A estimativa do estudo publicado na Nature é de que, nos próximos 25 anos, de 10% a 47% da Amazônia possa chegar a um ponto de não retorno, com transições inesperadas na paisagem.
A pesquisa é liderada pelo cientista Bernardo Monteiro Flores, que faz pós-doutorado em Ecologia na UFSC, com supervisão da professora Marina Hirota, co-autora do estudo. Além deles, Catarina Jakovac, do Departamento de Fitotecnia, e Carolina Levis, do Programa de Pós-Graduação em Ecologia, também assinam o artigo, que conta com a autoria de cientistas renomados, incluindo um dos especialistas brasileiro em climatologia mais citados no mundo, Carlos Nobre.
A análise minuciosa, que foi tema de um relatório lançado em 2021 e traz dados atualizados sob novas perspectivas, apresenta evidências da aproximação da floresta amazônica de um ponto crítico – o que os cientistas chamam de “ponto de não retorno”. A partir de imagens de satélite, dados de observação do clima, modelos climáticos e evidências da paleoecologia foi possível entender os principais fatores de stress da floresta e como a interação entre eles pode acelerar ainda mais a destruição de um ecossistema.
“Todos os efeitos de stress estão relacionados à água. Para cada uma dessas cinco variáveis há limiares críticos. E a interação entre esses estressores pode ter um efeito sinérgico. Nós usamos todos os conhecimentos disponíveis para entender os limiares em que a floresta deixaria de existir”
pontua o pesquisador.
Limite para desmatamento é de 10% da cobertura original
O grupo de cientistas delimitou, por exemplo, que a temperatura não pode oscilar acima dos 1,5 graus, com precipitação anual de até 1.800 milímetros. O déficit hídrico cumulativo também não pode ser superior aos -350 milímetros, assim como a estação seca não deve durar mais do que cinco meses. Por fim, o desmatamento teria um limite seguro de 10% da cobertura original do bioma florestal, o que exige também a restauração em pelo menos 5% do bioma.
Bernardo explica que as chuvas são essenciais para a vida da Floresta. Todos os dias, as árvores da floresta bombeiam enormes quantidades de água – até 500 litros por uma única árvore – do solo para a atmosfera, o que aumenta a concentração de umidade atmosférica. Além de eliminarem água, as árvores também liberam compostos orgânicos voláteis que contribuem para a formação das nuvens. “As árvores são fábricas naturais de chuvas”, explica.
Além disso, os ventos na região amazônica fluem predominantemente de leste para oeste, carregando nuvens e umidade, o que aumenta as chuvas ao longo do caminho. Este mecanismo, chamado de “feedback positivo” resulta na capacidade de as florestas aumentarem as chuvas que contribuem com a sua resiliência. Esta é considerada “a principal razão pela qual a Amazônia persistiu dominada pela floresta durante 65 milhões de anos (durante todo o Cenozóico), apesar das grandes flutuações climáticas”.
Agora o cenário começa a mudar, especialmente em função das alterações climáticas e do uso do solo. O aumento das temperaturas, as secas extremas, o desmatamento e os incêndios afetam partes internas do sistema. “Os mecanismos de feedback que aumentavam a resiliência florestal perdem a força e são substituídos por outros feedbacks que aumentam o risco de uma transição crítica”, assinalam, no texto.
“O mecanismo mais importante que manteve a floresta viva esse tempo todo foi a reciclagem de chuvas. Então, a floresta precisa dessa chuva que cai e que ela mesma recicla para existir. A floresta nunca vivenciou o que ela vivencia agora em termos de clima, quando combinados os efeitos da seca com altas temperaturas”,
explica o pesquisador.
Risco global
A ideia de um colapso da floresta Amazônica é perturbadora por várias razões, mas uma em particular despertou a atenção mundial – o risco de desestabilização do sistema climático global. “Como a Amazônia armazena enormes quantidades de carbono, a perda florestal e as emissões de carbono poderão acelerar o aquecimento global em cerca de 15 ou 20 anos”, pontuam os cientistas.
Observações recentes do fluxo de carbono da floresta revelaram que o sudeste da Amazônia deixou de ser um sumidouro de carbono para se tornar uma fonte de carbono, provavelmente devido a perturbações no uso da terra. “Além disso, a perda de florestas na Amazônia reduz a circulação da umidade atmosférica não só na região, mas pode afetar as condições de precipitação em outras partes do mundo, como a Ásia ou a Antárctica”.
O estudo também traz um outro aspecto da preservação, discutindo o papel da biodiversidade e dos povos indígenas e comunidades locais na formação da resiliência da floresta amazônica. “Esses elementos do sistema contribuíram para aumentar a adaptabilidade dos ecossistemas, proporcionando diferentes estratégias para lidar com as flutuações climáticas”, assinalam os pesquisadores.
