Foto: Renato Santana/Cimi
Amacro é o acrônimo dos estados do Amazonas, Acre e Rondônia. Assim como o Matopiba, acrônimo de Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, se trata de uma região chamada de “zona especial de desenvolvimento sustentável”, criada em 2021 pelo governo federal, para o avanço das fronteiras do agronegócio, da mineração e de grandes empreendimentos. No caso da Amacro, o estado do Mato Grosso também faz parte.
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Para tratar dos impactos deste avanço das fronteiras agropecuárias nos territórios ocupados por populações tradicionais e áreas de conservação, povos indígenas e pequenos agricultores dos estados que compõem a Amacro se reuniram em Porto Velho (RO), entre os dias 12 e 14 de novembro, para oficinas e discussões de estratégias com o objetivo de enfrentar a roda do desmatamento e destruição associada à Lei 14.701/23, a chamada Lei do Marco Temporal.
A “sustentabilidade” do projeto é questionada pelos povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, sem terras e ambientalistas. Segundo levantamento do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), só em 2022, por 36% do desmatamento na Amazônia Legal. A abertura de áreas para a agropecuária cresceu em média 5,61% por ano de 2018 a 2022, mais que o dobro da média para o bioma no Brasil.
Uma análise exclusiva da InfoAmazonia, com base nos dados da rede MapBiomas, aponta que em 20 anos, de 2003 a 2022, a área destinada ao agronegócio na Amacro mais que dobrou de tamanho e chegou a 7,2 milhões de hectares, um território maior do que o da Irlanda. Atualmente, em 13 dos 32 municípios que compõem a região, a agropecuária já ocupa uma área maior do que a floresta.
“Nunca fomos consultados ou fizemos parte das discussões sobre Amacro. Sabemos o que é pelas organizações que nos apoiam, como o Cimi, nossos aliados nas universidades, professores e pesquisadores. Enquanto defendemos territórios para a vida, a Amacro quer a morte deles para colocar pasto, plantar soja. As invasões já começaram”, disse Fernandino Quazar Aikanã.
O mercado de carbono também foi abordado durante o encontro em análise sobre os impactos do dispositivo Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal (Redd). “As terras indígenas passam a não ter mais usufruto exclusivo, são vigiadas, os desmatamentos não cessam e o povo acaba pagando a conta enquanto (indústrias) seguem poluindo. É uma enganação”, enfatizou Fernandino.
Ao término do encontro, os povos presentes redigiram um manifesto contendo suas mais destacadas motivações de resistência.
Leia na íntegra:
Manifesto contra as invasões dos nossos territórios, a mercantilização da natureza e a favor da vida
Nós, lideranças indígenas representantes dos povos: Nawa, Nukini, Huni Kuĩ, do estado do Acre; Apurinã, Jamamadi, Jaminawa, Mura e Munduruku, do estado de Amazonas; Arara, Oro Eu, Cassupá, Aikanã, Oro Waram, Oro Mon, Aruá, Karitiana e Canoé, do estado de Rondônia; Enawene Nawe, Rikbaktsa, do estado Mato Grosso; e comunidades tradicionais em conjunto com nossos parceiros: CIMI, CPT, Fundação Rosa de Luxemburgo, WRM e aliados da causa indígena, reunidos entre os dias 12 e 14 de novembro de 2024 na cidade de Porto Velho, estado de Rondônia, debatemos sobre as ameaças aos direitos e aos nossos territórios, tais como: a desconfiguração dos direitos dos povos originários, com aprovação da lei 14.701/2023 aprovado pelo Congresso, uma afronta à decisão do STF que julgou o RE 1.017. 365 contra a tese do Marco Temporal.
Reafirmamos a posição da APIB de se retirar da Câmara de Conciliação criada pelo Ministro Gilmar Mendes. Expressamos nossa indignação com o fato do ministro, após a retirada da APIB, ter intimado, por meio do Ministério dos Povos Indígenas, “representantes” para comporem a mencionada Câmara. Nós não consideramos a Câmara de conciliação o mecanismo apropriado para resolver um tema sensível como os direitos originários e fundamentais garantidos pela Constituição Federal nos Art. 231 e 232 como Cláusula Pétrea, os direitos humanos não são negociáveis.
