No Amazonas, registros de crimes contra mulher aumentam 20% nos últimos sete meses

Para combater o crescimento dos números da violência contra as mulheres, o Amazonas oferece atendimento especializado às vítimas. Por meio de uma rede de proteção, elas são acolhidas e recebem atendimento social e psicológico, orientação jurídica, participam de cursos de qualificação profissional, grupos de apoio, rodas de conversa e palestras temáticas.

De janeiro a julho de 2019, foram registrados 68.331 crimes tendo mulheres como vítimas, segundo dados Secretaria Executiva Adjunta de Inteligência (Seai), vinculada à Secretaria de Segurança Pública (SSP-AM). O número é 20% maior do que o registrado no mesmo período do ano passado, quando foram contabilizados 11.443 crimes de violência contra a mulher. Nos primeiros sete meses deste ano, os casos de violência doméstica chegaram a 15.199.

Foto:Divulgação

Nos últimos meses, a causa feminina ganhou atenção especial por meio de ações como a inauguração, no início desse mês, da terceira Delegacia Especializada em Crimes Contra a Mulher (DECCM) de Manaus, localizada no bairro Colônia Oliveira Machado, zona sul. A unidade fortalece a rede de proteção à mulher, que conta com outras duas delegacias especializadas, sendo uma na avenida Mário Ypiranga Monteiro, bairro Parque 10, zona centro-sul; e outra no 13º DIP, na rua Santa Ana, bairro Cidade de Deus, zona norte.

A nova Delegacia da Mulher atende vítimas de crimes ocorridos nas zonas sul e oeste, com funcionamento das 8h às 17h. Depois desse horário e nos finais de semana e feriados, o atendimento ocorre na sede da Delegacia da Mulher, no bairro Parque Dez de Novembro, zona centro-sul, que atua com plantão de 24 horas.

Boletins de ocorrência

A delegada titular da Delegacia Especializada em Crimes Contra a Mulher do Parque 10 (zona centro-sul), Débora Mafra, destaca os crimes que são os maiores produtores de boletins de ocorrência.

“O crime campeão é o de ameaça, que é um crime fácil. É a violência psicológica, que qualquer um consegue fazer por palavras. O segundo é a injúria, que são os xingamentos, as humilhações que aquela mulher sofre, por violência moral. Em terceiro lugar vem as vias de fato, que são os empurrões, puxões de cabelo, tapas que não deixam marcas. Em quarto lugar, lesão corporal. A maioria dos agressores são ex e atuais companheiros das vítimas”, pontua a delegada.

Os números, apesar de elevados, mostram que as campanhas que incentivam as mulheres a quebrarem o silêncio e denunciarem os agressores apresentam maior receptividade e efeito positivo. “Nós estamos aqui 24 horas por dia, com delegados plantonistas, escrivães, investigadores, viaturas, tudo isso para proporcionar para a mulher uma segurança e garantia que o que ela sofreu vai terminar”, frisa Débora Mafra.

Primeiro atendimento

O Serviço de Apoio Emergencial à Mulher (Sapem), prédio anexo à Delegacia da Mulher, na zona centro-sul de Manaus, é a porta de entrada dos atendimentos psicossociais oferecidos por meio da Secretaria de Estado de Justiça, Direitos Humanos e Cidadania (Sejusc). O Sapem também realiza a condução da vítima para exames no Instituto Médico Legal, além da busca de pertences e acolhimento provisório.

“Nosso público-alvo são mulheres e os filhos vítimas de violência doméstica. A nossa grande demanda vem através da delegacia especializada. Como é a porta de entrada dos serviços, ela vai passar por um atendimento diferenciado, com uma equipe multidisciplinar, assistentes sociais, psicólogo e orientação jurídica. A partir da situação que essa mulher apresentar a gente vai encaminhar para o centro de referência com os filhos, para ela ser acompanhada”, informou Rafisa Santana, assistente social do Sapem.

Em 2019 foram realizados aproximadamente 3.055 atendimentos, de janeiro a setembro. O local conta com alojamento provisório para as vítimas, ludoteca para crianças e um espaço chamado camarim da autoestima. “Quando a mulher chega aqui, ela chega completamente fragilizada, achando que não tem mais saída, que está no fundo do poço. A gente trabalha justamente essa autoestima das mulheres”, disse a assistente social.

Em casos de extrema urgência, onde ocorrem ameaças, a mulher é encaminhada para a Casa Abrigo, que é um local sigiloso, utilizado em casos em que há risco de morte.

Foto:Divulgação

Qualificação

O Centro Estadual de Referência e Apoio à Mulher (Cream), localizado na zona sul da capital, também vinculado à Sejusc, oferece atendimento social e psicológico, com encaminhamento para benefícios sociais. As mulheres em situação de vulnerabilidade atendidas no local participam de cursos de qualificação profissional, por meio de uma parceria entre Sejusc e Centro de Educação Tecnológica do Amazonas (Cetam).

“Essas mulheres saem daqui qualificadas para auferirem renda, para trabalharem, com baixo investimento, elas não precisam investir tanto na abertura de um negócio. A ideia é trabalhar a prevenção à violência, a independência financeira, a autonomia dessa mulher, a autossuficiência, para que ela melhore sua autoestima e não seja uma vítima no futuro. Hoje o Estado está trabalhando não só o acolhimento dessa mulher vítima de violência, mas, principalmente, dando a ela mecanismos para que ela rompa o ciclo da violência e se torne uma mulher independente e dona da sua própria vida”, ressaltou a secretária da Sejusc, Caroline Braz.

