que falam mal da vacina. Mas eles mesmos não vivenciaram o que é ficar sem vacina”, explica Sofia. Um dos esforços coletivos foi o de informar lideranças, profissionais de saúde e outras pessoas de referência para os jovens, a fim de desconstruir as fake news relacionadas às vacinas.

Áudios e vídeos informativos circulam pelo whatsapp e rádio amador, fruto do trabalho coletivo das associações indígenas, organizações da sociedade civil, antropólogos, pesquisadores e órgãos governamentais. Essa articulação começou logo no início da pandemia, e para Mendonça tem sido fundamental para articular ações de comunicação e estruturação de serviços de saúde, como a instalação das Unidades de Atenção Primária Indígena (UAPI) no território. “O enfrentamento da doença no Xingu tomou fôlego quando os parceiros como o ISA, projeto Xingu da Unifesp e as associações indígenas se juntaram aos órgãos oficiais, tanto à Funai quanto ao Dsei. O desempenho passou a ser mais efetivo quando houve essa parceria e ações sinérgicas”.

O jovem Oreme Ikpeng também alerta sobre informações falsas que espalham sobre a vacina e a vacinação: “são pessoas de má fé”. “Pela primeira vez no Brasil uma vacina foi tão noticiada, a produção foi acompanhada, sabemos de onde veio e qual é a eficácia dela. Por que vou ter medo de uma vacina que sei que é eficaz?”, argumenta.

O Xingu Solar é uma referência importante na estratégia de universalização da energia para comunidades isoladas.Foto: Letícia Leite / ISA

Energia solar no combate a Covid-19

No TIX, 78 aldeias já contam com sistemas de energia limpa. São 91 sistemas fotovoltaicos instalados que geram energia renovável em escolas, postos de saúde e sedes de associações. Referência em soluções de energia renovável em comunidades isoladas, o projeto “Xingu Solar”, em curso desde 2009, foi fundamental para apoiar as iniciativas de saúde no enfrentamento da Covid-19.

O projeto atendeu 11 aldeias e pólos essenciais na rota logística da vacina e possibilitou a sua conservação e refrigeração adequada durante o transporte e nos locais de vacinação. A energia solar também já é utilizada em 34 unidades de saúde.

A substituição do diesel pelo sol trouxe uma maior segurança no atendimento à saúde. Com o sistema fotovoltaico, os indígenas não dependem apenas do combustível para abastecer os geradores que alimentam os equipamentos médicos. Levantamento feito em 2019 pelo Instituto Energia e Meio Ambiente (IEMA), parceiro do ISA e da Associação Terra Indígena Xingu (Atix) no projeto, mostrou que 53% dos indígenas com fontes de energia solar sentiram-se mais seguros no atendimento médico de urgência, contra 24% sem energia solar. [Saiba mais sobre o projeto]

“O projeto foi fundamental para apoiar as ações de saúde, ainda mais no contexto da pandemia e com a chegada da vacina. Ainda temos muitos desafios, como suprir a demanda reprimida por energia que tem sobrecarregado alguns sistemas e a importância de fortalecer a gestão comunitária dos sistemas, o que envolve diálogo e formação”, comenta Marcelo Martins, assessor do ISA e coordenador do projeto Xingu Solar.

A pandemia deixou ainda mais evidente a necessidade do acesso democrático à energia elétrica em comunidades isoladas. O Projeto de Lei 4248/20, cuja elaboração contou com a participação do ISA por meio da rede Energia e Comunidades, está em tramitação na Câmara dos Deputados e determina que até 2023 todos os municípios da Amazônia Legal tenham acesso à energia elétrica. A intenção é que isso se dê a partir de um plano de execução feito pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). O projeto Xingu Solar é uma referência importante na estratégia de universalização da energia para comunidades isoladas, principalmente por sua vertente do atendimento comunitário.

A prioridade é atender comunidades e municípios distantes de centros hospitalares ou em localidades isoladas onde há grande número de casos de Covid-19, levando em consideração o atendimento comunitário – que garante o acesso a água, comunicação e saúde.

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