Região amazônica sofre com devastação e extrema alteração climática

Associada às altas temperaturas, a estiagem já provocou a mortandade de animais — há recente registro da perda de mais de uma centena de botos-cor-de-rosa e tucuxis no Lago Tefé, no Amazonas.

A maior floresta tropical do planeta enfrenta neste momento fortíssima seca, com previsão de se tornar a pior de toda a história. Associada às altas temperaturas, a estiagem já provocou a mortandade de animais — há recente registro da perda de mais de uma centena de botos-cor-de-rosa e tucuxis no Lago Tefé, no Amazonas, onde a temperatura da água atingiu 40º C —, o isolamento de comunidades e agora oferece riscos reais para um incêndio florestal de proporções catastróficas, como os casos recém-registrados em países do Hemisfério Norte.

Não por acaso, a importância dos biomas é defendida pela Constituição, que em seu artigo 225 pontua que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

Em recente audiência na Comissão de Meio Ambiente (CMA) do Senado, a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, enfatizou que há 20 anos — quando assumiu a pasta pela primeira vez — “não se tinha a clareza que se tem agora em relação aos graves problemas da perda de biodiversidade, da mudança do clima, da importância das florestas para o equilíbrio do planeta, do papel que desempenham os povos tradicionais na preservação da biodiversidade e das florestas, bem como em relação ao imperativo ético de acabar com a oposição entre economia e ecologia e transformá-las numa mesma equação”.

A ministra destacou que, assim como outros países que já enfrentam tragédias resultantes das alterações climáticas, o Brasil e a América do Sul são vulneráveis, o que, para ela, ficou muito claro na Cúpula da Amazônia, realizada em agosto, em Belém.

“Quando protegemos a Amazônia, não é para atender uma exigência externa, é porque nós, a partir de nós mesmos, queremos protegê-la e queremos fazer isso para liderar pelo exemplo”, disse a ministra.

Foto: Reprodução/Ibama

Destruição 

Cheiros inebriantes de flores, folhas, cascas de árvores, chuva e o mais puro oxigênio há muito tempo não são os únicos a permear o bioma amazônico, que há décadas enfrenta queimadas recorrentes, em boa parte provenientes de técnicas utilizadas para o desmatamento. Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) demonstram que 18,3% dos 4,2 milhões de quilômetros quadrados que o bioma ocupa em terra brasileira já foram destruídos.

Apesar de ser o ecossistema mais preservado, o percentual de conversão assusta pesquisadores e especialistas em conservação de espécies, por estar muito próximo de 20%, índice considerado um ponto de partida sem volta para a Amazônia.

“A Amazônia é um bioma bastante preocupante porque tem sofrido com baixas de desmatamento bastante significativa. Ainda temos uma proporção bastante significativa do bioma preservado, mas existe a preocupação, e isso tem sido ressaltado cada vez mais pela comunidade científica que, ao se ultrapassar um certo limiar, a Amazônia entre num vórtex de degradação que não tenha mais retorno, ultrapasse o ponto de não retorno. Evidentemente existem vários estudos que começam a propor qual é esse limiar, e eles sugerem que essa taxa seja próxima de 20%”, 

expões o coordenador de Avaliação do Risco de Extinção das Espécies de Fauna (Cofau), do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Rodrigo Jorge.

O alerta também é feito pelo pesquisador e curador do herbário da coleção científica das plantas da Amazônia, no Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia (Inpa), Mike Hopkins. Além da conversão de parte do bioma diretamente pelas ações antrópicas, ele se preocupa com os resultados devastadores das mudanças climáticas.

“Francamente, onde estamos na crise climática no mundo em geral, nesse momento, provavelmente passamos do ponto de voltar para ser como era”, enfatiza o pesquisador.

Diante do desmatamento e da redução das chuvas na Amazônia, o maior medo de Hopkins, no momento, é a ocorrência de ‘incêndios apocalípticos’, como os ocorridos recentemente no Canadá e em outros países.

