Quase todas as etapas das obras da BR-319 possuem baixa transparência de contratos

Foram analisados os 21 contratos que vigoravam em outubro do ano passado, sendo que 18 deles ainda estão vigentes

A avaliação dos contratos celebrados para obras na rodovia BR-319 indica baixos níveis de transparência em quase todas as fases da contratação. Foram identificadas ausência de consultas livres, prévias e informadas à população impactada; fragilidade de informações sobre a execução dos contratos; e falta de informação ampla sobre o licenciamento ambiental.

Essa vulnerabilidade se torna ainda mais preocupante num momento em que o Congresso Nacional discute flexibilizar as regras para o licenciamento ambiental de obras da rodovia, construída nos anos 1970 e causa de inúmeros casos de desmatamento e danos socioambientais até hoje.

Foram analisados os 21 contratos que vigoravam em outubro do ano passado, sendo que 18 deles ainda estão vigentes. Os resultados constam da nota técnica “Transparência dos Contratos Vigentes da BR-319“, produzida pela Transparência Internacional – Brasil e pelo Observatório BR-319, lançada no dia 5 de abril, no site observatoriobr319.org.br.

Foto: Divulgação/DNIT

O estudo foi feito com base na metodologia do “Guia Infraestrutura Aberta”, desenvolvida pela Transparência Internacional – Brasil. A ferramenta permite a avaliação dos níveis de transparência de grandes projetos de infraestrutura, considerando as diferentes fases do ciclo de vida das obras, incluindo avaliações sobre os formatos das informações, os riscos socioambientais da infraestrutura e a existência de oportunidades de participação social no processo decisório.

Para a avaliação, foram acessados diversos portais do governo federal com informações sobre os contratos da BR-319, sendo que o mais usado para o diagnóstico foi o contratos.gov. A nota técnica vai além da avaliação dos contratos e busca outros mecanismos capazes de garantir mais transparência e aprimorar a governança das obras da rodovia BR-319.

A avaliação mostrou que o pior desempenho (que recebeu a nota 0, numa escala de 0 a 100) foi em relação às consultas livres, prévias e informadas aos povos da floresta e a todos os grupos e comunidades potencialmente afetados pela construção da BR-319, principalmente aqueles que residem em territórios na área de influência da estrada. Apesar de essas consultas serem previstas pela Convenção n.º 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário, isso nunca foi cumprido no caso da BR-319.

A segunda pior nota foi atribuída à fase de execução contratual (nota 5,5, na escala de 0 a 100). A avaliação demonstrou que não há transparência sobre relatórios de auditoria de fiscalizações efetuadas, informações sobre programas de integridade existentes nas empresas vencedoras das licitações, e sobre possíveis sanções ou multas já aplicadas. Além disso, viu-se que não é possível tomar conhecimento, por transparência ativa – isto é, aqueles dados e informações publicados proativamente pelos órgãos do governo – de informações mais específicas sobre as obras contratadas, como fotos, localizações e cronogramas, e nem dos registros de reuniões com grupos e comunidades impactadas pela obra após a fase de contratação. Não foi possível identificar agências financiadoras, nem se há salvaguardas ambientais impostas pelos financiadores.

Imagem: Reprodução/Observatório BR-319

Também foi considerada baixa a nota da fase preliminar dos contratos e riscos socioambientais (nota 23,3). Nesse quesito, foram encontradas apenas as informações mais básicas buscadas, como avaliação sobre os riscos da contratação, a designação do local do empreendimento, o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) – que estão entre os instrumentos mais importantes para o processo prévio de licenciamento ambiental – e o chamamento para realização de audiências públicas sobre o licenciamento ambiental prévio. Faltavam, no entanto, estudos prévios de viabilidade e informações sobre os estudos do componente indígena ou quilombola realizados, o termo de referência para contratação do EIA e RIMA, e a ata e relatório de devolutiva da audiência pública sobre o licenciamento prévio.

Outro aspecto que recebeu classificação baixa foi em relação a diretrizes para a publicação de dados e informações (nota de 38,9). O portal analisado (contratos.gov) cumpriu apenas diretrizes mais gerais de centralização e acessibilidade aos contratos, e falhou em ampliar acesso à informação via transparência passiva e permitir que cidadãos façam denúncias ou sugestões.