De janeiro a agosto de 2019 foram realizados 2.788 atendimentos. Além dos cursos, as mulheres têm a oportunidade de participar do programa Crédito Solidário, voltado ao empreendedorismo, executado pela parceria entre Agência de Fomento do Amazonas (Afeam) e Fundo de Promoção Social e Erradicação da Pobreza (FPS). Ainda na estrutura do Cream, são oferecidos serviços jurídicos que funcionam no mesmo prédio, como as defensorias cível e criminal.

Mudança de vida

Aos 49 anos, vítima de violência doméstica, a dona de casa Maria Hozana conta que se sentiu acolhida pela equipe do Cream. “As meninas do Cream sempre trataram a gente muito bem, com muito amor, muito carinho. Eu busquei o Cream depois de um problema familiar. Eu soube desse amparo para as mulheres e gostei muito. No momento que elas me perguntaram se eu gostaria de fazer algum curso aqui oferecido pelo governo, na hora eu aceitei”, enfatizou.

Ela, que é aluna do curso de Operador de Caixa e frequenta o Centro há um ano, afirma que se sente renovada e com traumas superados. “Medo, agora eu não tenho mais medo de nada. Agora eu digo ‘eu posso, que quero, eu sou capaz’. Eu vou ser o que eu quiser ser. É isso que eu vou ser. Tudo que eu desejar ser, eu posso. Não importa a idade, o que importa é olhar para frente e seguir, não olhar para trás. O que importa é daqui para frente”, conta, emocionada.

Capacitação de PMs

Em setembro a Polícia Militar (PM), por meio do Projeto Ronda Maria da Penha, iniciou um ciclo de palestras sobre a violência doméstica e suas consequências, com o objetivo de capacitar policiais para o atendimento de ocorrências que envolvam vítimas da violência doméstica. As palestras incluem os Comandos de Policiamento de todas as áreas da cidade.

“É mais uma ação com o intuito de levar um maior conhecimento sobre a violência da mulher. Nós temos esse grupamento da Maria da Penha que é voltado para o atendimento, e o melhor atendimento de ações, até a chegada da mulher vítima de violência doméstica na delegacia”, informou o tenente-coronel Saunier, titular do Comando de Policiamento Metropolitano (CPM).

Serão capacitados 150 oficiais, entre capitães e tenentes, que atuarão como multiplicadores de informações para 600 praças, entre sargentos, cabos e soldados.

“Nós esmiuçamos a Lei Maria da Penha, falamos sobre as medidas protetivas de urgência, de que forma deve ser feita a busca de pertences, com relação também às crianças. Tiramos todas as dúvidas dos policiais de como devemos agir, no calor da ocorrência. Porque nós não estamos falando de um criminoso comum. O agressor é alguém que tem uma relação de afeto com a vítima. Então essa ocorrência tem que ser atendida de maneira diferenciada”, destacou a tenente Adriane Oliveira, comandante da Ronda Maria da Penha.

A Ronda Maria da Penha completa cinco anos de atuação no Amazonas, dia 30 de setembro já atendeu mais de mil mulheres neste período. A Lei Maria da Penha traz no seu contexto cinco tipos de violência: física, psicológica, patrimonial, moral e sexual.

Prioridade

Outra ação que reforça o combate à violência contra a mulher é a Lei n° 4.906, de 26 agosto de 2019, sancionada pelo governador Wilson Lima. A partir desta data, as mulheres vítimas de violência doméstica e familiar passaram a ter prioridade para atendimento no Instituto Médico Legal (IML), visando a realização de exames periciais para constatação de agressões e outras formas de violência física.

Em caso de agressão ou qualquer outra forma de violência física praticada contra a mulher e que venha a ser periciado por agentes do IML, o laudo técnico que comprova o corrido será emitido em um prazo máximo de 24 horas, estando à disposição tanto da autoridade que investiga o caso quanto das partes envolvidas na agressão, segundo o Art.2º da lei sancionada pelo governador.

Atendimento no interior

No início de agosto foi inaugurada a primeira unidade do Serviço de Apoio a Mulheres, Idosos e Crianças (Samic), no município de Itacoatiara. “Esse é um projeto do Governo do Estado de interiorizar a rede de proteção. Aqui nós temos as delegacias especializadas separadas, mulher, idoso e criança. No interior, a delegacia especializada funciona para atender esses três públicos vulneráveis. Então para os interiores nós estamos levando o Samic. O primeiro já está funcionando em Itacoatiara e está sendo um sucesso. Em dois meses nós atendemos 87 mulheres com um atendimento psicossocial e com a integração de toda a rede”, enfatizou a secretária Caroline Braz, da Sejusc.

Outras seis unidades estão sendo planejadas para o interior do Estado.

Denúncias

As vítimas de violência doméstica podem procurar qualquer um dos Distritos Integrados de Polícia (DIPs) na capital e interior. Em Manaus, existem três unidades especializadas no atendimento de violência doméstica.

Em situações de emergência, a mulher, um familiar ou qualquer vizinho pode ligar para o 190, 180 e 181. Mulheres com medidas protetivas contam com o aplicativo “Alerta Mulher”, que faz o monitoramento por GPS e garante atendimento imediato à ocorrência. Também é possível falar com a Ronda Maria da Penha pelo número (92) 98842-2258.

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