O nível de desmatamento influencia o clima, a probabilidade de chuvas, a probabilidade de ter incêndios. Estamos entrando num período de alto risco, de megaincêndios. Sempre tinha alguma chuva, mas tem havido pouco. A floresta está muito triste no momento, está muito seca.

Levantamento do Inpe aponta que pouco mais de 36% do território brasileiro não tem mais sua cobertura original. Mas como a maior parte da Amazônia ainda está preservada — o bioma ocupa quase 60% do território nacional — há uma falsa sensação de que o país ainda está bem protegido, segundo o coordenador do Programa de Monitoramento da Amazônia e demais Biomas, do instituto, Claudio Almeida.

“Quando na verdade a gente sabe que há um risco bastante grande para os biomas brasileiros. É preciso estar atento e acompanhando o que está acontecendo, por isso é que é importante o processo de monitoramento, ter informação constante e disponível para a população”, afirma o coordenador do Inpe.

Foto: Tarcisio-Schnaider/Adobe-Stock

Espalhada por nove estados — Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Pará, Rondônia, Roraima, Mato Grosso e Tocantins — o maior bioma brasileiro sofreu com altas recorrentes de desmatamento nos últimos anos, números que começam a decrescer, mas que ainda são considerados bem significativos.

Em julho de 2023, foram desmatados na Amazônia, de acordo com o Inpe, 500 quilômetros quadrados, contra 1.487 quilômetros quadrados no mesmo período do ano anterior, o que aponta uma queda expressiva de 66,4%.

Considerando que o ano de desmatamento é contabilizado pelo instituto de 1º de agosto de um ano a 31 de julho do ano seguinte, a redução total nesse último período (2022-2023) foi de 7,4%.

“Essa queda é muito importante se consideramos que estávamos numa tendência de um aumento muito forte. No segundo semestre do ano passado houve um aumento de mais de 54,1% e conseguimos transformar isso numa queda de 42,5%. Isso é muito relevante”, avalia Claudio Almeida.

Dos 769 mil quilômetros quadrados já desmatados na Amazônia, 48 mil quilômetros quadrados estão em unidades de conservação (acumulado de desmatamento até 2022) e 15,9 mil alcançaram as áreas indígenas. Nada menos do que 43% do desmatamento ocorrido está dentro de áreas com Cadastro Ambiental Rural (CAR) — inscrição obrigatória para todos os imóveis rurais no país.

“São propriedades que já têm cadastro, você sabe quem é, sabe o que está acontecendo naquela propriedade. Outros 25,3% estão em assentamentos e 13,8% em florestas públicas em áreas não destinadas”, expõe o coordenador do Inpe.

Para Almeida, essa redução resulta em parte de maior ação fiscalizatória, com ida a campo, embargo de áreas e destruição de equipamentos que estavam sendo utilizados para o desmatamento ilegal.

Foto: Keith Ramos/USFWS/Flickr

Mosaico 

Em um clima equatorial úmido, não são só árvores centenárias que formam o que se imagina ser um imenso tapete verde que compõem esse grandioso ecossistema, alerta o pesquisador Mike Hopkins.

Provavelmente, segundo o pesquisador, 80% da Amazônia esteja em terra firme, em lugares mais altos, não inundáveis, dominados pelas árvores mais longevas, extremamente grandes, com madeiras de alta qualidade e pesadas.

Hopkins explica que há ainda as áreas de florestas inundadas: parte está nas várzeas, onde as árvores passam vários meses do ano com suas raízes debaixo da água, em águas turbulentas, como nos Rios Solimões e Madeira. Em outros rios de águas pretas, puras e sem sedimentos, estão árvores mais baixas que sobrevivem em solos bem pobres, com muita areia, onde as espécies são bem mais jovens. Há ainda as áreas de campinas, que podem ser inundáveis ou não, e onde a floresta é bem mais baixa e de poucos nutrientes.

“A Amazônia realmente não é um tapete verde. É um mosaico de muitos ambientes diferentes. Cada um desses ambientes tem um conjunto de espécies diferentes, que podem estar em um rio, em um vale ou um platô”, 

expões o pesquisador do Inpa.

