Em meio aos entraves burocráticos e ambientais, a BR-319 que liga Manaus (AM) a Porto Velho (RO) continua aguardando por manutenção e uma solução definitiva para o polêmico trecho do meio, que compreende os quilômetros 250–655. Estudos garantem que a lendária rodovia federal, desde sua concepção, fomenta o desenvolvimento regional e não o desmatamento da Amazônia.
Ao contrário do que se andam propagando, a conclusão da BR-319 irá aliviar o impacto da exploração ilegal de madeira e minérios ao longo do trajeto. Mas, no atual estado de abandono em que se encontra, vem acarretando prejuízo para quem se arisca na verdadeira aventura de atravessar o trecho do meio.
De acordo com o coordenador de Engenharia da superintendência Regional do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes no Amazonas (DNIT/AM), engenheiro civil Edson Moreira Cavalcante, a BR-319 tem por prioridade a execução dos serviços de manutenção e/ou conservação. “Pois proporciona as condições de trafegabilidade em toda sua extensão da rodovia de Manaus/AM até Porto Velho/RO, que há muito esteve intrafegável”, destacou.
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A superintendência Regional do DNIT/AM informou que está providenciando os estudos e cumprindo as condicionantes ambientais necessárias para a obtenção, por parte do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama), do Licenciamento Ambiental para iniciar a execução das obras de Pavimentação da rodovia BR-319/AM/RO, no Trecho do Meio.
Segundo o professor do departamento de geografia da Ufam, Ricardo Nogueira, há uma tendência de criar uma série de unidades de conservação ao longo da rodovia para impedir que a floresta sofra com a exploração comercial de madeira ao longo da BR-319. “Elas hoje servem muito mais para barrar avanços das frentes agrícolas (que desmatam sim), numa combinação de diversidade de usos – extrativo, cientifico, turístico, proteção integral, etc.”, explicou.
Ainda segundo Nogueira, ao contrário do que alguns ambientalistas propagam, a BR-319 não fomenta o desmatamento, como ocorreu no Pará. “O assombro dos ecologistas com a BR-319 é que eles imaginam um cenário da década de 1970, quando o próprio Estado brasileiro, estimulou, incentivou e até financiou a migração, o acesso a terra, a colonização, o desmatamento e a pecuária. Hoje, a BR-319 não será um vetor para o desmatamento”, ratificou.
Nogueira afirma que, atualmente, os imigrantes tem como destino as cidades em desenvolvimento e que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) perdeu força política. “Hoje, temos uma conjuntura totalmente diferente. A migração para a Amazônia é muito menor que naquele período, é predominantemente para as cidades; a colonização é um projeto falido, o Incra não possui mais o poder do período militar; e enfim, a atuação dos órgãos ambientais na região”, destacou.
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Vantagem ou desvantagem
Para Nogueira o importante é ter a BR-319 como mais uma alternativa de transporte para a Amazônia, mas respeitando as limitações do solo e da trafegabilidade. “É difícil apontar uma desvantagem de uma rodovia. Determinados tipos de mercadorias continuarão a trafegar pelo rio Madeira, afinal não podemos desprezar o potencial da navegação fluvial na região. Porém, é irracional, por exemplo, transportar derivados de petróleo, minérios ou grãos pela rodovia, dada a pulverização da carga em diversos caminhões, quando uma balsa pode fazer este tipo de transporte com menor custo”, avaliou.
Na visão do geólogo Jorge Garcez, as vantagens da BR-319 resumem-se, em grande parte, na integração da economia regional amazônica, tendo como maior beneficiário o estado do Amazonas. “Qualquer rodovia tem suas vantagens econômico-sociais, desde que não impliquem em grandes impactos diretos e indiretos, positivos e negativos. Desta feita a BR-319 não foge à regra”, disse.
Garcez também destacou a importância da BR-319 no contexto de integração de culturas de baixo impacto, a exemplo de projetos de agricultura e extrativismo familiar, além da exploração mineral sustentável. “Cabe destacar que sua importância só se aplica, mediante o seu completo asfaltamento e adequação aos fins a que se destina, tendo por base os critérios normativos de construção de rodovias interestaduais”, salientou.
