Quando o gavião-real não está, as cuícas fazem a festa e roem até os ossos; vídeo

Registro noturno de armadilha fotográfica em Mato Grosso mostra uma cuíca-lanosa um ninho de gavião-real. É o primeiro registro de necrofagia na espécie.

Foto: Machado et al.

Um estudo inédito documentou um comportamento pouco conhecido da fauna brasileira: gambás-de-orelha-marrom, também chamados de cuícas-lanosas (Caluromys lanatus), foram flagrados se alimentando de restos de presas deixados em ninhos do gavião-real (Harpia harpyja), a maior águia das Américas. 

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A pesquisa, conduzida em Salto do Céu (MT), usou armadilhas fotográficas instaladas em um ninho da espécie e revelou que os marsupiais noturnos visitavam o local na ausência da ave para consumir carcaças de mamíferos que eram consumidas pelas aves e filhotes.

Gavião-real era o foco original do estudo, mas cuíca surpreendeu

“Originalmente, estávamos estudando a dieta da harpia [gavião-real], mas nos surpreendemos ao observar a cuíca-lanosa ‘roubando’ restos de comida do ninho”, conta o biólogo Guilherme Siniciato Terra Garbino, professor da Universidade Federal de Viçosa (UFV), um dos autores do artigo publicado na revista Biotropica.

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As câmeras permaneceram ativas (fotografando 24 horas por dia) por quase um ano, captando mais de 11 mil fotos e dezenas de vídeos. Nesse período, foram registradas três ocasiões em que a cuíca-lanosa se alimentou de restos de tatus levados pela harpia.

Como o gavião-real é diurno e a cuíca noturna, houve pouca sobreposição de horários, o que permitiu que o mamífero explorasse os restos deixados no ninho. “Esse é o primeiro registro documentado, em fotos e vídeos, de necrofagia em cuícas-lanosas”, explica Garbino. Assista:

Apesar de terem dieta predominantemente frugívora e nectarívora, esses marsupiais já tinham registros ocasionais de consumo de pequenos animais. Agora, a pesquisa confirma que eles também podem desempenhar o papel de necrófagos. 

“O estudo comprova um comportamento que já era inferido, mas nunca havia sido registrado de forma direta. Isso mostra que a espécie, embora prefira frutas, aproveita oportunidades de se alimentar de carcaças quando elas estão disponíveis”, detalha o pesquisador. Esse comportamento amplia o entendimento sobre a plasticidade alimentar da espécie.

Cuíca-lanosa. Foto: Machado et al.

Outros mamíferos, como iraras (um mustelídeo), saguis-de-rabo-preto, macacos-da-noite, um marsupial de pequeno porte e esquilos, também foram registrados próximos ao ninho, mas apenas a cuíca-lanosa foi vista consumindo carniça. “Algumas espécies, como a irara, até poderiam consumir animais mortos, mas esse comportamento é raro. Já primatas e roedores preferem frutos, sementes ou invertebrados, e não os restos maiores deixados por predadores”, pontua Garbino.

Para os cientistas, o achado reforça a importância de observar as interações entre espécies no ecossistema. “O papel dos marsupiais como removedores de carcaça é relevante, mas ainda subestimado. Eles ajudam a reciclar nutrientes e a manter o equilíbrio natural, assim como outros animais necrófagos. A ausência de grandes consumidores de carniça na copa das árvores pode ter favorecido esse comportamento oportunista”, sugere o autor.

Com esse registro, os pesquisadores esperam abrir caminho para novas investigações sobre o papel ecológico de pequenos mamíferos na floresta. “Nosso próximo passo é observar o comportamento de outros mamíferos que aparecem nas câmeras, em diferentes ninhos de harpia, para entender melhor essas interações pouco conhecidas”, afirma Garbino. O estudo contou com apoio da American Society of Mammalogists, que financiou parte das análises laboratoriais.

Ninho de gavião-real em Mato Grosso
Gavião-real. Foto: Machado et al.

*O conteúdo foi originalmente publicado pela Agência Bori

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