São vários os problemas que castigam a imensidão amazônica, mas um dos mais preocupantes é a falta de conhecimento básico das espécies, ainda muito pouco estudadas e conhecidas.

“Se você não entende os elementos das populações das espécies no meio ambiente, é muito difícil entender os processos que acontecem. É muito importante conhecer a ecologia das espécies, saber como se chamam, quais são suas características físicas, qual a distribuição. Infelizmente na Amazônia estamos extremamente atrasados em nível mundial e de Brasil”, avalia Hopkins.

Enquanto em outros biomas brasileiros as espécies são taxonomicamente mais bem conhecidas, na Amazônia os números estão muito longe de refletir a realidade. Conforme levantamento oficial do Instituto de Pesquisas do Jardim Botânico do Rio de Janeiro (braço do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima responsável pelo registro nacional) há cerca de 12,1 mil espécies de flora e funga (fungos) catalogadas no bioma, dos quais 2,6 mil são endêmicas (só ocorrem na região).

“Minha estimativa é de que, na realidade, seja provavelmente três ou quatro vezes esses números”, acredita o pesquisador do Inpa. Hopkins lembra que somente no herbário do instituto há 300 mil coletas catalogadas, mas seriam necessários pelos menos 3 milhões para um melhor retrato da flora e funga local.

Além do reduzido número de especialistas em identificação, descrição e catalogação de espécies, os taxônomos, cerca de 90% desses profissionais moram fora da região e os que atuam lá geralmente concentram-se perto das grandes cidades, ao longo dos rios e estradas, o que faz com que a vasta maioria da Amazônia seja totalmente desconhecida e pouquíssimo desbravada.

Estudos já apontam que pelo menos 20% das microbacias da Amazônia estejam altamente impactadas por ações antrópicas, o que reflete diretamente na fauna e na flora. Além das hidrelétricas, ações como desmatamento, queimadas, plantio de grãos, criação de bovinos e garimpos atingem a vegetação natural e, consequentemente, o espaço aquático.

Com a maior bacia hidrográfica do mundo e o segundo maior rio do planeta — o Amazonas, que possui cerca de 1,1 mil afluentes, — o bioma perdeu superfície de água entre os anos de 1985 e 2022, com retração de 5,5%, conforme levantamento da rede colaborativa MapBiomas.

“Recentemente, a Defesa Civil do Amazonas — onde 24 municípios estão em situação de emergência e mais 34, em alerta”, apontou o agravamento da estiagem, que pode a vir ser a pior de toda a história no estado.

Os níveis de redução hídrica são variáveis em todo o bioma, mas há extrema preocupação com três grandes rios da região: Solimões, Negro e Madeira. Algumas comunidades estão isoladas e já há registro de mortes de animais.

Na água estão alguns dos mais importantes riscos consideráveis à conservação das espécies da flora e da fauna amazônica. Estudos já conseguiram demonstrar que as hidrelétricas têm efeito drástico na sobrevivência de espécies vegetais e animais e não é somente onde está alagado.

O pesquisador Mike Hopkins explica que quando as barragens estão fechadas e a água é represada, muitas plantas que estão localizadas mais abaixo deixam de ter suas raízes submersas, o que pode provocar altíssima mortalidade. Nessa perda podem estar espécies raras e desconhecidas, que ainda estão no campo do hipotético por não terem sido catalogadas.

“Em áreas naturais, é muito difícil saber quais espécies são raras e quais espécies estão realmente em dificuldades”,

afirma Hopkins.

O barramento dos rios por conta das hidrelétricas também afeta profundamente os animais. É o caso de espécies de peixes migradores que dependem de trechos de rios livres para realizar seus deslocamentos com vistas à reprodução.

Da mesma forma, a contenção dos animais em represas fragmenta as populações, mantendo pequenos grupos dentro dos reservatórios, sem que se conheça a composição e o grau de proximidade genética. É o que acontece, por exemplo, com os botos amazônicos.

“Então, começa a haver reprodução dentro do próprio grupo e isso os enfraquece geneticamente. Qualquer doença, qualquer coisa, pode acabar com esses animais”, afirma a pesquisadora do Inpa, chefe do Laboratório de Mamíferos Aquáticos, Vera Maria Ferreira da Silva.

