Os caminhos do desenvolvimento sustentável da Trilha Chico Mendes

Cadarços amarrados, mochila nas costas e muita disposição. É com esse espírito que os aventureiros iniciam a Trilha Chico Mendes – produto turístico acreano, localizado no coração da Reserva Extrativista Chico Mendes (Resex Chico Mendes), no Acre, Região Norte do país, onde a exuberância da floresta amazônica enche os olhos de esperança. O percurso de 84 quilômetros é, geralmente, concluído em quatro dias e meio. Mas o tempo, que na floresta passa desacelerado e na contramão dos ponteiros urbanos, é vivido de acordo com as necessidades individuais dos desbravadores. 

Para compreender o potencial da trilha, reinaugurada em 2017 pelo Instituto Chico Mendes de Conservação e Biodiversidade (ICMBio), Secretaria de Estado de Turismo e Lazer (Setul) e o Coletivo Travessias na Floresta, deve-se recordar a história de resistência dos extrativistas acreanos, que em 1990, conseguiram fundar a Resex Chico Mendes, a primeira no país em sua modalidade – dois anos após o assassinato do líder seringueiro Chico Mendes, que deu nome à unidade de uso sustentável. Com um pouco mais de 970 mil hectares, a Resex perpassa os municípios de Rio Branco, Capixaba, Assis Brasil, Brasileia, Epitaciolândia, Xapuri e Sena Madureira. No local vivem duas mil famílias de extrativistas, cerca de dez mil pessoas. Cidadãos que optaram por um estilo de vida que difere do modo de consumo desfreado, reproduzido em grande parte do planeta. Planeta este que as populações tradicionais do Acre têm contribuído para salvar. Na unidade de uso sustentável o índice de desmatamento caiu 36%, entre legal e ilegal (MMA 2015/2016). 

Foto: Kennedy Santos/Secom-Acre
Cada família de extrativista tem direito a utilizar 15 hectares para o manejo da agricultura de baixo carbono e o mesmo percentual para atividades produtivas complementares, incluindo a pecuária. No Acre, a redução do desmatamento ilegal, no último ano, foi de 34% de acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Na Amazônia o decréscimo foi de 16%. Com 87% de floresta nativa, o governo do Estado aposta em política de desenvolvimento sustentável pautada na conservação e uso racional dos recursos naturais, justiça social e de uma socioeconomia crescente que estimula uma produção descarbonizada. O Estado foi o primeiro  no mundo a desenvolver o Programa Global REDD Early Movers (REM), financiado pelo banco alemão KfW. Durante a gestão de Tião Viana, mais de R$ 35 milhões foram investidos na Resex Chico Mendes, nas áreas de produção sustentável, infraestrutura e saneamento básico.

Percurso

O trekking de 84 quilômetros começa na entrada do Ramal Santa Luzia, em Brasileia (km 84). Nessa parte do percurso os turistas têm a opção de fazê-lo em um veículo, que é de propriedade de um dos comunitários, o seringueiro André Maciel, de 68 anos. Algumas horas depois é realizada primeira parada. É hora do almoço. Além do ecoturismo, a Trilha Chico Mendes proporciona uma imersão dos visitantes na gastronomia da floresta. Na mesa de madeira é servido pato, galinha caipira, peixe de água doce, mandioca cozida e tantas outras iguarias oferecidas com uma diversidade de sucos de frutas, como a laranja, manga e o caju. 

Uma verdadeira fartura de alimentos, nem sempre presentes nos grandes centros urbanos. “A gente vive do que produz. Temos uma boa alimentação e eu estou muito feliz de ter voltado pra cá, pois passei um tempo na cidade”, celebrou a moradora da Colocação Paraguaçu, Iraniuce Lanes, de 27 anos, que morou um ano em Brasileia. Responsável pelo preparo do banquete servido aos turistas, a cozinheira salientou que “nesse tempo fora, pude perceber a diferença entre a cidade e nossa vida na comunidade, principalmente no que se refere à educação e alimentação das minhas filhas”, reconheceu Maciel.

O pernoite é realizado na casa de um extrativista, os turistas pagam pela alimentação e em troca recarregam as próprias energias para a caminhada do dia seguinte. A conexão com a natureza, a bagagem sociocultural adquirida, o despertar para a importância da preservação do meio ambiente e o encontro entre pessoas de diferentes tribos estão entre os benefícios que o turismo na Resex Chico Mendes proporciona.

Foto: Kennedy Santos/Secom-Acre
O Carlos Alberto Araújo, 53 anos, é praticante de trekking, membro do Coletivo Travessias na Floresta e impulsionador da atividade no estado. “A resex é uma dádiva e é um enorme presente que a gente possa caminhar sobre ela. É uma sorte muito grande que se localize no Acre, porque é um privilégio caminhar na floresta e entrar em contato com as pessoas. A Trilha Chico Mendes é mais que uma caminhada, é uma oportunidade de ouvir e conhecer as histórias de resistências dos seringueiros, a história e a gente do Acre, contada pelos próprios protagonistas”, enfatizou o trilheiro. Colocações Paraguaçu, Revolta I, Cariri, Boa Vista, São Domingos, Paraíso e o Alto Alegre estão entre os locais de apoio – almoço e pernoite – utilizados pelos trilheiros.

