Microrganismos do solo também estão ameaçados por substituição de florestas por pastagens na Amazônia

Bactérias, fungos e arqueias que vivem na terra prestam diversos serviços ecossistêmicos, como a estocagem de metano, mas desmate pode diminuir sua diversidade funcional.

Mais conhecida pela biodiversidade de plantas e animais, a Amazônia também possui uma grande diversidade de vida microbiana, inclusive no solo. Serviços ecossistêmicos importantes, como a estocagem do metano que iria para a atmosfera, por exemplo, são feitos por microrganismos que vivem debaixo da terra.

A substituição das florestas por pastagens, portanto, também é uma ameaça a bactérias, fungos e arqueias. Integrar o conhecimento sobre essas formas de vida em esforços de conservação, restauração e manejo, portanto, torna-se urgente para a compreensão e manutenção da Amazônia.

O argumento é defendido em artigo publicado na revista Trends in Ecology and Evolution por um time de pesquisadoras da Universidade de São Paulo (USP) e colaboradores de universidades dos Estados Unidos e Reino Unido.

“Os microrganismos têm uma importância muito grande para manter o macro: no caso, o funcionamento da floresta, o equilíbrio entre animais e plantas e os serviços ecossistêmicos dos rios, entre outros”, exemplifica Júlia Brandão Gontijo, coautora do trabalho – desenvolvido com bolsa da FAPESP durante seu doutorado no Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena) da USP, em Piracicaba. Atualmente, Gontijo é pós-doutoranda na Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos.

Pastagem próxima a área de floresta nativa no Pará. Foto: Laboratório de Biologia Celular e Molecular/Cena-USP)

Um caso bastante estudado pelo grupo é o da substituição de microrganismos que consomem metano (portanto, benéficos para o equilíbrio climático) por aqueles que emitem o gás, quando a vegetação nativa é substituída por pastagens. A criação de gado é responsável por 87% das mudanças de uso do solo na Amazônia.

“Um achado inesperado que tivemos nos últimos anos foi o de que pastagens têm uma maior diversidade local de bactérias no solo, em comparação às florestas. No entanto, quando se analisa a escala espacial, os microrganismos encontrados no solo dos pastos são sempre os mesmos, enquanto na floresta existe maior variação de um local para o outro. A conversão floresta-pastagem, portanto, tem acarretado um processo de homogeneização das comunidades bacterianas do solo”, 

conta Andressa Monteiro Venturini, primeira autora do estudo, ex-bolsista de pós-doutorado da FAPESP e hoje pesquisadora visitante na Universidade Stanford, nos Estados Unidos.

Uma das causas dessa baixa diversidade espacial das pastagens, explica Venturini, é justamente a perda de espécies endêmicas de microrganismos, o que pode levar a perda de funções importantes, como o consumo de metano, um gás causador de efeito estufa.

De depósito a fonte

Em trabalhos publicados anteriormente – nas revistas Environmental Research e Science of The Total Environment –, o grupo já havia mostrado que a conversão de floresta em pastagem muda o número de arqueias produtoras e bactérias consumidoras de metano, assim como o equilíbrio entre esses grupos.

Solos florestais tipicamente atuam como depósitos de metano, evitando que o gás suba para a atmosfera. Porém, quando convertidos em pastos, passam a abrigar mais espécies produtoras de metano e, consequentemente, emitem mais gases de efeito estufa. Essa mudança de depósito para fonte do gás se intensifica com a remoção da camada superficial do solo e a adição de cal para reduzir a acidez.

“Não é apenas o uso do solo que importa, mas também a forma de manejá-lo”, explica Tsai Siu Mui, professora do Cena-USP e coordenadora dos estudos. Outro trabalho do seu grupo já havia mostrado como a conversão de florestas em pastagens favorece o aumento de bactérias resistentes a antibióticos no solo.

Tanto esses estudos quanto o publicado agora integram um projeto apoiado no âmbito de um acordo entre a National Science Foundation (NSF), dos Estados Unidos, e a FAPESP, por meio do Programa BIOTA.

Segundo as pesquisadoras, o solo como fonte de gases do efeito estufa é pouco discutido nos estudos sobre a participação nacional nas emissões globais. Por isso, podem ser exploradas em novos estudos por meio da combinação de medidas ambientais e moleculares (abundância de genes relacionados à produção e consumo de metano), por exemplo.

O artigo argumenta ainda que, ao analisar dados isotópicos, as vias metabólicas da produção de metano no solo poderiam ser identificadas, levando a uma maior compreensão da resposta microbiana à mudança do uso do solo. Além disso, a união de genômica ambiental com abordagens de bioinformática, assim como aprendizado de máquina, poderia prever emissões por essa fonte, ajudando a evitá-las, sem perder de vista estratégias de restauração e manejo.

“Os estudos nesse campo podem, inclusive, proporcionar a descoberta de microrganismos favoráveis a culturas nativas, como as frutas, que já são cultivadas na região, mas perdem produtividade com o tempo. A busca por inoculantes resultantes da própria biodiversidade da região, por exemplo, seria um dos caminhos para novos estudos que poderiam ajudar a construir uma bioeconomia amazônica”, 

encerra Tsai.

O trabalho teve ainda entre os coautores Jéssica Mandro, que fez mestrado no Cena-USP com bolsa da FAPESP e atualmente realiza doutorado na mesma instituição. Leia o artigo completo: ‘Soil microbes under threat in the Amazon Rainforest.

*O conteúdo foi originalmente publicado pela Agência FAPESP, escrito por André Julião

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