A pesca industrial e comercial também prejudica uma grande variedade de espécies. O impacto é significativo, principalmente porque a atividade, em geral, não é seletiva, então há sempre o risco constante de captura incidental.

“A gente não pode causar uma restrição na atividade pesqueira, o que vai gerar um impacto na economia do país e na vida das pessoas. Mas por outro lado, temos sim de tomar medidas no caso de espécies enquadradas nas categorias de ameaças de extinção. Isso é tanto de interesse da conservação da biodiversidade das espécies do país e do mundo, como é de interesse da própria indústria pesqueira, porque não querem que as espécies colapsem. Temos que colocar as partes para conversar e chegar em medidas efetivas de fato. É necessário que não fique só no nível das boas intenções”, 

avalia Rodrigo Jorge, do ICMBio.

Além da pesca, os animais aquáticos ainda brigam para sobreviver diante da contaminação dos rios, que recebem altas cargas de mercúrio e outros metais pesados lançados em suas águas pela mineração ou pelo garimpo.

De acordo com o Sistema de Avaliação do Risco de Extinção da Biodiversidade (Salve) do ICMBio, das 6.728 espécies avaliadas (todos os vertebrados e alguns invertebrados), 224 estão em categorias de ameaça, sendo 137 endêmicas.

São 38 espécies na categoria criticamente em perigo, caso do sagui-de-cara-nua, do macaco-preto, da tartaruga de couro, da cobra-coral e do bicudo. Outras 47 estão em perigo, como o boto-cor-de-rosa, o tico-tico-cantor, o gato do mato, o cachorro do mato e o macaco-barrigudo, e 139 estão em situação vulnerável, entre eles o peixe-boi da Amazônia, o pica-pau de coleira, o sagui-branco, o macaco bugio, a anta, a ariranha e o peixe pintado.

A plataforma governamental do Sistema de Informação sobre a Biodiversidade Brasileira (SiBBRr), do Ministério da Ciência Tecnologia e Inovação (MCTI), que recebe registro de diversas instituições do país, aponta que há hoje na Amazônia cerca de 4,4 mil espécies de animais vertebrados (número que chega a quase 5 mil na literatura) e 5,6 mil espécies de invertebrados. Mas a expectativa é de que esses números sejam bem maiores diante do muito que ainda é desconhecido.

Os grandes mamíferos aquáticos são exemplos emblemáticos de espécies que há décadas lutam pela sobrevivência, o que os tornam animais sempre representativos na lista dos ameaçados.

Espécie endêmica dos rios da Bacia Amazônica, o boto cor-de-rosa ou boto vermelho enfrentou longos períodos de pesca ilegal, a partir do final da década de 1990, quando passou a ser usado como isca para um bagre conhecido como piracatinga.

Até então, os botos eram preservados pela crença em lendas e superstições. Mas além da pesca, os animais viraram alvo dos que têm medo ou raiva desses mamíferos aquáticos.

Atualmente a pesca do boto é proibida, mas ainda ocorre, principalmente em captura incidental, que acaba por atingir em sua maioria os filhotes.

“Hoje, dificilmente se acha carcaça de boto. Os pescadores afundam a carcaça para não serem acusados de matar o animal, ou eles a utilizam como isca. Isso é uma prática que se estabeleceu na região e que se caracteriza como a maior ameaça que essa espécie já sofreu desde que o homem entrou na Amazônia, porque o boto não foi utilizado, como o peixe-boi, como alimento pela população local em nenhum momento da história”, expõe a pesquisadora Vera Maria, do Inpa.

Enquanto o boto cor-de-rosa é classificado em situação de perigo, o boto tucuxi — que há estimados 2,5 milhões a 5 milhões de anos entrou na Bacia Amazônica via Atlântico — se adaptou na região e não costuma ser alvo de pesca ou caça. Mesmo assim, ele também aparece na lista dos ameaçados, entre as espécies vulneráveis.