Único quesito a receber a classificação “média” foi a transparência na fase externa da licitação. Tanto no portal do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) quanto no contratos.gov foi possível identificar informações como homologações das licitações, atas das reuniões das comissões de licitações, licenças de instalação, propostas vencedoras e nomes das empresas contratadas. Em contrapartida, não estão disponíveis informações como o parecer técnico dos órgãos envolvidos quanto ao licenciamento ambiental e extrato do contrato.

Nenhum dos itens avaliados recebeu a classificação de alta transparência.

“A ausência de transparência em obras que possuem grande relevância para o país, como é o caso da rodovia BR-319, evidencia as dificuldades para os órgãos de controle, a população em geral e a sociedade civil realizarem o controle social dessas obras e, ao mesmo tempo, uma dificuldade dos órgãos governamentais em organizar e publicar as informações sobre todo o ciclo de vida de uma obra dessa magnitude. Para garantirmos a realização íntegra, transparente e sustentável das obras na rodovia, é urgente a organização e oferta de informações sobre as decisões relativas às obras na BR-319, além da ampliação do diálogo e consulta aos povos e comunidades afetados pela rodovia”, 

diz Amanda Faria Lima, analista de integridade e governança pública da Transparência Internacional – Brasil.

Esta é a primeira vez que uma organização da sociedade civil realiza um levantamento sobre transparência na BR-319. “Esta nota técnica representa um marco importante para o Observatório BR-319, pois a transparência contribui bastante para o fortalecimento da governança na área de influência da rodovia. Além disso, a publicação reafirma o que já estamos dizendo há anos: que as consultas livres, prévias e informadas são essenciais para a tomada de decisões a respeito do empreendimento”, destaca Fernanda Meirelles, secretária-executiva do Observatório BR-319.

Sobre o Observatório BR-319

O Observatório BR-319 é uma rede criada em 2017 e formada por organizações da sociedade civil que atuam na área de influência da rodovia, que compreende 13 municípios, 42 Unidades de Conservação e 69 Terras Indígenas entre os Estados do Amazonas e de Rondônia. As atividades desenvolvidas pela rede têm o objetivo de produzir informações sobre a rodovia e os processos necessários para um desenvolvimento inclusivo, com respeito aos direitos legais constituídos dos povos da floresta e de conservação dos recursos naturais. O OBR-319 também tem o objetivo de fomentar o protagonismo, a governança e a autonomia dos moradores dos territórios locais, sendo uma rede comprometida com o fortalecimento da sustentabilidade da região do interflúvio Purus-Madeira.

Desde 2018, o Observatório BR-319 já publicou oito notas técnicas e três retrospectivas anuais de desmatamento e focos de calor com recorte para a rodovia. É importante destacar que estas produções são realizadas com base na expertise técnica de cada organização membro como forma de contribuir para o fortalecimento do debate sobre assuntos a respeito da rodovia e contribuir com órgãos de controle e da administração pública, munindo-os com informações resultantes dos monitoramentos e pesquisas realizados pelas organizações membro, visando resguardar o bem-estar e o modo de vida das populações indígenas, extrativistas e tradicionais que vivem no local.

Sobre a Transparência Internacional – Brasil 

A Transparência Internacional é um movimento global com um mesmo propósito: construir um mundo em que governos, empresas e o cotidiano das pessoas estejam livres da corrupção. Atuamos no Brasil no apoio e mobilização de grupos locais de combate à corrupção, produção de conhecimento, conscientização e comprometimento de empresas e governos com as melhores práticas globais de transparência e integridade, entre outras atividades. A presença global da TI nos permite defender iniciativas e legislações contra a corrupção e que governos e empresas efetivamente se submetam a elas. Nossa rede também significa colaboração e inovação, o que nos dá condições privilegiadas para desenvolver e testar novas soluções anticorrupção.

Diego – Produção de açaí, mandioca, café, cacau, entre outros itens, gera R$ 24,4 bilhões para a região do Bioma Amazônia, segundo estudo do Observatório de Conhecimento e Inovação em Bioeconomia da FGV

Para promover um desenvolvimento mais sustentável e gerar renda para a região, seria importante tanto focar nos produtos mais associados ao Bioma (como açaí, dendê, mandioca, café) quanto aproveitar o desenvolvimento dos produtos que já estão consolidados, como as commodities agropecuárias (soja, milho e algodão).

