Dados são do porto da capital, que monitora o ritmo de subida e descida das águas desde 1902.
Conhecido pelas águas escuras e extensão de quase 1.700 km, o Rio Negro alcançou a marca de 13,59 metros e a seca de 2023 já é a pior da história em Manaus (AM).
Os dados foram obtidos nesta segunda-feira (16) pelo porto da capital amazonense, que monitora o ritmo de subida e descida das águas.
No dia 24 de outubro de 2010 o rio chegou a descer para 13,63 metros. Na época, foi considerada a seca mais severa desde que as medições hidrológicas foram instaladas no Rio Negro, em 1902.
Agora, 13 anos depois, a marca foi ultrapassada oito dias antes e as águas continuam baixando, uma média de 13 centímetros por dia, conforme o Porto de Manaus.
No final de setembro deste ano, o Serviço Geológico do Brasil (CRPM) emitiu um relatório em que apontou que o ápice da estiagem só deveria ocorrer nesta segunda quinzena de outubro, o que vai refletir ainda mais no cenário de calamidade da cidade.
Manaus, assim como quase todos os municípios do Amazonas, vive uma severa crise ambiental. Além da seca, que é recorde e tem deixado comunidades isoladas, a cidade precisou fechar escolas nas áreas rurais e sofre prejuízos na navegação de embarcações e com o escoamento de produção do Polo Industrial.
A cidade também enfrenta uma “onda” de fumaça produzida por queimadas ocorridas na região metropolitana. Na última semana, o ar na capital do Amazonas foi considerado um dos piores do mundo.
Em quase toda a orla da capital, o cenário é o mesmo. O rio “sumiu” e deu lugar a bancos de areia e pequenos filetes de água. O principal balneário da cidade, a Praia da Ponta Negra, foi fechada. Uma cerca foi montada para impedir a passagem de banhistas.
Até no Encontro das Águas, um dos pontos turísticos mais famosos da cidade, a seca deixou seu rastro de destruição e mudou a paisagem.
Em outros pontos da grande Manaus, um “mar de lixo” e de canoas e barcos encalhados dá lugar ao que antes – ou melhor, um mês atrás – era o majestoso Rio Negro.
Para quem tira o sustento do rio, a situação é desesperadora. O comerciante Erick Santos, de 29 anos, alugou um flutuante no Lago do Puraquequara, na Zona Leste de Manaus, há mais ou menos um ano. No local ele montou um pequeno restaurante, onde trabalha com a família. No entanto, com a seca, viu o lugar esvaziar e conta que mal tem dinheiro para pagar as despesas básicas de casa.
“A nossa renda diminuiu muito. Estamos vivendo com o mínimo do mínimo, para pagar a luz, que está muito cara, e a água. Comemos o que sobra do restaurante. Sinceramente não sei até quando vamos aguentar”,
contou.
Ainda segundo o comerciante, além da seca, a fumaça que atinge a cidade também tem espantado os clientes. A falta de chuvas e a certeza de quando o rio voltará a subir deixa a família preocupada.
“É muito difícil a gente saber se vai abrir semana que vem, porque a gente não sabe como o rio vai estar, quando ele vai subir novamente, quando vai parar essa fumaça toda. Eu rezo todos os dias a Deus para que ele me mostre o que fazer. É um cenário muito triste”,
disse.
A situação é a mesma vivida por quem lida diariamente com o transporte de passageiros. Como é o caso de Manoel Alves, que há 20 anos trabalha em uma cooperativa de barqueiros na Marina do Davi, na Zona Oeste da capital.
“Todo ano a gente sabe que o rio vai secar, mas esse ano a situação está muito feia. Juro que só vi coisa parecida em 2010, quando houve uma seca muito forte”, afirmou.
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O trabalhador contou que a estiagem fez com a que a cooperativa passasse a levar menos passageiros por viagem. Infelizmente, o valor do transporte também precisou ser revisto para amortizar os prejuízos enfrentados pelos trabalhadores:
“A gente estava levando 15 passageiros, agora a gente está levando 10 e, nesta semana, vamos baixar para oito. Isso impacta muito o nosso trabalho, como também no valor final, porque nossos barcos só conseguem chegar até certo ponto. De lá, as embarcações menores assumem o transporte, e isso sai caro, né?! Infelizmente o preço sobe”.
Manoel Alves, barqueiro.
