Laser mapeia clareiras na Amazônia e auxilia estudos sobre mortalidade das árvores

Pesquisadores apontam que estresse hídrico, fertilidade do solo e degradação da vegetação causam clareiras na maior floresta tropical do mundo

Usando um modelo inovador, um grupo de pesquisadores, liderados por brasileiros, conseguiu mapear clareiras na Amazônia e apontar fatores que contribuem para a mortalidade das árvores na maior e mais biodiversa floresta tropical do mundo. O estresse hídrico, a fertilidade do solo e a degradação da vegetação influenciam na dinâmica dessas clareiras, segundo estudo publicado na Scientific Reports.

Em relação às áreas mais férteis, o trabalho detectou que elas concentram esses gaps de vegetação. Uma das explicações seria o fato de o abundante material orgânico contribuir para o rápido crescimento das árvores, com uma mortalidade em menor tempo.

Os dados, coletados por meio da técnica LiDAR (sigla em inglês para Light Detection and Ranging), permitiram analisar lugares longínquos na Amazônia brasileira, onde os trabalhos de campo são muito difíceis e as imagens de satélite podem ser imprecisas, principalmente por causa da grande quantidade de nuvens.

A técnica consiste em lançar de um avião milhares de feixes de laser, que acertam a superfície da terra (seja floresta ou solo) e retornam para o equipamento na velocidade da luz. É possível determinar a altura dos objetos por meio da diferença de tempo entre o disparo e o recebimento do feixe.

Imagem: Ricardo Dal’Agnol/Inpe

O método chega a fornecer dados com precisão de cerca de um metro, permitindo mapear as clareiras com muito detalhamento. Por isso, o LiDAR é utilizado, por exemplo, em levantamentos topográficos e para caracterizar a estrutura da vegetação, sendo capaz de modelar tridimensionalmente a superfície do terreno.

“As regiões oeste e sudeste da Amazônia apresentaram maior quantidade de clareiras, que coincidem com a área próxima ao arco do desmatamento, sob influência humana. Nessas regiões, a dinâmica da floresta é até 35% mais rápida do que na área central-leste e norte, ou seja, há maior criação de clareiras e mortalidade”, analisa Ricardo Dal’Agnol. Pesquisador na Divisão de Observação da Terra e Geoinformática do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Dal’Agnol é o primeiro autor do artigo.

Na pesquisa, os cientistas usaram um banco de dados com mais de 600 sobrevoos feitos sobre a floresta como parte do projeto Estimativa de Biomassa na Amazônia (EBA), do Inpe, liderado pelo cientista Jean Ometto, também um dos integrantes do grupo que assina o artigo.

O objetivo do EBA foi quantificar a biomassa e o carbono na Amazônia, buscando entender a dinâmica da vegetação da região. Os mapas desenvolvidos no projeto do Inpe podem servir de ferramenta para a elaboração de políticas públicas, inventários de emissões e estimativas de balanço de carbono.

Sequestro de carbono

Florestas, especialmente as tropicais, são consideradas um dos maiores reservatórios de biomassa terrestre. Isso porque as árvores precisam de uma grande quantidade de CO2 para se desenvolver na fase de crescimento.

Portanto, mudanças no funcionamento das florestas e na mortalidade da vegetação podem alterar significativamente os níveis de gases de efeito estufa na atmosfera. Têm ainda impacto direto no mercado de compra e venda de créditos de excedentes de emissões de CO2, o chamado “mercado de carbono”, que está em implantação em vários países após sua regulação ter sido incluída no Acordo de Paris, um marco na política ambiental mundial.

Em 2019, as emissões de gases-estufa no Brasil subiram 9,6% em relação ao ano anterior, puxadas pelo desmatamento na Amazônia. Naquele ano, o país lançou 2,17 bilhões de toneladas brutas de dióxido de carbono equivalente (tCO2e) na atmosfera contra 1,98 bilhão em 2018, revertendo tendência de redução registrada em anos anteriores. Os dados são do relatório do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG).

“As incertezas associadas às causas e mecanismos de mortalidade de árvores, especialmente em escalas menores, restringem a capacidade de medir com precisão o ciclo de carbono da floresta tropical e avaliar os efeitos das mudanças climáticas. A mortalidade de árvores na Amazônia aparentemente aumentou desde a última década, provavelmente devido à maior variabilidade climática e feedbacks de crescimento e morte mais rápidos. Isso reduziu efetivamente os ciclos de vida da vegetação”, escrevem os pesquisadores na introdução do artigo publicado na Scientific Reports.

Outros estudos feitos nos últimos anos já apontam a influência das mudanças climáticas, principalmente de temperaturas altas e climas mais secos, na mortalidade de árvores em florestas tropicais. Um dos trabalhos mais recentes, também liderado por pesquisadores brasileiros, foi publicado na revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), da Academia Norte-Americana de Ciências, em dezembro.

Futuro

Dal’Agnol disse que um dos desafios agora será mapear as árvores que morrem em pé para obter mais dados sobre a dinâmica da floresta. “Algumas árvores morrem e não caem, ficando apenas com os troncos, como um esqueleto. Uma sequência seria tentar mapear essas árvores mortas em pé para complementar as informações sobre mortalidade”, explica o pesquisador.

No estudo, os cientistas apontaram que os padrões espaciais mapeados nas clareiras usando dados gerados pelo LiDAR foram “notavelmente consistentes com as taxas de mortalidade das árvores baseadas em campo”, contudo apresentaram taxas gerais 60% mais baixas, “provavelmente devido à detecção predominante de árvores quebradas, arrancadas e que abrem clareiras”.

Agora, Dal’Agnol está trabalhando em seu pós-doutorado usando a técnica LiDAR para quantificar a mortalidade das árvores e estimar a perda de biomassa em florestas tropicais. O projeto tem a coordenação do pesquisador Luiz Eduardo Oliveira e Cruz de Aragão, coautor do artigo.

*Texto escrito por Luciana Constantino, da agência Fapesp

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