De acordo com o IBGE, em 2022, a produção agrícola dos municípios que compõem o Bioma Amazônia foi de R$ 118,5 bilhões, representando apenas 14,3% do total do país. Desse montante, R$ 24,4 bilhões (20,5%) foram gerados pela produção de açaí, mandioca, café, cacau, banana, cana, dendê, abacaxi, arroz, feijão e outros produtos da região. Os dados são do Observatório de Conhecimento e Inovação em Bioeconomia da Fundação Getulio Vargas (FGV).

O estudo constatou ainda que o valor de produção associado a esses produtos do Bioma Amazônia é menor do que o gerado pela soja, milho e algodão, que foi de R$ 94,1 bilhões. Contudo, desse montante gerado por essas commodities, R$ 74,4 bilhões foram produzidos pelos municípios que são pertencentes ao estado do Mato Grosso (MT), ou seja, estado que tem sua dinâmica de produção agrícola muito mais associada ao Cerrado do que ao próprio Bioma Amazônia. De outra forma, se não fosse o estado mato-grossense, a produção de soja, milho e algodão do Bioma Amazônia seria de R$ 19,8 bilhões, montante inferior ao gerado pelos demais produtos do Bioma (21,9 bilhões).

O mesmo ocorre quando se analisa a área colhida. O Bioma Amazônia, em 2022, somou 13 milhões de hectares em área colhida, desse total, 11,2 milhões de hectares foram associados às culturas de soja, milho e algodão, e 1,8 milhão de hectares foram relativos aos demais produtos.

No entanto, ao desconsiderar o Mato Grosso, observa-se que a área colhida de soja, milho e algodão (2,5 milhões de hectares) é somente um pouco acima do tamanho da área colhida com outros produtos (1,5 milhão de hectares), ou seja, o cenário de produção agrícola do Bioma Amazônia é bem diferente quando se compara o Bioma completo e quando se exclui o Mato Grosso, que é um estado com uma atividade agrícola, na média, bem desenvolvida, inclusive com uma interface com o mercado externo.
Segundo Roberta Possamai, pesquisadora do Observatório de Conhecimento e Inovação em Bioeconomia da FGV e uma das autoras do estudo, o importante não é o produto que será ofertado pela região do Bioma da Amazônia, mas sim sua capacidade de gerar renda e ser sustentável. “O ideal seria termos uma produção ambientalmente sustentável e que consiga gerar renda e dinamizar a economia local, aproveitando a produção tanto de produtos usualmente mais associados ao Bioma, como também as commodities com mercados e instituições brasileiros consolidados.”

A pesquisa conclui que para promover um desenvolvimento mais sustentável, bem como gerar renda para a região, seria importante focar nos produtos mais associados ao Bioma (como açaí, dendê, mandioca, café, etc.) e aproveitar o desenvolvimento dos produtos que já estão consolidados, como commodities agropecuárias (como soja, milho e algodão). Em ambos os casos, é preciso aprofundar e ampliar a adoção de práticas e métodos mais sustentáveis (por exemplo, para as “grandes commodities”, tecnologias, como o plantio direto, a recuperação de pastagens, os sistemas integrados, entre outros). 

Metodologia 

O Bioma Amazônia é composto por 496 municípios e, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), ocupa cerca de 50% do território brasileiro, possui a floresta Amazônica, que é a maior floresta tropical do mundo, abrigando uma imensa quantidade de espécies da flora e fauna.

Diante da relevância da região, o objetivo desse estudo foi mapear a atividade agrícola desenvolvida nesse Bioma. Para isso, o Observatório de Conhecimento e Inovação em Bioeconomia (OCBIO) da Fundação Getulio Vargas (FGV) utilizou a Produção Agrícola Municipal (PAM) do IBGE, disponível até o ano de 2022. Nesse mapeamento, foram considerados os 496 municípios do Bioma Amazônia. 

*O conteúdo foi originalmente publicado pelo Observatório BR-319, com texto produzido pela assessoria de comunicação da Transparência Internacional – Brasil.

Publicidade
Publicidade

Relacionadas:

Mais acessadas:

Arte rupestre amazônica: ciência que chega junto das pessoas e vira moda

Os estudos realizados em Monte Alegre, no Pará, pela arqueóloga Edithe Pereira, já originaram exposições, cartilhas, vídeos, sinalização municipal, aquarelas, história em quadrinhos e mais,

Leia também

Publicidade