Seca no Rio Madeira em 2024 é a maior já registrada. Foto: Reprodução/TV Globo
À 1h30 da madrugada do dia 23 de setembro, o rio Madeira chegou a um nível nunca observado na história em Porto Velho: 25 centímetros. É uma marca que reflete na realidade das comunidades ribeirinhas, que sofrem com a falta de água e de peixes.
“De onde a gente tira o alimento para sobreviver é disso, da pesca. E não está tendo isso. Você desce aqui de canoa no rio desse aqui, você sobe e desce e não pega nada. Não tem”, relata o pescador André Pinto.
O pescador viu o rio desaparecer rapidamente, assim como os peixes. Locais onde antes os ribeirinhos passavam de barco para pescar, foram substituídos por bancos de areia. O horizonte onde antes era possível ver o nascer e o pôr do sol foi encoberto por fumaça de queimadas.
“Não vê o céu mais. Só essa fumaceira aqui. Até a respiração, pra gente, fica ruim. Dentro de casa, porque quando você vai abrir a janela, a fumaça entra pra dentro da casa. E você tá dentro de casa de noite, tá respirando aquela fumaça”, relata.
Na comunidade Brasileira, os moradores sofrem com a falta de água. Sem água nos poços e isolados das outras comunidades por causa da seca, eles dependem de carregamentos feitos pela Defesa Civil de Porto Velho. No entanto, segundo moradores, a quantidade não é suficiente para atender as necessidades de toda família.
“A Defesa Civil trouxe dia 9 de setembro e não veio mais. Passaram, se eu não me engano, dia 12 enchendo algumas caixas de água onde o caminhão conseguiu entrar, mas também já acabou essa água”, relata a moradora Elisa Regina.
“Se não comprar água, a gente fica sem beber água. Hoje mesmo se eu não tiver R$11 pra comprar um galão de água, hoje eu fico sem beber água”, relata a moradora.
Segundo Elisa, um galão de água de 20 litros em sua casa dura, em média, um dia e meio. Isso porque na residência moram cinco pessoas e a água acaba sendo utilizada para outras atividades domésticas.
“A gente bebe muita água, devido a estar muito quente, é um consumo de água muito rápido”, relata.
Segundo a Prefeitura de Porto Velho, mais de 15 mil fardos de água potável serão distribuídos para 433 famílias por três meses.
A Prefeitura aponta que o cronograma de distribuição está sendo realizado em três etapas para que todas as famílias possam receber as doações e que a água é suficiente para 30 dias.
Quem também sofre com a seca extrema são os animais. Com o rio seco, lagoas se formam, isolando os peixes, por exemplo, que acabam morrendo por falta de alimento e de oxigênio.
“Morre o bichinho. O jacaré, se não tiver peixe, morre. Às vezes a gente acha ele morto aí na praia”, relata André.
Na comunidade ribeirinha Maravilha o Igarapé secou, causando a morte de dezenas de peixes e dificultando o acesso à água para os moradores da região.
O mesmo local que Conceição e a família usavam para atividades diárias e momentos de diversão, como banhos, se tornou em um cenário devastador: um cemitério de peixes.
Consequências no corredor logístico
Através da água do Madeira se forma um corredor logístico. De acordo com o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), a hidrovia do rio é uma das mais importantes vias de transporte da região Norte: são mais de 1 mil km² de extensão navegável.
Por conta da seca, o principal porto de cargas de Porto Velho já registra redução de 60% no transporte de granéis sólidos, como milho, soja e fertilizantes.
Atualmente, a falta de produtos e insumos essenciais ainda não é sentida, mas existe a possibilidade de que os preços para os consumidores aumentem.
“A logística fica mais cara, o envio de carga demora mais, requer mais cuidado e resulta em maior consumo de combustível e insumos. É difícil prever o impacto nos custos e na economia de Rondônia e Amazonas, mas há possibilidade de que o consumidor final sinta essa alteração”, relata Fernando César, presidente da Sociedade de Portos e Hidrovias do Estado de Rondônia (Soph).
Leia também: Seca histórica do Rio Madeira afeta transporte de cargas em Porto Velho
Rondônia em chamas
A seca extrema acontece no mesmo período de recordes de queimadas. Nas primeiras duas semanas de setembro, a quantidade de focos de incêndio em Rondônia foi 3 vezes maior do que o total de registros feitos nos seis primeiros meses de 2024.
O estado contabiliza 8.462 focos de incêndio entre janeiro e 19 de setembro: a maior quantidade em cinco anos, de acordo com o “Programa Queimadas”, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Entre janeiro e 11 de setembro de 2024, mais de R$ 262 milhões em multas foram aplicadas pelo Batalhão da Polícia Ambiental em Rondônia. Além disso, foram realizadas 970 prisões, sendo 42 por queimadas ilegais.
*Com informações da Rede Amazônica RO