“Hoje, as mudanças no uso da terra na região estão destruindo a biodiversidade e o antigo conhecimento ecológico dos povos amazônicos que sustentaram florestas saudáveis e ricas em recursos durante milênios”, disse Carolina Levis, doutora pela UFSC e uma das autoras do estudo.
Já a professora Marina Hirota lembra que a Amazônia é um sistema complexo, o que torna extremamente desafiador prever como os diferentes tipos de floresta responderão às mudanças globais.
“Se quisermos evitar uma transição sistêmica, precisamos adotar o princípio da precaução, com uma abordagem que mantenha as florestas resilientes nas próximas décadas”,
disse.
Os autores também indicam que, para manter a resiliência da floresta amazônica, é preciso combinar esforços locais e globais. Apontam, ainda, que, localmente, os países amazônicos precisam cooperar para acabar com o desmatamento e a degradação e para expandir a restauração, o que fortalecerá o feedback floresta-chuva.
Essas ações, segundo os pesquisadores, podem se beneficiar de uma governança forte dentro dos territórios indígenas e áreas protegidas. “Todos os países precisam cooperar para impedir as emissões de gases com efeito de estufa, mitigando assim os impactos das alterações climáticas. Ambas as frentes são cruciais para manter vivo o sistema florestal amazônico para as gerações futuras”.
De acordo com Bernardo, a abordagem holística da pesquisa é relevante e inédita, já que se trata de um sistema complexo, atento também a fatores humanos.
“Para pensarmos em manter a floresta mais resiliente, temos que monitorar todos estes estressores e suas interações. Usamos o princípio da precaução: como a gente não sabe o que pode acontecer e as consequências são desastrosas, a ideia do limiar é de nos manter longe do perigo”.
Bernardo Monteiro Flores
De savana a gramíneas, com poucas espécies: qual seria o fim da Floresta Amazônica?
O estudo traz, entre seus achados, a delimitação de cenários e paisagens que poderiam ocorrer após a Amazônia colapsar. Áreas degradadas da Floresta já têm sua paisagem alterada em função de interações entre os estressores. “Essas trajetórias alternativas podem ser irreversíveis ou transitórias dependendo da força das novas interações”, pontuam os cientistas, no texto do artigo.
Na ‘floresta degradada’, por exemplo, os feedbacks geralmente envolvem competição entre árvores e outras plantas oportunistas, além de interações entre desmatamento, fogo e limitação de sementes. As florestas secundárias teriam maior probabilidade de serem desmatadas do que as florestas maduras.
Em um outro cenário de degradação, os feedbacks envolvem interações entre cobertura arbórea baixa e o fogo, o solo sofrendo erosão e a limitação de sementes. A paisagem, assim, seria de gramíneas invasoras e plantas oportunistas. Longe de áreas agrícolas e pastagens, a paisagem de savana também pode ser o resultado das interações entre elementos de stress da Floresta, o que pode ocorrer após casos de repetidos incêndios, por exemplo.
“O que pode acontecer é que não necessariamente a Amazônia vá deixar de ser Floresta, mas terá áreas bem diferentes, com a diversidade menor, dominadas por uma ou poucas espécies que se auto perpetuam, como as florestas dominadas por lianas ou bambus”,
sintetiza Bernardo.
“Discutimos como a complexidade da Amazônia acrescenta incerteza sobre a dinâmica futura, mas também revela oportunidades de ação. Manter a floresta amazônica resiliente no Antropoceno dependerá de uma combinação de esforços locais para acabar com o desmatamento e a degradação e para expandir a restauração, com ações globais esforços para parar as emissões de gases com efeito de estufa”, ponderam os especialistas.
Para prevenir o colapso na Floresta Amazônica, de acordo com o estudo:
Aquecimento global: Para evitar transições de ecossistemas em larga escala, cientistas indicam um limite seguro para o Floresta Amazônica a 1,5 graus para aquecimento global acima dos níveis pré-industriais, em conjunto com o acordo de Paris.
Chuvas anuais: Especialistas colocam que um ambiente seguro limite tem condições de precipitação anual de 1.800 mm.
Intensidade da sazonalidade das chuvas: Observações de satélite das distribuições da cobertura arbórea na América do Sul tropical sugerem uma situação crítica limiar na intensidade da sazonalidade das chuvas em – 400 mm de déficit hídrico cumulativo. Para evitar colapsos em escala local devido à composição distúrbios, sugere-se um limite seguro de -350 mm.
Duração da estação seca: Observações de satélite das distribuições da cobertura arbórea na América do Sul tropical sugerem uma situação crítica limiar aos sete meses de duração da estação seca. Para evitar transições de ecossistemas em escala local, os cientistas sugerem um limite seguro de cinco meses.
Desmatamento acumulado: Os cientistas indicam que um limite seguro de desmatamento acumulado é de 10% da cobertura original do bioma florestal, o que exige o fim do desmatamento em grande escala e a restauração em pelo menos 5% do bioma.
*O conteúdo foi originalmente publicado pela UFSC