O percurso na floresta foi aberto pelos seringueiros, que utilizavam os caminhos para se comunicar. A proposta do ICMBio é ampliar o trajeto, percorrido entre Brasileia e Xapuri, para que Assis Brasil também componha o percurso. E para quem acha que o percurso é pesado demais para mulheres, a engenheira florestal Jannyf Christina dos Santos, 26 anos, avisa: “mulher também faz trilha! Aos poucos estamos quebrando essa ideia de que para nós é muito difícil. Neste ano, muitas fizeram a trilha e o nosso objetivo é que esse número aumente no ano que vem”.

Potencial turístico

O contato com a floresta amazônica e a vivencia com os extrativistas chama a atenção de pessoas de todo o mundo, o que respalda o potencial turístico da Trilha Chico Mendes. O português Paulo Alexandre Garcia, organizador de ultramaratonas no Brasil e Europa, realizou o percurso e se disse encantado. “A Trilha Chico Mendes enche nossas almas. A reserva é fantástica e o futuro dela vai passar um pouco ou muito pelo turismo. Os locais, com pequenos ajustes, tornam-se algo de encher a alma. Na maioria das trilhas no mundo isso não existe, essa imersão na história e contato com as pessoas”, frisou Paulo, que acrescenta que “para um europeu são vivências extraordinárias”. No local, a Setul tem impulsionado o turismo de base comunitária. 

Foto: Kennedy Santos/Secom-Acre
Para 2018, estão previstas as realizações de capacitações voltadas para os moradores, que já participaram de um curso de gastronomia com o chef Edson Correa, que levou em consideração as características dos seringais. Uma vez que a proposta é que os extrativistas construam os cardápios de acordo com os alimentos disponíveis, em abundância, em cada localidade. Recentemente, a Trilha Chico Mendes foi apontada pelo blog de turismo Escalando como uma das 15 mais interessantes no mundo para se fazer trekking, e selecionada pelo ICMBio para participar do projeto “10 Picos, 10 Travessias”, que celebra os dez anos da instituição. Na última terça-feira, 13, o percurso foi apresentado como produto turístico amazônico brasileiro na 23ª Conferência das Partes (COP), na Alemanha, durante o “Amazon Bonn” – evento destinado aos estados da Amazônia Legal.

Fernando Maia, analista ambiental do ICMBio – órgão que, em parceria com os extrativistas, administra a Resex Chico Mendes, acredita que o turismo pode auxiliar na conservação. “O turismo é um aliado a mais, não apenas para frear o processo de pecuarização da reserva, mas para revertê-lo. Para que as áreas utilizadas como pasto voltem a ser floresta, ao incentivarmos a implementação de sistemas agroflorestais, o cultivo da castanha, borracha, açaí, que hoje têm muito valor de mercado”, explica.

Socioeconomia

Na unidade de uso sustentável as atividades extrativistas são responsáveis por uma fatia da renda familiar dos habitantes daquela região, que incrementam seus rendimentos com a criação e comercialização de animais e da agricultura. O turismo sustentável surge como opção de crescimento socioeconômico dentro da Chico Mendes. “Temos construído planos de negócios para que os próprios comunitários possam gerir. Porque a partir do momento em que eles assumem e criam o sentimento de pertencimento, aquele produto se desenvolve independente do poder público. A partir do momento em que a floresta passa a gerar emprego e renda, não existe motivos para derrubá-la”, destaca a secretária de Estado de Turismo, Rachel Moreira. 

Foto: Kennedy Santos/Secom-Acre
Para o seringueiro Anacleto Maciel, 51 anos, a atividade econômica é uma porta aberta. “O turismo, de maneira legal, visando o desenvolvimento, é excelente. Uma porta aberta importante, mas é necessário estabelecer normas de controle de quem entra”, observa o líder extrativista, que coleciona mais de 300 discos de vinil e compõe poemas sobre a vida do seringueiro, meio ambiente, entre outros temas que julga importante para seu povo e história. Natural do Peru, José Maria Pereira de Souza, mais conhecido como Peruano, chegou ao Acre em meado de 1980. Juntou-se ao movimento dos povos da floresta e militou pela criação da Reserva Extrativista Chico Mendes, onde conheceu a esposa e formou família. 

Agente de saúde, Peruano formou uma filha na mesma área e auxilia nos estudos de outra, que cursa medicina na Bolívia. O filho mais novo mora com o casal e estuda na comunidade. “Tenho orgulho de ter alfabetizado minhas filhas, fui professor delas. A educação avançou muito dentro da reserva, mas é preciso que continue avançando. Antes, lutávamos por regulamentação fundiária, hoje exigimos políticas públicas. Particularmente, acredito muito no potencial do turismo. O meu país (Peru) é um bom exemplo disso, lá o turismo gera emprego e renda”, defende o comunitário.
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