FAS e UEA coordenam o processo de criação e execução do curso, realizado na comunidade do Bauana, no município de Carauari (AM)
No coração da floresta amazônica, 50 ribeirinhos de diversas comunidades da região do Médio Rio Juruá, no Amazonas, são os primeiros alunos do curso de Licenciatura em Pedagogia do Campo, projeto que leva conhecimento e educação a ribeirinhos para que não se deslocar a capital para realizar um curso de ensino superior.
O projeto Pedagogia do Campo é uma reivindicação que surgiu em 2010, concretizada a partir de um movimento de articulação entre universidade e organizações da sociedade civil. A Fundação Amazonas Sustentável (FAS) e a Universidade do Estado do Amazonas (UEA) coordenam o processo de criação e execução do curso, que é realizado na comunidade do Bauana, na Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) do Uacari, distante três horas de barco do município de Carauari.
A FAS tem uma base no Bauana, um Núcleo de Conservação e Sustentabilidade (NCS) que possui infraestrutura com salas de aula, auditório, laboratório de informática conectados à internet, cozinha, refeitório, alojamentos feminino e masculino, posto de saúde, entre outras estruturas que são utilizadas para as aulas.
O vestibular foi realizado em maio do ano passado e aproximadamente 200 pessoas se inscreveram para as 50 vagas. O curso possui estrutura modular, em que os alunos ficam morando no NCS durante o período de duração do módulo (em média 3 meses), que acontecem duas vezes ao ano. Ao todo, serão quatro anos de estudos.
“São pessoas que têm uma história naquela região e que são felizes em poder trabalhar a realidade das suas comunidades nas aulas, produzindo conhecimento, numa troca com seus professores. A FAS tem o compromisso de levar uma educação relevante, contextualizada com a realidade do interior do estado, que faça sentido e que possa inspirar políticas públicas”, afirma Anderson Mattos, gerente do Programa de Educação, Saúde e Cidadania da FAS, um dos responsáveis pelo projeto.
A Universidade do Estado do Amazonas (UEA) coordena toda a parte pedagógica e a Prefeitura Municipal de Carauari realiza o suporte local de transporte e alimentação. Apoiam ainda o primeiro curso de ensino superior na floresta os Movimentos participantes do Fórum do Território como Associação dos Produtores Rurais de Carauari (Asproc); Associação dos Moradores Agroextrativistas da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Uacari (Amaru); Instituto Juruá, Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio); Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema), entre outros.
A partir de um convênio com a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) pelo Programa Universidade Aberta do Brasil, o curso tem 20% da carga horária mediado por tecnologia. O acesso à sala de aula virtual é realizado por meio do Laboratório de Informática, sem a necessidade de conexão ininterrupta com a Internet, conforme explica a pró-reitora de Ensino de Graduação da UEA, Kelly Christiane.
“Os alunos, quando estão cursando os módulos, realizam atividades mediadas por tecnologia no contraturno. A Capes traz toda sua experiência de Educação à Distância a partir da Universidade Aberta do Brasil, realizando o monitoramento de como nós podemos trabalhar essa modalidade em uma comunidade onde o acesso à Internet é precário. Nosso laboratório de Informática funciona totalmente off-line”, disse Kelly. Em conjunto com a UEA e a FAS, a Capes é responsável por financiar a realização do curso.
Estudantes
A maioria dos alunos tem entre 18 a 32 anos. Eles trabalham com extrativismo, agricultura, pesca e outras atividades locais. São oriundos de diversas comunidades, algumas a mais de cinco horas de distância, via fluvial, do Bauana, e ficam alojados aproximadamente três meses estudando na base.
Para muitos, a realização do curso é um sonho inimaginável virando realidade.
“Nós, como alunos, demoramos a nos encontrar dentro do universo acadêmico, acredito que por ser algo tão diferente. A gente nunca sonhou em fazer uma faculdade dentro da comunidade. Claro que, ficamos um pouco longe de casa, mas não é a mesma coisa que precisar ir para a cidade, ter residência fixa por conta própria. Então, com certeza, foi uma oportunidade única na nossa vida”, comenta a estudante Érica de Oliveira.
Antônia Esla Rodrigues, 20 anos, é da comunidade Bom Jesus e atualmente mora na área urbana do município com os pais e três irmãos. Concluiu o ensino médio em 2018 e trabalhava como babá antes de iniciar o curso. “Quando surgiu o curso meus pais me incentivaram bastante, porque foi uma oportunidade única que veio pra cá”, conta.
A graduação já fazia parte dos planos de Antônia, mas ainda era uma meta distante de sua realidade. “Quando terminasse o ensino médio eu ia parar um pouco, ver o que queria fazer. Aqui não tem muitas oportunidades, eu teria que ir para Manaus para fazer faculdade e meus pais não deixariam eu ir sozinha”, explica.
Enquanto aguarda as aulas retornarem, a estudante já pensa no futuro. “Após concluir o curso, quero lecionar mesmo. Depois de um tempo, buscarei outras coisas, estudar mais. Fazer uma pós-graduação, um mestrado. A área ainda não sei, vou esperar terminar e até lá acho que já terei encontrado”, afirma.