Plantação de malva e juta depende do ciclo das águas no Amazonas

As plantas produzem fibras que dão origem a tecidos usados principalmente na indústria de artesanato e decoração.

No interior do Amazonas é mantida a cultura do cultivo da malva e juta, uma atividade que depende do ciclo das águas. A Rede Amazônica esteve na região do Paraná do Cambaleana, em Manacapuru, onde a atividade resiste, mas vem perdendo força, uma vez que os mais novos não querem seguir no ramo. Além disso, o processo depende de incentivos do Estado. 

Todos os anos, o Amazonas vive duas grandes fases: a cheia (enchente) e vazante (seca) dos rios. Esse ciclo molda a vida no Estado, especialmente, a dos ribeirinhos que moram nas cidades mais afastadas da capital, Manaus.

Assim como a navegação, parte da produção rural depende do entendimento de como funciona esse ciclo das águas. No caso da juta e da malva, plantas que produzem fibras que dão origem a tecidos usados principalmente na indústria de artesanato e decoração, as cheias e vazantes conduzem a produção do início ao fim.

Foto: Alexandro Pereira/Rede Amazônica

Juta e malva em Manacapuru 

Em uma viagem pelo Rio Solimões, o curso pelo Paraná do Cambaleana mostra uma série de casas à beira do rio que exibem as fibras, plantadas e colhidas ao longo do ano, estendidas em um varal, como se fossem roupas, na frente das palafitas de madeira. No local, há décadas, famílias vivem da agricultura e do cultivo de fibra.

Nesta região, as fibras podem ser produzidas de dois tipos de plantas: a malva e a juta. Com diferenças pequenas à primeira vista, cada uma possui singularidades que podem facilitar ou dificultar o cultivo.

Enquanto a malva, é uma planta produtora de fibra alta, leve, que cresce rapidamente, a juta é menor e mais pesada. Para uma pessoa que não conhece o produto, a diferença é quase imperceptível. No entanto, os produtores sabem diferenciá-las rapidamente.

Foto: Alexandro Pereira/Rede Amazônica

Entenda como funciona o processo de plantação e colheita: 

  • A primeira etapa do processo é a compra de sementes, que são exportadas do Pará. Sem ajuda de cooperativas ou do governo, os produtores precisam tirar do próprio bolso para custear a produção. Para produzir quase uma tonelada do produto, uma sacola sai a R$ 3.750. Uma outra alternativa é pagar as indústrias, que vendem a matéria-prima, com 10 kg de fibra por 1 kg de semente.
  • Com as sementes em mãos, os produtores iniciam a plantação em julho e agosto. É necessário fazer nesses meses por conta do início da vazante dos rios.
  • Os primeiros indícios de que a planta cresceu e floresceu começam no mês de janeiro, período que se inicia a cheia dos rios no Amazonas. Nesta fase, o agricultor corta as altas plantas e separa em feixes, com uma média de 100 varas, que rendem 1 kg de fibra.
  • Para deixar as fibras no ponto, a próxima etapa é popularmente conhecida como “afogamento”. Nesta fase, os feixes colhidos são deixados de molho de 10 a 12 dias, para “amolecer” os fios.
  • Após o amolecimento dos fios, os meeiros começam a realizar seus serviços. Eles são contratados pelos produtores para entrar na água e retirar os fios, que estão de molho, e formar as fibras. Em um espécie de coreografia, os trabalhadores retiram as fibras e formam “bonecas”, que são amarrações de fibra lavada. O trabalho é pesado e envolve mais de oito horas de esforço, dentro da água.
  • Depois disso, é hora de secar. Quatro dias ensolarados são suficientes para deixar a fibra enxuta e brilhosa.
  • Na última etapa, os agricultores vendem a fibra aos atravessadores, agentes de comercialização que se colocam entre o produtor e o comerciante varejista. O kg da fibra, se for malva, é vendido a R$ 4,50. Já a juta, é vendida a R$ 5.
Foto: Alexandro Pereira/Rede Amazônica

Dificuldades da plantação

Para sobreviver, a atividade tradicional da região vive uma fase de dificuldades. Um dos principais entraves é a falta de mão de obra nos processos de produção. O agricultor Carlos Alberto Soares, de 67 anos, trabalha como produtor de malva e juta há mais de 40 anos. Aprendeu o conhecimento da plantação com o pai. Entre as principais dificuldades que enfrenta está justamente a falta de mão de obra.

Pai de quatro filhos, Carlos relatou que a prole decidiu não seguir pelo mesmo caminho das gerações anteriores. Como a cultura da fibra, normalmente, é passada de pai para filho e falta gente para cultivar, o plantio vem diminuindo com o tempo.

“Diminuiu o plantio por falta da mão de obra, que vem diminuindo a cada ano. Nos dois terrenos, eu produzia 20 e pouco toneladas. Hoje não estão produzindo mais de dez toneladas”, 

afirmou Carlos.

A alternativa que Carlos e outros produtores encontraram foi contratar vizinhos, que fazem o papel de meeiros, que atuam na fase de afogamento das fibras e recebem metade do lucro. “Meeiro é que a gente trabalhar de meia. Se, por exemplo, eu colho uma tonelada, 500 quilos é meu e 500 quilos da pessoa que me deu a fibra”, explicou o meeiro Sérgio Carvalho.

Outro problema enfrentado na produção é o preço das sementes. Sem cooperativas atuando na região, os produtores negociam diretamente com as empresas que compram a fibra. O produto é a moeda de troca.
O agricultor Carlos revelou que, como a fibra se torna uma moeda de troca para as sementes, por vezes, não tem um lucro alto. A alternativa é a subvenção do governo, um auxílio que o estado paga aos produtores rurais.
Foto: Alexandro Pereira/Rede Amazônica

No caso dos agricultores de malva e juta, a subvenção é R$ 0,60 por kg de fibra colhido. “Nós estamos pagando 10 kg de fibra por um de semente, o que significa, no preço que está aqui hoje R$ 50 o quilo da semente. Aí, na nossa situação, nós não temos outro custeio, a não ser a subvenção do governo no final . A gente fica aqui lutando com os próprios recursos e fazendo de tudo para dar certo”, disse o agricultor Carlos Alberto.

O agricultor Eronaldo Costa de Menezes, que cultiva a fibra há mais de 30 anos, acredita que a alternativa para enfrentar alguns dos problemas é um auxílio maior do Governo do Amazonas. Caso não haja essa ajuda, a cultura da malva e juta corre risco de acabar na região do Paraná do Cambaleana.

“É, porque quem é agricultor é sempre isso. Uma safra vem, vai, tem que vir outra. E aí o que eu vejo que quem pode ajudar hoje o agricultor de fibra e malva é o governo, porque o governo sabe disso. Em vez da fibra aumentar a produção, ela vai cair, porque não tem como manter isso para sempre”, lamentou.

A Rede Amazônica procurou a Agência de Desenvolvimento Sustentável do Amazonas (ADS) para saber se haverá aumento na ajuda aos agricultores e qual a expectativa para a safra de 2023. A ADS informou que a previsão do pagamento da safra 2022/2023 é o segundo semestre do ano.   

*escrito por Bianca Fatim e Daniela Branches

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