“Esses golfinhos saltam, fazem piruetas, saem fora d’ água, não se aproximam das casas, do porto, das pessoas, e os ribeirinhos e pescadores acham que ele é o golfinho bom, ele ajuda o homem, não ataca a rede de pesca, não rouba os peixes, então ele é considerado ‘o bonzinho’. Enquanto o boto vermelho, que faz tudo ao contrário é visto como o ruim, o mal”, explica a pesquisadora.

Foto: Andre Zumak/Instituto Mamirauá

Agora, esses botos enfrentam um novo pesadelo: a seca e as altas temperaturas na Amazônia, que nas últimas semanas ajudaram a provocar a morte de centenas das duas espécies. Os animais foram encontrados mortos no Lago Tefé, no Amazonas.

De acordo com a pesquisadora Vera Maria, as mortes também podem estar associadas à redução dos leitos e ao aumento da temperatura dos rios (foram registrados até 40ºC), à poluição da água por fezes e urina humanas de barcos, à intoxicação por ingestão de algas tóxicas via peixes ou outros contaminantes concentrados. Filhotes e fêmeas são os mais vulneráveis.

“Só os exames que estão sendo feitos poderão determinar a causa das mortes, mas o que desencadeou foi um problema climático e ambiental”, afirma a pesquisadora do Inpa.

Outro grande importante mamífero amazônico é o peixe-boi, uma espécie que desde os primórdios da ocupação humana na região foi utilizada pelo homem na alimentação. Muito caçado na época da revolução industrial, além do interesse pela carne, houve a procura pelo couro, que só de espessura corresponde a cinco vezes a do bovino.

“Com o advento da indústria do sintético e a redução dos animais, eles deixaram de ser caçados comercialmente, e aí passou mais para uma caça de subsistência. E, só no início da década de 1960, o peixe-boi, com a Lei de Proteção à Fauna [Lei 5.197, de 1967], começou a ser protegido e hoje está classificado como espécie ameaçada de extinção na categoria vulnerável. Mas a gente sabe que há capturas acidentais em rede de pesca. Alguns problemas de poluição e outros que afligem a região também afetam esses mamíferos aquáticos”, expõe Vera Maria.

Com a redução de recursos para a pesquisa, a quantidade de animais dessas espécies de grandes mamíferos não pode ser precisada.

“Não temos números precisos para nada, porque a pandemia interrompeu várias pesquisas nesse sentido e os recursos não foram ainda restabelecidos. Estamos sem fazer esse censo. Nesses últimos cinco anos, com a destruição de toda a fiscalização do Ibama, do ICMBio, aqui virou terra de ninguém. Nas praias do Rio Negro víamos muitas covas de tartaruga abertas, ou seja, foram saqueadas. Houve uma total falta de controle, de fiscalização, de cuidado com o ambiente e sua fauna”, afirma a pesquisadora.

A aposta na bioeconomia — que associa os sistemas biológicos e os recursos naturais para a criação e comercialização de produtos e serviços sustentáveis — é um dos melhores caminhos para o aproveitamento e manutenção da floresta em pé.

No Senado, a ministra Marina Silva defendeu a bioeconomia como um novo ciclo de prosperidade, com atividades produtivas sustentáveis.

“Temos trabalhado muito para que o Brasil faça jus às potências que ele é: uma potência ambiental, uma potência agrícola e uma potência hídrica. Graças a essas qualidades, temos imensas vantagens comparativas que devem ser transformadas mais do que em vantagens competitivas. O mundo vai exigir novos conceitos, novos paradigmas”, disse.

Em audiência na CPI das ONGs, a secretária de Mudança do Clima do MMA, Ana Toni, também defendeu o desenvolvimento sustentável, a partir do meio ambiente, da economia e do social.

Ana Toni apresentou casos de sucesso na bioeconomia, como a Amaz, que tem hoje um portfólio de 21 negócios, dos quais 72,5% são liderados por mulheres e 73% são executados por pessoas ribeirinhas. Entre 2021 e 2022, segundo a secretária, o programa acelerou 41 startups locais na região. A empresa transforma frutas, sementes e outros recursos naturais em bioingredientes, como o açaí e os subprodutos. 

