Sons do Pantanal inspiram composição inédita da Orquestra CirandaMundo

Com os primeiros raios do sol, o Pantanal mato-grossense acorda numa profusão de sons, cores e formas esplendidas, capazes de confundir o mais incrédulo dos agnósticos. Inspiradora, a natureza selvagem é o que move o projeto Pantanal Aventura Sonora, realizado desde 2017 pelo Instituto Ciranda – Música e Cidadania. 

O filósofo alemão Friedrich Nietzsche disse certa vez que “sem a música a vida seria um erro”. Os jovens instrumentistas do Instituto Ciranda levaram essa premissa tão a sério que transformaram os sons do Pantanal em inspiração para compor. 

O projeto Pantanal Aventura Sonora proporciona uma imersão criativa repleta de aprendizado. Para o maestro Murilo Alves, que lidera a expedição, “toda a perspectiva pode ser musical. Tudo ao redor pode ser transformado em música, o canto dos pássaros, o rugido da onça ou até mesmo o vento forte nas folhas das árvores”.

Foto: Divulgação

Ele explica. “A atividade em si consiste, no primeiro momento, da escuta ampliada da paisagem sonora. Com o acompanhamento de biólogos, os estudantes vão gravando, anotando e identificando espécies, hábitos e características das aves do Pantanal. Depois esses jovens são estimulados, a partir dessa pesquisa, a criar elementos musicais baseados nos sons da natureza. A ideia é descrever a paisagem sonora com seus instrumentos. Isso feito, é hora de juntar todos os sons numa peça inédita, inspirada pelos infinitos sons do Pantanal”.

Para esta edição do projeto Pantanal Aventura Sonora, vinte jovens estudantes de música viajaram quase 300km da capital até uma fazenda a beira do rio Cuiabá. Num dos trechos do percurso, de Poconé até o abrigo onde passaram quatro dias, a viagem seguiu em um carro adaptado para excursões, que ia parando em pontos estratégicos. Poeira, atoleiros e um contato muito próximo com a natureza, tudo é observado com o intuito musical.   

“A pesquisa começa desde a viagem. A ideia do projeto é proporcionas às crianças do Instituto Ciranda uma experiência sonora e ecológica, ao mesmo tempo. Uma imersão nessa paisagem para construir ideias musicais, ampliar possibilidades de escuta, conhecer os animais a partir de uma perspectiva sonora e tentar traduzir isso em imagens musicais”, detalha.  

Dessa forma, música e ecologia são duas paixões que podem ser complementares. “O que move essa conexão entre música e natureza é o amor. É emocionante observar como os jovens que vêm de um universo musical – que é a cidade – conseguem estabelecer conexão imediata com a natureza por meio dos sons. Os ritmos e sonoridades complexos das aves são uma boa forma de exercitar as aptidões musicais de escrita, composição, improviso, dentre outros… e isso o tempo todo, da hora que acordam a hora que vão dormir, invadidos pelas sonoridades do Pantanal”, observa Murilo.  


Os pássaros e o trompete

Entre os jovens que participaram da incursão está o trompetista Otoniel Jesus, um garoto de 16 anos apaixonado pela música e por pássaros. Estudante do Instituto Ciranda desde os 09 anos, Otoniel teve uma experiência particular na viagem ao Pantanal.

“O meu primeiro contato com o Pantanal foi sonoro. Eu fecho os olhos e consigo enxergar animais e paisagens. Os sons do Pantanal são inspiradores e a música flui naturalmente. A pesquisa nos permite reconhecer os animais pelo som, principalmente. Com isso, podemos até estabelecer uma comunicação com eles. Eu toco daqui e um pássaro responde de lá (risos). Assim a sinfonia começa a se formar, naturalmente”, revela.  

Otoniel conta que, além das pesquisas direcionadas para os sons dos animais e suas características, a experiência corrobora para o aprimoramento da escrita, da composição e do improviso.

“No Pantanal, a fonte de inspiração é inesgotável. Não são só os sons que reproduzimos da natureza que importam. Todos os sons importam, até o motor de um barco descendo o rio Cuiabá. É comum poder tocar trompete embaixo de uma árvore e compor com o canto da arara azul, da curicaca, do tucano. O funcionamento é o mesmo de uma orquestra, cada um fazendo o seu papel”, descontrai.

Em julho, dia 04, às 20h, Otoniel e os outros músicos e musicistas, sob a batuta do maestro Murilo Alves, sobem ao palco do Teatro do Cerrado Zulmira Canavarros com a Orquestra CirandaMundo para exibição dessa peça inédita ao grande público. Uma composição coletiva baseada nos sons do Pantanal, com cada um dos músicos tocando seus motivos sonoros, pesquisas e descobertas.

Foto: Divulgação


Música e ecologia

No projeto, todo o processo de incursão é permeado por aulas e oficinas  direcionadas a preservação, ecologia, bioma e até aulas de física, no caso, ondas sonoras. Durante os quatro dias de imersão no Pantanal mato-grossense, os estudantes tiveram acompanhamento de biólogos e pesquisadores que, felizmente, também são músicos.  

Um desses profissionais é Ethan Shirley, norte americano que há mais de 20 anos pesquisa, de maneira direta ou indireta, a fauna e flora do Pantanal. É com ele que as crianças aprenderam a identificar espécies, cantos e características dos animais. Especialista em meio ambiente, evolução e ecologia, Ethan conta como conseguiu unir música e ecologia num projeto que envolve os músicos do Instituto Ciranda.  

“Venho ao pantanal desde os 13 anos de idade. O Pantanal para mim faz parte da minha juventude e criação. A natureza sempre foi minha paixão. Mas a música também é uma paixão. Eu estava buscando uma forma de unir essas duas predileções. Aí que entra o projeto, usando os sons da natureza como uma inspiração para compor música de orquestra. Um projeto em que os músicos pudessem vir para ter inspiração na natureza e compor, identificando e reproduzindo os sons da floresta”, explica Ethan.

Outro importante pesquisador é o doutor em exatas, Alex Carney, que também acompanhou e orientou os jovens na expedição. Junto como Ethan, há alguns anos, os dois pesquisadores vêm desenvolvendo um trabalho que consiste em registrar os sons do Pantanal com intuito de mensurar e analisar a biodiversidade da região, projeto intitulado Paisagens Sonoras.

“Estamos sempre procurando uma maneira de medir o progresso da conservação na região. Resolvemos gravar os sons da natureza e usar a combinação de sons que existem numa região para medir a biodiversidade. Por meio dessas ‘Paisagens Sonoras’ (as gravações constantes) pretendemos medir as diferenças na biodiversidade, daqui para o futuro”, explica Alex.

Em suma, por meio do som, a dupla de pesquisadores analisa o status da conservação de cada região pesquisada. “Esse projeto de música e natureza é uma consequência das pesquisas. O Pantanal é um lugar que precisa ser conservado, estamos sempre buscando maneiras de fazer isso”, conclui Ethan.

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