Mesmo com favoritismo entre artistas e ativistas ambientais, Cacique Raoni não leva prêmio Nobel da Paz 2020

O Prêmio Nobel da Paz 2020 premiou o Programa Mundial de Alimentos (PMA) da Organização das Nações Unidas (ONU), que combate a fome no mundo.

O cacique Raoni Metuktire de 89 anos foi um dos nomes indicados ao Prêmio Nobel da Paz. O líder da etnia Kayapó, vive no Parque Nacional do Xingu, em São José do Xingu, norte de Mato Grosso e ganhou notoriedade pela luta em prol dos povos indígenas.

Com percurso extenso de diálogo com nomes renomados de defesa da causa indígena, Raoni teve seu nome defendido por artistas, ativistas e políticos brasileiros para receber o Prêmio Nobel da Paz 2020, que neste ano, premiou o Programa Mundial de Alimentos (PMA) da Organização das Nações Indígenas (ONU), que combate a fome no mundo, anunciado na manhã desta sexta-feira (9). Ao todo, foram 318 indicados, sendo 211 pessoas e 107 organizações.
O cacique Raoni tem uma longa história de luta pela preservação da floresta, e é considerado por outros povos uma liderança. (Foto:Divulgação/Instituto Raoni)

O nome de Raoni começou a ser aventado para o Nobel da Paz no ano passado e, quando o primeiro-ministro etíope Abiy Ahmed ganhou o prêmio, houve decepção entre seus apoiadores.

Mas sua indicação só havia sido de fato submetida ao Comitê do Nobel em setembro, o que significa que valeria apenas para o prêmio de 2020.  Indicações para o prêmio podem ser feitas por professores universitários, membros de assembleias nacionais ou líderes de Estado, entre outros.

No caso de Raoni, foi o Instituto Darcy Ribeiro quem encampou sua candidatura, pedindo, no entanto, que uma terceira pessoa o inscrevesse no prêmio, explica Toni Lotar, vice-presidente do instituto. Isso porque, de acordo com as regras do prêmio, quem preenche o formulário não pode divulgar a inscrição — e o instituto queria fazer isso.

“A ideia de fazer a indicação do Raoni já tem alguns anos. No ano passado, o Brasil teve essa mudança de governo, entrou esse presidente novo, que é um presidente como nenhum outro no passado se declarou explicitamente anti-indígena. Virou um personagem preocupante para os povos indígenas, o que fez com que o Raoni a partir de abril e maio do ano passado saísse de sua aldeia e retomasse suas turnês pelo mundo”, conta Lotar.

Em agosto, Raoni se reuniu com o presidente francês, Emmanuel Macron, que depois acabaria discutindo com Bolsonaro sobre a preservação da Amazônia. Os dois já haviam se encontrado na França em maio.

Lotar diz então ter se encontrado com Raoni em abril, no Acampamento Terra Livre, mobilização indígena, e comentado com ele sobre a possibilidade da candidatura ao Nobel e “ele falou ok”. “Ele não incentivou, eufórico, mas entendeu que poderia ser algo importante para a causa indígena e deu autorização.”

História do cacique Raoni

Ropni Metyktire, o grande líder conhecido como Cacique Raoni, nasceu provavelmente no início da década de 1930, em uma antiga aldeia Mebêngôkre (Kayapó) denominada Kraimopry-yaka, no nordeste do Estado de Mato Grosso. Durante o período de sua juventude, os Mẽbêngôkre viviam em aldeias seminômades, sem contato pacífico com a sociedade envolvente. Em 1954, quando o povo Mẽbêngôkre estabeleceu contato definitivo com os brancos, Cacique Raoni tinha aproximadamente 24 anos e teve um papel fundamental no processo de pacificação de diversas aldeias. Nesta época, conheceu os irmãos Villas Boas, com quem aprendeu a falar a língua portuguesa e a tomar consciência do mundo não-indígena. A partir de então, Raoni passou a ser o principal interlocutor entre os Mẽbêngôkre e a sociedade nacional.

Cacique Raoni. (Foto:Divulgação/Instituto Raoni)

Ao longo de sua trajetória, Cacique Raoni foi protagonista em diversas lutas em favor dos povos indígenas e da Amazônia, passando a ser reconhecido internacionalmente como liderança legítima e porta voz da preservação do meio ambiente. Em 1978, foi tema de um documentário indicado ao Oscar e em 1987, após seu encontro com Sting, alcançou notoriedade internacional.

Nas décadas 80 e 90 teve papel fundamental na demarcação dos territórios Mẽbêngôkre, um dos maiores blocos contínuos de floresta tropical do mundo e que ainda hoje constitui a maior barreira contra o desmatamento na porção leste da Amazônia, além de participar do processo de demarcação de territórios de diversos outros povos. Teve forte atuação na Assembleia Constituinte em 1987 e 1988 junto ao movimento indígena, a qual resultou na inclusão dos direitos fundamentais dos povos indígenas na Constituição Federal de 1988. Em 1989, conseguiu mobilizar a imprensa mundial para a cobertura do “Primeiro Encontro dos Povos Indígenas do Xingu”, em Altamira (PA), contra a construção do Complexo Hidrelétrico do Xingu (que incluía a usina Kararaô, que retornaria anos depois como Usina Hidrelétrica de Belo Monte), resultando no abandono do projeto.

Na década de 90 e a partir do ano 2000, Cacique Raoni realizou inúmeras viagens pelo mundo e conquistou o apoio de importantes lideranças e personalidades internacionais, que resultaram no levantamento de fundos internacionais para a demarcação de terras indígenas brasileiras, bem como na tomada de consciência do público em geral sobre a necessidade de proteger a floresta amazônica e suas populações nativas.

A partir de 2018, diante de um cenário político nacional dramático para os povos indígenas e para o meio ambiente, Raoni assumiu mais uma vez a linha de frente na luta pelos direitos dos povos indígenas e pela defesa da Amazônia. Uma nova campanha foi realizada em 2019, na qual Cacique Raoni advertiu ao mundo sobre o desmatamento na Amazônia e as ameaças vindas do agronegócio, garimpeiros e madeireiros que exploram a floresta, buscando apoio para garantir a condições para a proteção territorial e o fortalecimento sociocultural de seus povos. Em janeiro de 2020, Raoni convocou um encontro histórico de lideranças de povos da floresta, no qual reiterou a importância de sua união contra os ataques e retrocessos aos direitos e políticas indígenas e ambientais.

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