Foto: Reprodução/AMPA

Para reforçar que a defesa dos biomas nacionais se cumpra, está em andamento no Senado a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 33/2023 que declara todos os biomas brasileiros — explicitamente nominados — como patrimônio nacional, de forma que sua utilização e a exploração de seus recursos naturais devem ocorrer dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente. Atualmente, a regra constitucional define como patrimônios apenas a Floresta Amazônica, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira.

A proposta, que tem como primeiro signatário o senador Paulo Paim (PT-RS), foi reapresentada este ano, após passar sem análise na Legislatura anterior.

“É fundamental garantir a proteção desses ecossistemas, promover o desenvolvimento sustentável e reconhecer a importância da biodiversidade. Isso contribui para um país mais consciente e responsável em relação ao meio ambiente e ao seu patrimônio natural”, 

afirma Paim.

Para o senador, o aprimoramento de fiscalização e a aplicação das leis existentes, o combate à grilagem de terras e ao desmatamento ilegal, o aumento de áreas protegidas, o incentivo à restauração florestal e a promoção da educação ambiental são medidas emergenciais.

No reforço a essa preocupação, o senador Nelsinho Trad (PSD-MS) apresentou um projeto de resolução para instituir entre os colegiados permanentes da Comissão de Defesa dos Biomas Brasileiros. A intenção do PRS 52/2023 é auferir centralidade do debate legislativo sobre o tema na Casa.

— Os biomas — Amazônia, Caatinga, Cerrado, Mata Atlântica, Pampa e Pantanal — sofrem cada vez mais a pressão antrópica e se encontram, em sua maioria, ameaçados em razão da ausência de marcos normativos que instituam normas gerais para a sua proteção — expõe o senador Nelsinho.

Para o senador, ao se dedicar atenção exclusiva aos biomas nacionais, viabiliza-se o debate legislativo necessário a temas tão relevantes, que, para ele, podem se difundir e não alcançar o aprofundamento necessário em outras comissões com competências em temas ambientais.

“Diante do atual cenário, a instalação da Comissão de Defesa dos Biomas Brasileiros constitui um passo de grande importância para fomentar as discussões sobre o tema e permitir que a Casa mantenha, de forma perene, uma estrutura dedicada ao debate e à análise de todas as questões que envolvem a defesa dos biomas. Trata-se, enfim, de um assunto vital para toda a sociedade brasileira, e que deve ser avaliado de forma a garantir que as políticas públicas relacionadas aos biomas tenham em conta o fomento ao bem-estar econômico e social de sua população, conjugado à exploração sustentável de seus recursos naturais, à proteção de sua biodiversidade e à preservação de seu meio ambiente”, afirmou.

Também presidente do Grupo Parlamentar da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica, que reúne senadores e deputados do Parlamento Amazônico (Parlamaz), Nelsinho Trad destaca que o colegiado multipartidário, formado por oito países amazônicos — Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela — tem atuado pelo fortalecimento da pauta legislativa da região Amazônica.

“Durante os anos em que abraçamos essa causa, conseguimos resultados expressivos, não apenas no que diz respeito ao intercâmbio de experiências entre as delegações para o fortalecimento do trabalho legislativo em seus respectivos países, mas também passamos a ser reconhecidos internacionalmente pela União Interparlamentar e chegamos com muita força à quarta Cúpula de Países Amazônicos, que aconteceu na primeira semana de agosto, em Belém”, disse.

Pelo PL 4.816/2019, o senador Alessandro Vieira (MDB-SE) também defende a proteção desses ecossistemas, ao propor que seja inserida na Lei 12.187, de 2009, que institui a Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC), dispositivo que exija a atualização periódica dos planos de ação para a prevenção e controle do desmatamento nos biomas, assim como o envio ao Congresso Nacional dos relatórios anuais de avaliação de execução.

“Entendemos que essa medida dará maior visibilidade ao tema, pois permitirá às comissões temáticas das Casas Legislativas e a toda a sociedade acompanharem com maior facilidade a implementação da política ambiental do país, aumentando assim a eficácia dessa política”, argumenta Alessandro.

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