Representantes de Canutama, Humaitá, Lábrea e Manicoré apresentaram demandas sociais que podem ser atendidas por meio de políticas públicas voltadas para a destinação de terras e combate à grilagem.
“Trouxemos os representantes do território a Manaus para um workshop e fizemos os mapas de demandas a partir da cartografia social produzida por lideranças locais, indígenas, organizações sociais e prefeituras”, conta Josimar Fidelquino, secretário executivo da ADSSA. “A ideia é apresentar a publicação ao governo federal para que eles saibam das demandas sociais das pessoas que vivem na floresta. Não é só criar Unidade de Conservação, Terra Indígena e dar títulos de terras, tem muito mais a se fazer. A partir disso, o governo vai poder visualizar quem pode ser prioridade nos planos estratégicos que vai definir daqui pra frente”,
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A nota técnica também foi apresentada a representantes do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA) e do Instituto Nacional da Colonização e Reforma Agrária (Incra).
O processo de coleta de informações contou com 19 lideranças dos municípios de Apuí, Boca do Acre, Canutama, Humaitá, Lábrea, Manicoré, Novo Aripuanã e Pauini; a área incluída nas demandas chega a 9,5 milhões de hectares de floresta amazônica que podem ser destinados para a conservação, criação de assentamentos, demarcação de terras indígenas e regularização fundiária.
Os representantes dos municípios relataram, entre outras situações, casos de violência sofridos por pequenos produtores, indígenas e comunidades tradicionais em decorrência da invasão e da grilagem de terras públicas. Entre os relatos se destacam ataques sofridos pelos moradores dos locais e tentativas de assassinato e intimidação de lideranças rurais, depredação ambiental e expulsão de comunidades.
As demandas dos municípios da área de influência da BR-319 contemplaram regularização fundiária em diferentes categorias, inclusive voltadas para a Concessão de Direito Real de Uso (CDRU) e Territórios de Uso Comum (TUC), e a criação e expansão de Áreas Protegidas. “A regularização fundiária é uma política pública imprescindível para a redução do desmatamento na Amazônia e, quando feita na modalidade coletiva, beneficia povos e comunidades tradicionais que há muito tempo lutam pelo reconhecimento de suas áreas. O direito à terra é fundamental e apenas com esse direito garantido é possível desenvolvermos atividades econômicas sustentáveis”, diz Fernanda Meirelles, secretária executiva do Observatório BR-319.
As dinâmicas de captação de informações contaram com pesquisadores de organizações parceiras da ADSSA como Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB), Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (Idesam), WCS Brasil, Instituto Amazoniar, Rede Transdisciplinar da Amazônia (Reta) e Greenpeace Brasil.
Os pesquisadores envolvidos no projeto utilizaram a metodologia de Espaços Públicos Socioambientais, baseada na consulta participativa e na representatividade das demandas. Também foram ministradas oficinas de direito fundiário e cartografia participativa, com o objetivo de explicar o histórico fundiário brasileiro e desenvolver um mapeamento social que desse mais visibilidade às populações fragilizadas das demandas em seu território.
“As atividades possibilitaram a autonomia de lideranças, que indicaram nos mapas uma grande diversidade de informações sobre o território que ocupam. Foram apontados conflitos, localização de povos e comunidades tradicionais, povos indígenas e atividades econômicas, assim como a necessidade de reconhecimento, regularização fundiária e a destinação de áreas públicas desses territórios. Tanto a oficina de direitos fundiários quanto a de cartografia participativa foram importantes para dar voz às lideranças, mas também ajudaram na maior compreensão sobre o espaço que ocupam”,
destaca Rebecca Maranhão, pesquisadora do Ipam que também assina a nota.
Contexto
Apesar da redução de 50% do desmatamento na Amazônia em relação ao ano anterior, municípios do sul do Amazonas viram o desmatamento aumentar em 2023. Segundo os pesquisadores envolvidos no projeto, a destinação de terras públicas para conservação poderá reduzir drasticamente o desmatamento e as emissões de carbono decorrentes da derrubada de florestas, protegendo a biodiversidade local e os recursos naturais.
“Com esse estudo, é possível calcular as emissões de carbono que deixam de acontecer como consequência da destinação dessas áreas e também mapear as espécies e nascentes protegidas por esse processo. Percorremos esses municípios e vimos lugares que perderam 80% do espelho d’água. Esse sumiço dos rios, em especial no Cerrado, mas que também afeta o sul do Amazonas, é preocupante. Sem água, não vamos a lugar nenhum”, destacou Paulo Moutinho, pesquisador sênior do Ipam e um dos autores do estudo.
Florestas públicas não destinadas
As Florestas Públicas não Destinadas fazem parte do Cadastro Nacional de Florestas Públicas e ocupam uma superfície de 57,5 milhões de hectares, mais do que a área da Espanha. Por lei, elas devem permanecer como florestas e públicas, voltadas para conservação, ocupação indígena ou para uso sustentável de seus recursos, em especial pelas populações originárias e tradicionais.
A falta de um uso definido e a demora na destinação destas florestas, contudo, coloca-as na mira de grileiros e, consequentemente, do desmatamento ilegal, dos crimes ambientais e dos conflitos agrários. Segundo dados do Ipam, cerca de 50% do desmatamento da Amazônia Legal ocorre em terras públicas – dois terços do desmatamento em terras públicas da Amazônia em áreas com o Cadastro Ambiental Rural (CAR) fraudado.