Renca, petróleo e COP 23: em 2017 o Brasil mostrou que se importa com a Amazônia

Entre as diversas crises políticas e econômicas que abalaram o Brasil ao longo de 2017, um movimento inesperado do governo mostrou que os brasileiros estão cada vez mais conscientes e preocupados com a Amazônia.

Em setembro, quando o presidente Michel Temer anunciou a extinção da Reserva Nacional de Cobre e Associados (Renca), uma enorme área na floresta amazônica que fica entre o Pará e o Amapá, celebridades, ativistas e a sociedade em geral fizeram pressão para que a medida não entrasse em vigor.

Personalidades e ativistas, como a modelo Gisele Bündchen, utilizaram as redes sociais para se posicionar contra a extinção da Renca. Foto:Reprodução/Instagram

O governo até tentou editar a medida, para deixar mais claro que não haveria a exploração de minérios na região, mas a pressão da sociedade foi tamanha que Temer recuou. Mas, o que fez o presidente mudar de ideia?

“Foram dois motivos principais. Um que mostra como a questão ambiental vem sendo ignorada pelos governos e é usada como moeda de troca. Ele buscou atender interesses de mineradoras e de alguns políticos e não pensou no meio-ambiente. Mas, a grata surpresa, foi que a medida foi rejeitada por um grupo muito mais amplo do que ativistas ou entidades ambientais. E causou a desistência. E isso causou pressão em outros projetos também”, diz o coordenador de Políticas Públicas da ONG Greenpeace, Márcio Astrini.

Já o diretor-executivo da ONG WWF Brasil, Maurício Voivodic, destaca que a reação “muito forte da sociedade” acabou causando uma repercussão tanto no Congresso como no governo Temer. “No meu ponto de vista, essa nem foi a medida mais grave no ano, mas teve muito mais destaque. Isso mostrou que a população brasileira se preocupa com a Amazônia e que não vai deixar fazer qualquer coisa com a Amazônia sem um debate ou sem motivos claros”, ressalta.

Abordando a questão por um outro ângulo, o professor de Direito Ambiental da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Rômulo da Rocha Sampaio, alerta que a questão da Renca, que ele também não considera a “mais grave” em questão ambiental no ano, “foi um grande mal entendido”.

“A Renca, apesar do nome, não é uma reserva ambiental. Ela foi criada com o objetivo de explorar recursos minerais e, não se sabe ao certo porquê, colocou-se o nome de reserva mineral. Essa é uma figura jurídica que não existe na Constituição”, fala Sampaio. Segundo o especialista em direito, dentro da Renca “há unidades de conservação ambiental”, e essas não seriam afetadas pelo decreto. Mas, como o governo não soube dialogar, entendeu-se tudo como exploração da Amazônia.

“O governo até tentou deixar mais claro, em uma alteração, que essas áreas não seriam tocadas, mas não adiantou”, diz ainda. Essa região onde fica a Renca, explica Sampaio, é um local em que “há muita pressão para a extração de madeira e minerais de maneira ilegal”.

Já o cientista político da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Rodrigo Prando, destaca que toda essa questão ambiental também tornou-se uma espécie de encruzilhada para o desenvolvimento econômico do país.

“Se você pensar na Amazônia, ela sempre foi e sempre será um elemento importante para a sociedade brasileira e também internacional. Quando o Temer mexeu com isso, foi um sinal de alerta para todos. Tanto que ele aprovou, depois modificou e então cancelou de vez por conta da pressão. Mas, um dos maiores desafios é como pensar a produção de riqueza de maneira sustentável. E isso é um desafio mundial, não apenas do Brasil”, ressalta Prando.

Exploração de petróleo

Além da questão da Renca, outro fato que ganhou destaque na mídia internacional foi o apoio dado pelo atual governo na exploração de combustíveis fósseis, com uma isenção tributária que pode chegar a até R$ 1 trilhão em algumas décadas, e ao mesmo tempo, o compromisso público assumido pelo país durante a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, COP 23.

No evento, ocorrido em Bonn, o Brasil chegou a ganhar prêmio de entidades de defesa ambiental como exemplo negativo no setor. “Há uma grande contradição do Brasil que quer exercer um papel de liderança mundial na questão ambiental, mas está dando incentivos e isenção de tributos na exploração de combustíveis fósseis, como no caso do petróleo”, diz Voivodic.

“E, ao mesmo tempo, o Brasil usa muito pouco de suas energias limpas, como a solar e a eólica. Há vários países com menos capacidade de sol, menos vento, como no caso da Alemanha, que há usa mais de 50% de energia limpa não hídrica. Então, o que eu vejo, é que não há muitos incentivos para o setor”, ressalta o diretor-executivo.

Já o coordenador do Greenpeace destaca que esse movimento de apoios às “energias sujas” vem desde 2009, o que causa a “perda de protagonismo” do Brasil nas negociações internacionais.

Segundo Astrini, por seu tamanho e por sua riqueza ambiental, o país naturalmente “é muito importante” nesse cenário de negociações, mas a “credibilidade vem se desgastando, em movimento mais acentuado nos últimos dois anos” perante os outros países. Ele destaca que o governo acaba seguindo o “faça o que digo, mas não o que faço” quando o assunto é preservação ambiental e investimento em energias limpas.

Para o especialista do Mackenzie, a questão do petróleo é uma das mais complicadas. “É uma equação difícil sobre como produzir petróleo e minério sem impacto ambiental. Mesmo com toda a tecnologia disponível, não é algo simples porque se ocorrer o mínimo problema nisso, já é um grande desastre pra natureza. Imagino que governo e a sociedade devem debater sobre como produzir riqueza com menor impacto porque é necessário ter um espaço de preservação”, diz Prando.

No entanto, todos os entrevistados são unânimes em ressaltar a importância do Acordo de Paris, que entrou em vigor em 2016 e que estabelece uma série de metas internacionais para diminuir os efeitos das mudanças climáticas drásticas e aumentar o investimento em energia limpa.

“No mundo todo, há um hiato entre a intenção do que se coloca no papel e as realidades locais e internacionais. É importante que o mundo discuta, estipule metas, mas os países têm interesses distintos. […] Apesar de ficar longe do acordo original, ele tem que ser feito porque ele tem que balizar tudo”, destaca Prando.

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