Sabemos que a COP 30 vai acontecer no Brasil. O governo não representa as comunidades indígenas e tradicionais de base na COP 30 e as lideranças indígenas que estão vinculadas ao governo não representam as comunidades indígenas e tradicionais de base. Queremos ressaltar que as lideranças indígenas e povos tradicionais das aldeias e comunidades querem ter informações sobre a COP e nos posicionar nesse debate. Entendemos os REDD (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal) e REM (programa do governo alemão para premiar “pioneiros do REDD”) como projetos de falsas soluções para a crise climática.
Denunciamos o avanço da nova fronteira agrícola chamada AMACRO (Amazonas, Acre e Rondônia) sobre os territórios indígenas e sobre a floresta trazendo grandes impactos aos povos indígenas e às comunidades tradicionais com o avanço da plantação de soja, milho, sorgo e uso abusivo de veneno nesses plantios causando doenças em nossas comunidades, poluindo os rios, lagos, igarapés e lençol freático, matando nossos peixes e contaminando todo o ecossistema.
Os grandes projetos de infraestrutura como hidrelétricas, BR 317, BR 319 Rodovia Binacional Cruzeiro do Sul a Pucallpa, no Peru, Ferrovia, ramais, portos impactando os povos indígenas, sobretudo as terras não demarcadas, violando direitos quando não são consultados conforme a Convenção 169 da OTI, que garante a consulta livre, prévia e informada.
Denunciamos o descaso do governo brasileiro e da Funai em relação aos povos indígenas isolados. O governo tem falhado em reconhecer, demarcar e proteger adequadamente os territórios desses povos, enquanto planeja ou apoia projetos que impactam áreas habitadas por estes povos. A mencionada Rodovia Binacional atravessaria o Parque Nacional da Serra do Divisor, uma das áreas de maior biodiversidade do Planeta e habitat de povos indígenas isolados. Da mesma forma, a proposta da “Ferrovia para o Pacífico”, discutida pelo governo há anos, representa uma ameaça direta à existência desses povos. Além disso, denunciamos as reiteradas iniciativas de prospecção de petróleo nesta região. Esses projetos, caso implementados, terão consequências catastróficas para a floresta e para os povos que nela habitam. Tememos que, com o novo porto de Chancay, no Peru, recentemente inaugurado com a presença do presidente da China, esses empreendimentos ganham novo impulso.
Com ausência do Estado, não demarcando e protegendo as terras indígenas, as comunidades estão à mercê da sua própria sorte com empresas aliciando os povos originários e tradicionais para aceitar contratos de REDD, sem que estes povos entendam como funcionam e o que são estes contratos de REDD. Após ter analisado e discutido esse tipo de projeto, chegamos à conclusão de que ele não pode trazer benefícios de longo prazo para nossas comunidades e nem para as catástrofes ambientais.
Ao contrário, traz divisão e conflitos internos e, ao restringir nosso uso tradicional da terra, ameaça nossa soberania territorial e segurança alimentar. Além disso, contribui com a contínua queima de combustíveis fósseis, uma vez que objetiva a emissão e venda de créditos de carbono, que na verdade devem ser chamados de permissões para poluir. Entendemos que as secas, incêndios e inundações, que cada vez mais frequentemente atingem nossas terras, se dão em consequência da poluição por parte das indústrias e não queremos ser cúmplices desta destruição da nossa Mãe Terra. Ao contrário, exigimos que as sociedades industrializadas, por serem os principais responsáveis pela crise climática, com a máxima urgência, ao invés de “compensarem” suas emissões, com estes enganosos créditos, as reduzam radicalmente.
Exigimos o cumprimento integral dos Art. 231 e 232 da CF que foram referendados pelo STF no julgamento do marco temporal, avançando com as demarcações das terras indígenas e a proteção destes territórios garantindo a integridade física das lideranças indígenas ameaçadas na luta pelo território.
Nos comprometemos em manter as comunidades em alerta para qualquer ameaça aos nossos direitos e aos nossos territórios.
Clamamos a todos os seguimentos da sociedade que se levantem contra os desmontes dos direitos indígenas, nossas terras não estão disponíveis para comércio, mineração e a substituição das nossas florestas para dar lugar ao agronegócio. Resistiremos!
Porto Velho, 14 de novembro de 2024.
*Com informações do Conselho Nacional Indígena