Sítio experimental em Manaus será usado para testar resiliência da floresta amazônica à mudança climática

O experimento busca entender uma das maiores incertezas que se tem na ciência climática: como a maior floresta tropical do mundo irá se comportar no futuro com o aumento das emissões de gás carbônico, num mundo mais quente, mais seco e com redução de chuvas?

Em uma área de pesquisa a cerca de 70 quilômetros em linha reta ao norte de Manaus, no Amazonas, o programa experimental de grande porte que medirá os impactos da mudança climática na floresta Amazônica dá um passo decisivo na construção da sua infraestrutura. As bases de concreto ganham forma no chão da floresta para receber torres de alumínio autoportantes e guindastes no modelo grua. O equipamento para içar e mover objetos dará acesso ilimitado dos cientistas ao topo das árvores em seu estado natural, abrindo outras possibilidades de pesquisa sobre os ciclos de carbono. Hoje o uso de gruas permanentes para estudos no dossel de florestas tropicais é utilizado apenas no Panamá.

A pré-inauguração do sítio experimental do AmazonFACE aconteceu no dia 8 de dezembro, no Km 34 da estrada ZF-02, à esquerda da BR-174 (Manaus-Boa Vista), na altura do Km 934 (antigo Km 50). O AmazonFACE é um programa do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), coordenado pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/MCTI) e Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em cooperação internacional com o governo britânico. O experimento busca entender uma das maiores incertezas que se tem na ciência climática: como a maior floresta tropical do mundo irá se comportar no futuro com o aumento das emissões de gás carbônico, num mundo mais quente, mais seco e com redução de chuvas?

O pesquisador do Inpa, Carlos Alberto Quesada, e o pesquisador do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura (Cepagri/Unicamp), David Lapola, coordenam o AmazonFACE e acreditam que o evento é um marco para o complexo programa que teve início em 2014. Na primeira fase, os pesquisadores e estudantes de pós-graduação ligados ao programa fizeram a caracterização do sítio, para entender o funcionamento da floresta antes de começar o experimento, trabalho que continuará a longo prazo.

No dia 7, pesquisadores reuniram-se na sede do Inpa, em Manaus, para discutir aspectos técnicos e científicos do Programa.

“Este momento celebra a viabilidade da construção da infraestrutura do experimento, tendo a presença de parceiros importantes que nos ajudaram a chegar até aqui. Além disso, aproveitamos esta ocasião como um evento científico para destacar a importância do experimento no contexto do mercado internacional de carbono e da relevância do projeto para a vida das pessoas, pois a Amazônia influencia a sua vida, a minha, o planeta inteiro. O AmazonFACE é um projeto também voltado à formulação de políticas públicas”, 

destacou Quesada.

Foto: Cimone Barros/Ascom Inpa

Esse grande “laboratório a céu aberto” será formado por seis anéis compostos por 16 torres de alumínio cada, com 30 metros de diâmetro. Serão três anéis enriquecidos com gás carbônico e três anéis controle com ar ambiente. Cada torre possui sensores que vão emitir durante 12h do dia de 40% a 50% a mais da concentração de CO2 atmosférico nos fragmentos de floresta existentes dentro dos anéis e medir os impactos na respiração, fotossíntese, crescimento de plantas e em outros processos. A previsão é colocar os seis anéis em operação no início de 2024.

“As simulações dos modelos computacionais climáticos de vegetação nada poderão fazer sem dados de campo que mostrem se esse efeito de fertilização por CO2 de fato existe na floresta Amazônica, quão forte ele é e quanto tempo vai durar. A informação que vamos gerar é da maior importância para alimentar esses modelos e nos dá melhores projeções sobre o que vai acontecer com a maior floresta tropical do mundo”, ressaltou David Lapola.

Até o momento estão prontas as bases de concreto dos dois primeiros anéis, que receberão 32 torres. Três dessas torres já foram montadas até 10 metros de altura, imagem que emocionou a equipe do programa. Cada anel terá o seu próprio guindaste de 50 metros de altura. Até o primeiro trimestre de 2023, essa primeira fase da construção, iniciada em março deste ano, deve ser concluída. Montados os dois primeiros anéis, os cientistas avaliarão quantidade necessária de gás carbônico e depois desligarão os sistemas. A infraestrutura da plataforma científica entrará em operação quando os seis anéis estiverem concluídos.

Foto: Cimone Barros/Ascom Inpa

Parceria

O programa recebeu financiamento de 2,25 milhões de libras (cerca de R$ 17 milhões) do governo britânico, administrados pelo Met Office, o Serviço Nacional de Meteorologia do Reino Unido. O governo brasileiro, por meio do MCTI, está investindo R$32 milhões no AmazonFACE. Os recursos são de Ação Transversal do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT).

“A floresta amazônica desempenha um papel crítico no ciclo global do carbono e no sistema climático. O trabalho pioneiro do AmazonFACE fornecerá uma nova compreensão crucial dos processos florestais, o que nos ajudará a melhorar ainda mais os modelos do sistema terrestre para fornecer estimativas aprimoradas do balanço de carbono para manter o aquecimento global bem abaixo de 2°C”, destacou o professor Richard Betts, MBE (Member of the Order of the British Empire), do Met Office e da Universidade de Exeter.

Para o secretário de Pesquisa e Formação Científica do MCTI, Marcelo Morales, o investimento no AmazonFACE integra a estratégia da pasta de “Ciência para a Amazônia”, congregando iniciativas para dados sobre mudanças climáticas, regeneração florestal, cadeias da bioeconomia e infraestrutura de pesquisa. “Os projetos se complementam e oferecem respostas e informações baseadas em evidências que são imprescindíveis para o processo de tomada de decisão”, afirmou Morales.

A vice embaixadora do Reino Unido no Brasil, Melanie Hopkins, revelou que para o governo Britânico é “uma grande satisfação” apoiar este experimento pioneiro.

“Atuar diante das mudanças climáticas é um compromisso de extrema relevância para o Reino Unido. Estou ansiosa para ver os resultados da primeira fase do experimento. Os dados coletados aqui poderão explicar como as mudanças climáticas afetarão a maior floresta tropical do mundo. O impacto que esse conhecimento terá para o avanço da Ciência Climática é imprescindível”,

enfatizou Melanie Hopkins.

Foto: Cimone Barros/Ascom Inpa

AmazonFACE

O programa recuperou 34 km de ramal de acesso à ZF-02 que vai permitir a passagem de veículos, de CO2, cabos de comunicação, de fibra óptica e instrumental técnico nas áreas de pesquisa do sítio do AmazonFACE. Por trás do empreendimento científico, um grande desafio para montar a infraestrutura da plataforma de pesquisa com a tecnologia FACE, o primeiro experimento com enriquecimento com gás carbônico ao ar livre em florestas tropicais. Atualmente há experimentos FACE em funcionamento na Austrália e Inglaterra.

“A gente tem parceria com os dois FACEs em atuação, mas todos os planos de engenharia foram adaptados à floresta tropical – incluindo altas temperaturas e umidade do ar, levando em consideração as condições locais, a durabilidade dos equipamentos, eficiência, segurança e confiabilidade na operação”, contou Bruno Takeshi, gerente de operações do AmazonFACE e do Observatório de Torre Alta da Amazônia (ATTO), torre com 325 metros de altura.

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