Em artigo de opinião publicado no site ECOA, o cientista Lucas Ferrante contestou a versão do governo do Amazonas e afirmou que a fumaça era proveniente de queimadas em municípios da área de influência da BR-319.
Com a repercussão da fumaça que tomou conta da Região Metropolitana de Manaus (RMM) entre outubro e novembro, o Ministério Público Federal (MPF) ajuizou uma Ação Civil Pública (ACP) solicitando que a Justiça Federal determine ao Estado do Amazonas a apresentação de documentos que provem medidas adotadas para o combate ao desmatamento e às queimadas desde 2019. Segundo o órgão, não há evidências de que as medidas adotadas no Plano de Prevenção e Controle de Desmatamento e Queimadas (PPCDQ-AM5), para o biênio de 2023 a 2025, foram suficientes e adequadas.
“Assim, cabe ao Chefe da Casa Civil (coordenador do Comitê do PPCDQ-AM) demonstrar, de forma inequívoca, que não houve omissão governamental e que, portanto, o Estado não deveria ser responsabilizado pelos danos ambientais e climáticos derivados da poluição atmosférica que atingiu níveis alarmantes a partir do mês de outubro de 2023”, diz a Ação. O MPF também afirma “o cenário sinaliza que há uma execução deficiente do PPCDQ-AM, ocasionando danos ambientais decorrentes da poluição das queimadas, com efeitos deletérios à saúde da população, em especial devido ao incremento de doenças respiratórias relacionadas à fumaça”.
No dia 21 de novembro, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente do Amazonas (Sema-AM) divulgou informações dando conta de que a fumaça que encobriu a região da capital do Amazonas no período, teve origem no oeste do Pará e na RMM. “Os dados são extraídos do monitoramento coordenado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), instituição de excelência em questões como mudanças climáticas, e Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA, na sigla em inglês), instituição do governo norte-americano referência internacional nesse tipo de acompanhamento. De acordo com imagens do satélite GOES-16, fornecidas pela NOAA e analisadas pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Sema), Manaus ainda está sob pressão do acúmulo de fumaça dos últimos dois dias nas duas localidades”, informou a secretaria.
O governo do Pará desconversou sobre a sua contribuição à situação no Amazonas. Questionado pela Revista Cenarium, o governador do Pará, Helder Barbalho, disse que “nesse momento, nós estamos vivenciando no mundo o fenômeno El Niño, que está mostrando a repercussão mais severa de estiagem na região da bacia amazônica, e isso está repercutindo em todos os Estados. Isto deve, inclusive, ser avaliado, pois nós temos, por um lado, redução do desmatamento na Amazônia e, por outro, o aumento de focos de queimadas, que são coisas distintas”. Entre outubro e novembro, o município de Santarém, na calha do rio Tapajós, no Pará, também ficou encoberto por fumaça.
Em artigo de opinião publicado no site ECOA, o cientista Lucas Ferrante contestou a versão do governo do Amazonas e afirmou que a fumaça era proveniente de queimadas em municípios da área de influência da BR-319. As afirmações dele foram baseadas em dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e do Projeto ATTO (Amazon Tall Tower Observatory). De acordo com Ferrante, com o aquecimento das águas do oceano Pacífico, houve um enfraquecimento de correntes de ar provenientes do leste, o que dificultaria a vinda de fumaça, que é mais pesada que vapor d’água, do Pará para Manaus. Ferrante disse que, ao sul de Manaus, em Careiro e Autazes, existia “uma área de emissão de particulados e a pior qualidade do ar na região central da Amazônia”.
Situação da BR-319
Os dados crescentes de fogo na área de influência da BR-319 são um exemplo da gravidade da situação no Amazonas. Em setembro, os municípios de Autazes (277), Humaitá (532), Manaus (29) e Tapauá (151) registraram o maior número de focos de calor para o mês na série histórica monitorada de 2010 a 2023. A mesma situação aconteceu nas Unidades de Conservação (Ucs) Floresta Nacional (Flona) de Balata-Tufari (17), Reserva Extrativista (Resex) do Médio Purus (12) e Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Puranga Conquista (3). O Parque Nacional (Parna) de Anavilhanas (1), o Parna do Acari (1), a RDS do Matupiri (10) e a RDS do Rio Amapá (6) registraram pela primeira vez focos de calor no mês de setembro desde 2010. As informações são do monitoramento publicado na edição nº48 do Informativo Observatório BR-319.
