A iniciativa importante para proteger a biodiversidade ainda desconhecida da região
Um artigo publicado no periódico Scientific Reports aponta que seriam necessários 300 anos para catalogar as espécies de árvores da Amazônia. Segundo o levantamento, ainda existem quatro mil espécies desconhecidas a espera de identificação. O estudo é realizado pelo Naturalis Biodiversity Centerm, da Holanda, e já identificou 11.187 espécies nos nove países abrangidos pelo bioma entre 1707 e 2015. O número é resultado do esforço de pesquisadores de museus que contêm coleções em todo o mundo. As espécies pertencem a 140 famílias e 1.225 gêneros.
A bióloga do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), Flávia Costa, considera a iniciativa importante para proteger a biodiversidade ainda desconhecida da região. “A informação tem o potencial de dirigir os tomadores de decisão para que destinem esforços para o conhecimento deste um terço de flora amazônica desconhecida”, avalia. Flávia fala com a autoridade de quem participou de um estudo publicado na revista Science Advances e mostrou que mais da metade de todas as espécies arbóreas da Amazônia podem estar globalmente ameaçadas.
O estudo contou com a colaboração de pesquisadores e estudantes do Inpa e outros de 21 países liderada por Hans ter Steege, do Naturalis Biodiversity Centerm, e Nigel Pitman, do Field Museum, em Chicago, nos EUA. Ele apontou que parques, reservas e terras indígenas, se bem gerenciados, podem proteger a maioria das espécies ameaçadas. “Para entender as mudanças climáticas, é preciso estudar as árvores”, diz a pesquisadora do Inpa.
O gerente científico do Programa de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia (LBA), Niro Higuchi, vê com ceticismo e acha o número de espécies desconhecidas um exagero. “Eu e minha equipe já coletamos mais de 100 mil amostras, produtos de mais de 25 expedições, e não encontramos nada de novo”, diz ele, que foi um dos laureados com no Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) com o Prêmio Nobel da Paz 2007. “No entanto, já aconteceu de irmos a Floresta Estadual de Maués, com biólogos na equipe, e eles identificarem, de uma só vez, duas espécies de cobras. Acho muito difícil termos novas espécies de árvores, mas animais, acho possível”, avalia.
Flávia não considera o número exagerado e explica que a estimativa é um resultado que aparece em outros métodos empregados no cálculo. “Este número já foi avaliado e comprovado”, assevera. Para reforçar a sua avaliação, Flávia aposta que há várias espécies novas que podem estar nas coleções de institutos de pesquisa a espera de identificação. “Temos muito mais coletas do que especialistas em Botânica”, rebate.
A tese da pesquisadora encontra apoio na opinião do botânico e curador do herbário do Inpa, Mike Hopkins. Ele conta que em estudos taxonômicos detalhados de plantas na Amazônia é comum descobrir que uma espécie na verdade são várias novas espécies. “Com técnicas novas, estamos vendo que existem várias espécies parecidas, mas sem material suficiente para estudar, não foi possível separar”, diz. “Muitas vezes a identificação é feita por pessoas sem conhecimento e prática adequada. Em estudos com plantas vivas, sem aval de especialistas e, muitas vezes, baseados em identificações de plantas sem flores ou frutos, os erros de identificação são abundantes”.
Número baixo
Hopkins também acha o número da estimativa do Naturalis Biodiversity Centerm baixo. “Conhecendo a baixa quantia de coletas feitas na Amazônia, e sabendo que muitas espécies são raras, e muitas espécies tem áreas de ocorrência muito limitadas, acredito que deveria ter pelo menos duas vezes este número de espécies de árvore na Amazônia”, diz.
Ele explica que problema principal que tem com este tipo de trabalho realizado pelo centro holandês é que a modelagem é baseada em material que pode ter sido identificada de maneira incorreta. “Sei que em herbários, uma proporção grande consta uma identificação errada, muitas vezes por falta de estudos taxonômicos adequadas, que é uma consequência de falta de material de botânica adequado, ainda complicada por falta de recursos humanos na área de taxonomia na Amazônia”, explica.
O botânico aponta como solução para se chegar a um número mais próximo da realidade mais investimentos em pesquisas e nova coletas feitas por pessoas residentes na Amazônia em lugares difíceis de acesso. “Infelizmente, quase não temos investimento na área. Existem publicações como esta, com espécies conhecidas, mas não há esforço para achar as espécies desconhecidas. Infelizmente, Amazônia continua ser muito mal conhecida botanicamente, e infelizmente publicações como este subestimam o esforço necessário para catalogar a verídica flora da região”, finaliza.