Amor, afeto, proteção, companheirismo, mas também descaso, indiferença e até violência. Quantas realidades se escondem por trás das relações entre animais humanos e não humanos no cotidiano de uma grande cidade? Esta foi a pergunta que guiou uma pesquisa realizada pela professora Eveline Teixeira Baptistella, professora do curso de jornalismo da Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat).
Durante quatro anos, ela monitorou a ocorrência de animais na cidade de Cuiabá (MT) e os tipos de relações desenvolvidos entre eles e os humanos. Encontrou as mais diferentes situações que levaram a uma constatação: ainda temos muito que avançar para garantir melhores condições de vida às outras espécies.
Em Cuiabá, a pesquisadora, que atua na área de estudos de Comunicação e Cultura, encontrou desde animais de estimação que recebiam todo tipo de mimos e carinhos até o extremo oposto, cães e gatos abandonados, cujas vidas eram postas a prêmio por perturbarem os humanos. “No fim, o afeto do humano é sempre o que decide o destino do animal. Aqueles que contam com a proteção de algum humano conseguem sobreviver. Do contrário, enfrentam as piores condições e até mesmo a morte”, reflete.
A pesquisa resultou no livro “Animais e Fronteiras: um estudo sobre as relações entre animais humanos e não humanos”, que traz algumas dos episódios mais marcantes encontrados durante a pesquisa – como a história do cachorro vítima de maus tratos que foi adotado e, ao lado da tutora, conquistou avanços no tratamento da leishmaniose visceral canina no Brasil.
O trabalho também trata dos conflitos entre espécies, e reflete sobre como o movimento de proteção animal se articula para garantir mais direitos aos animais. Outro ponto interessante da pesquisa foram os inúmeros registros de animais silvestres no ambiente urbano da capital de Mato Grosso. Araras vermelhas e Canindé, tucanos, tuiuiús, jiboias, jacarés, diferentes tipos de símios e até grandes mamíferos como cervos e capivaras vivem hoje na cidade.
Muitas vezes em condições inusitadas, como o jacaré que toma banho de sol no estacionamento de uma grande associação e o casal de tucanos que fez o ninho na caixa d´água de um prédio público.
“É um fenômeno recorrente em diversos pontos do mundo, que chamamos de auto-domesticação. Sem seus habitats originais, estes animais estão se acostumando a viver nas cidades, habituando-se à proximidade e, até mesmo, ao contato dos humanos. Este foi um ponto bastante preocupante, pois os animais são muito exibidos em vídeos e fotos, mas não há nenhuma preocupação em relação ao sofrimento e condições de vida precárias que enfrentam”, ressalta Eveline.
O projeto se diferencia por abordar o cotidiano e as relações estabelecidas na arena do convívio. “As pessoas têm uma percepção de que a ciência se debruça apenas sobre números, itens concretos. Aqui, nós buscamos um olhar qualitativo para entender como animais humanos e não humanos se relacionam e o que isso demonstra sobre a nossa cultura”, resume.
A cientista ressalta a importância de se aumentar as políticas de proteção animal bem como a consideração pelos direitos dos animais. “Os animais não falam a nossa língua, mas certamente se comunicam conosco. Nossos encontros com eles são transformadores e podem nos orientar para um mundo com mais empatia e tolerância, mas é preciso que uma parcela maior da sociedade, especialmente o poder público, comece a olhar para esses nossos companheiros com um olhar mais atento e responsável”, conclui.