Acumulando perdas
O sócio-diretor da Aruanã Transportes, empresário e advogado Flávio W. Cândido, apesar de não ter lucro no transporte de passageiros pela BR-319, ele acredita no seu potencial de desenvolvimento regional. “Não tem como contabilizar ganho, só perda na BR-319. Não sou brasileiro de segundo linha, sou brasileiro como outro qualquer, vivo na BR e quero vê-la trafegável. É só isso, quero ver respeitado do direito de ir e vir garantido no artigo 5º da Constituição Federal”, frisou.
Cândido é mineiro, chegou à Manaus na década de 1980, dirigindo pela BR-319 no auge de sua construção e garante que é a melhor alternativa para o escoamento de produtos oriundos da agricultura familiar e de transporte de passageiros de pequeno e médio porte. “Hoje, a BR-319 é só para quem tem espírito aventureiro. Utilizamos GPS para acompanhar todo o percurso. Na época de chuva, rodamos até março, mas não desistimos, porque sabemos que a BR é sinônimo de desenvolvimento sustentável”, destacou.
Segundo Cândido, uma viagem de Porto Velho à Manaus leva em média 19 horas, no período de verão. No entanto, hoje dos ônibus está na estrada há mais de 40 horas. “Mantemos a mesma quantidade de veículos e horários, mas notamos que diminuiu o número de passageiros. Eles têm medo do trajeto nesta época do ano. Nós fazemos a nossa parte alertando para o risco na estrada e muitos desistem da viagem”, lamentou.
Desde 2007 a rodovia Manaus-Porto Velho boa parte de suas margens delimitadas com unidades de conservação para usos distintos. Durante a viagem realizada no final do ano passado, pelo mestrando em Geografia na Ufam, Thiago de Oliveira Neto, foi possível observar a existência de uma parcela significativa da floresta ao longo da rodovia que está inteiramente preservada. “Incluindo o trecho de 84 km da rodovia que interliga a BR-319 ao Distrito de Democracia em Manicoré. Porém, em um trecho da rodovia entre os quilômetros 530-570 existe alguns sítios com a prática de queimadas recentes e pequenos rebanhos bovinos, fazendo parte do assentamento do Incra que se tornou a Vila de Realidade”, relatou Nogueira.
Polêmica do ‘meio’
A polêmica para a conclusão do trecho do meio da BR-319, entre os quilômetros 250 e 655,7 é tão grande que o geólogo Jorge Garcez dividiu em cinco fatos: primeiro, por conta de uma liminar da Justiça Federal em ação movida pelo Ministério Público Federal (MPF), que desautoriza qualquer intervenção na rodovia. “Tal embargo ainda gera polêmicas”, ratificou Garcez.
Segundo, porque este trecho entre Humaitá e Manaus pretende ser um dos mais intensos em movimentações rodoviárias. Terceiro, porque foram detectados desmatamentos em proporções preocupantes e sem autorização prévia, mesmo antes da pavimentação da rodovia. Quarto, porque não ficaram claras as responsabilidades pelo controle e licenciamento ambiental entre o Ipaam e o Ibama. “Algo ainda não totalmente resolvido na prática, em termos de garantias à integridade ambiental dos sistemas florestais ao longo das obras”, observou.
Finalmente, o quinto e mais polêmico deles, está na esfera política. “É que de fato não há garantias reais, nem políticas e nem institucionais, para a proteção e preservação de trechos da floresta em critérios correntes e/ou convencionais, dentro do conceito de sustentabilidade. Aliás, um conceito extremamente frágil em si mesmo”, lamentou Garcez.
Na avaliação de Thiago de Oliveira Neto, recém formado em geografia pela Ufam, bolsista do CNPq em Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica e Tecnológica (Pibic) e que passou em 1º lugar no mestrado em Geografia na Ufam, percorrer a BR-319, neste período de chuvas, é uma verdadeira aventura. “Foi uma viagem de muita aventura. Foram 40 horas, por isso passei a virada de ano no km 250, na Vila do Igapó Açu. A rodovia tem pouco movimento”, contou.
Ao término do percurso, Thiago conclui que o trecho do meio deve ser repavimentado tendo a presença de órgãos do Estado para fiscalizar aspectos de desmatamento e poluição.“Deve ser proibido passagem de carreta tanque com produtos contaminantes e poluidores, pois em caso de acidente pode poluir rios e lagos nas margens da BR-319”, sugeriu.
O Projeto Cosméticos Sustentáveis da Amazônia é uma parceria público-privada que congrega 19 associações de produtores focadas na extração da biodiversidade amazônica.