E quem está acostumado com o movimento de subida e descida das águas é categórico em dizer que a situação tende a piorar ainda mais: “Isso aqui ainda vai baixar mais. O cenário tende a ficar melhor somente no final de novembro e início de dezembro”, finalizou.
Manaus em estado de emergência
Desde o final de setembro, a Prefeitura de Manaus decretou situação de emergência na capital. Naquela época, o Rio Negro media pouco mais de 16 metros, três metros a mais do que o registrado atualmente.
Desde então, a administração municipal disse que vem executando diversas ações para que as zonas rural e ribeirinha da cidade não fiquem isoladas e desabastecidas. Entre as medidas anunciadas estava a abertura de 30 poços artesianos e a distribuição de cestas básicas.
Outra medida tomada foi o fechamento da Praia da Ponta Negra, no início do mês. Segundo a prefeitura, a interdição considera as normas de uso da praia perene, definidas em um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) assinado pela município junto ao Ministério Público do Amazonas (MP-AM), com órgãos municipais e estaduais, incluindo Corpo de Bombeiros do Amazonas (CBAM) e Polícia Militar.
Para impedir o avanço de banhistas e turistas no local, considerado perigoso por conta da seca, cercas foram instaladas na faixa de areia. O prefeito David Almeida também prometeu um auxílio para permissionários que têm barracas no local e estão sendo impactados pelo fechamento do balneário.
A seca severa que atinge a capital também fez com que a prefeitura encerrasse mais cedo o ano letivo da rede municipal de comunidades ribeirinhas, localizadas no Rio Negro.
“O término das aulas nas escolas ribeirinhas, que seria no próximo dia 17, foi antecipado para o dia 4 de outubro. Devido à estiagem que se aproxima de uma marca histórica neste ano, professores e alunos encontram dificuldade na locomoção até as unidades escolares”, disse a Secretaria Municipal de Educação da capital (Semed).
As causas da seca severa
A seca severa que atinge o Amazonas está relacionada, segundo especialistas, à combinação de dois fatores que inibem a formação de nuvens e chuvas: o El Niño (que é o aquecimento do oceano Pacífico) e a distribuição de calor do oceano Atlântico Norte.
“O evento do Atlântico Tropical Norte está se somando ao El Niño. Dois eventos ao mesmo tempo são preocupantes. Tivemos isso entre 2009 e 2010, que foi a maior seca registrada na bacia do rio Negro nos últimos 120 anos”.
Renato Senna, meteorologista responsável pelo monitoramento da bacia amazônica no Inpa.
Atuação do El Niño:
De um lado, há o El Niño, que aumenta a temperatura das águas do Oceano Pacífico Equatorial.
Esse fenômeno altera os padrões de ventos, umidade, temperatura e chuvas, em particular em regiões tropicais. No Brasil, se traduz em menos chuvas e aumento das temperaturas em parte das regiões Norte e Nordeste.
Aquecimento do Atlântico Tropical Norte:
Combinação desses dois fatores:
Com a água dos oceanos mais quente, as correntes ascendentes carregam ar aquecido para a atmosfera. Esse ar segue até a Amazônia por meio de duas correntes descendentes, onde vai diminuir a chuva.
No caso do El Niño, o processo ocorre de leste para oeste – a partir do Pacífico. No caso do Atlântico, do norte para o sul.
“Esse ar mais quente atua inibindo a formação de nuvens e, por consequência, das chuvas”,
afirmou Senna.
Rio Amazonas e Rio Solimões em repiquete
Enquanto em Manaus, o Rio Negro seca, em Tabatinga, o Rio Solimões inicia o fenômeno do “repiquete“, que é a subida e a descida das águas ocorrendo ao mesmo tempo. Na segunda (9), o rio estava em -71 centímetros. Na quarta (11), -61 centímetros e já na sexta-feira (13), ele voltou a descer e estava medindo -67 centímetros. Os dados são do Proa Manaus.
A situação é a mesma em Iquitos, no Peru, onde o Rio Amazonas media 76,58m na quinta-feira (5). As águas subiram para 76,84 metros no domingo (8) e desceram para 76,61m na sexta-feira (13).
Tudo isso impacta diretamente no nível da água em Manaus, que agora luta para sair da crise climática, que transformou a famosa “Paris dos Trópicos” em uma terra arrasada pela seca, pelas queimadas e pela fumaça.