Segundo o consultor responsável pelo monitoramento de desmatamento e focos de calor do Observatório BR-319, Thiago Marinho, considerando o quadrimestre de agosto a novembro de 2023, o estado do Amazonas teve pouco mais de 17 mil focos de calor. “Para os 12 municípios do Amazonas que fazem parte da área de influência da BR-319, foram pouco mais de 7 mil focos de calor, o que significa que esses municípios representam cerca de 40% das queimadas registradas no estado”, analisa. ]
“Nos últimos cinco anos, se compararmos o quadrimestre de agosto a novembro, vamos perceber que houve um aumento no número de focos de calor nos municípios da BR-319. Em 2019, foram quase 5 mil focos de calor alcançando 9 mil em 2022. Houve uma redução em 2023, de cerca de 20%, chegando a 7 mil focos de calor, algo que não é para se comemorar, pois ainda estamos em um cenário de grandes queimadas, inclusive, os municípios da parte norte da rodovia, na Região Metropolitana de Manaus, alcançaram os maiores valores da série histórica de monitoramento. Isso repercutiu como fumaça em Manaus, por essa razão, a situação ainda é preocupante e nada animadora”, disse Marinho.
Outras medidas
Com base no Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 13 – Ação contra a mudança global do clima, o procurador de contas do Estado do Amazonas, Ruy Marcelo Alencar, propôs com uma Ação Popular Ambiental de Litigância Climática com pedido de tutela de urgência por poluição atmosférica contra a União, representada pela Advocacia-Geral da União. O teor da medida tem intenção de combater ações que provocaram a fumaça no estado do Amazonas.
O texto diz que “a ação impugna, em caráter emergencial, reiterados atos administrativos, omissivos e comissivos, imputáveis aos requeridos, gravemente ilícitos e lesivos ao meio ambiente e ao bioma Floresta Amazônica, por consubstanciarem enfrentamento e proteção insuficientes e ineficazes até aqui para debelar e remover, minimamente, no curto prazo, o perigoso estado de colapso climático atmosférico que vigora no Estado do Amazonas e oeste do Pará, por nível insalubre constante de poluição no ar, em toda a região, dada a concentração e acumulação de resíduos de queimadas e incêndios florestais, no contexto de estiagem severa, seca recorde dos rios, baixa umidade e represamento do ar tóxico que assola a Amazônia. Enfim, combate-se estado de coisas inconstitucional climático na região que impacta o Requerente, toda a população e a biodiversidade amazônicas.
Ao Observatório BR-319, o procurador Ruy Marcelo disse que, desde 2016, quando houve um aumento na tendência de crescimento de ilícitos florestais no Amazonas, o Ministério Público de Contas, junto ao Tribunal de Contas, passou a atuar intensamente para combater omissões e deficiências dos gestores estaduais e municipais. “Foram expedidas sucessivas cobranças, às autoridades executivas, com base em imagens de satélites e dados oficiais, alertando quanto à proteção deficiente, quanto à insuficiência dos quadros e da conseguinte necessidade de fortalecimento dos programas e políticas públicas de repressão aos ilícitos ambientais; notadamente, ao desmatamento e às queimadas”, disse Ruy. “Foram aplicadas multas, expedidas determinações, mas, infelizmente, o resultado não foi e não é satisfatório. Ante a ineficácia das requisições, ante a falta de reversão dos números, o MP de Contas vem deduzindo sucessivos alertas de responsabilidade fiscal, várias representações para definição de responsabilidade, envolvendo desde prefeitos até o governador do estado”, acrescenta.
No começo de setembro, o MPC expediu ofícios a órgãos da administração estadual recomendando os reforços no combate às queimadas. “Infelizmente, esses esforços não vieram de pronto, ao argumento de dificuldades financeiras e orçamentárias em que pese a declaração de emergência ambiental ainda no mesmo mês”, relata Ruy.
O procurador também diz que, em outubro, o MPC fez uma representação junto o TCE-AM “com o objetivo de obrigar as autoridades estaduais a cumprirem a Resolução 491/2018 – CONAMA, no sentido de providenciarem plano de contingência para gerenciamento dos intervalos de nível de crítico de poluição mediante medidas de restrição às emissões, atendimento à saúde, e outras de enfrentamento ao que pode ser considerado desastre gravemente nocivo à saúde pública, tendo em vista toxidade do material particulado fino nas fumaças das queimadas. Presentemente, estamos avaliando as responsabilidades pelos eventos nos municípios que mais contribuíram para a crise climática no período”.
Para o procurador, é urgente estruturar o regime de gestão de riscos de desastres, medidas de prevenção, de precaução, de mitigação de efeitos e de adaptação às novas possibilidades climáticas extremas no estado do Amazonas para evitar que a fumaça volte a tomar Manaus.
“É necessária a cooperação e a atuação articulada e intersetorial de todos os níveis da federação: União, Estado e municípios, para formular e colocar em prática um grande planejamento estratégico de enfrentamento às mudanças climáticas, capaz de aplicar medidas que ponham as populações a salvo dos impactos prováveis das secas, chuvas e enchentes severas, com uso tanto de novas tecnologias quanto de soluções baseadas na natureza”,
conclui.
*O conteúdo foi originalmente publicado pelo Observatório BR-319