Nos limites de seu ambiente ideal, aves capricham nas escolhas de seus alimentos

Estudo prevê uma diminuição na variedade de frutos consumidos, prejudicando a dispersão de sementes e a sobrevivência de plantas a longo prazo.

Um estudo publicado em agosto na revista científica Science, envolvendo equipes de 10 países incluindo pesquisadores brasileiros, sugere que ambientes estressantes, como nos extremos de sua distribuição geográfica, podem afetar a estratégia de alimentação das aves.

Os pesquisadores notaram que as aves escolhem frutos de tamanhos diferentes se estiverem no centro ou na borda de seu hábitat, com implicações importantes para as dinâmicas florestais.

Quando estão perto da fronteira de sua distribuição, são mais seletivas e escolhem os maiores frutos que conseguem abocanhar. Uma ave do Cerrado, por exemplo, tende a comer frutos maiores em relação ao tamanho do próprio bico quando vive perto de outro ambiente, como a Amazônia ou a Caatinga. 

As exceções são aquelas aves com dietas mais variadas, incluindo itens como insetos. “Por terem uma fonte alternativa de alimento, essas aves podem adquirir energia por meio de outros recursos em vez de comer os maiores frutos possíveis”, deduz o ecólogo.

Os pesquisadores estudaram 97 espécies de aves e 831 de plantas frutíferas, em 126 localidades dos seis continentes, usando dados de estudos conduzidos em diversos países. As informações incluíam características como o tamanho da abertura do bico da ave, a frequência de alimentação e o tamanho dos frutos ingeridos.

Segundo Martins, é provável que, escolhendo frutos maiores e mais nutritivos, as aves que vivem próximo das bordas de suas distribuições adquiram a energia da qual precisam para lidar com fatores de estresse típicos dessas áreas, que podem variar desde temperaturas desafiadoras a uma menor abundância de alimento disponível. 

O saí-azul (Dacnis cayana) se alimenta de frutos, mas também néctar e insetos. Foto: João Victor Cardoso Fernandes

A quantidade de predadores e a competição entre aves por alimentos também podem aumentar para algumas espécies perto das bordas, já que a composição da fauna tende a mudar na transição entre hábitats.

No entanto, ela ressalta que a distribuição é um dado impreciso para aves. “É comum encontrar espécies fora da distribuição antes atribuída a elas, o que acaba ampliando a área de ocorrência conhecida”, relata. Outro problema é que a classificação das aves nem sempre é bem resolvida – duas populações podem ser vistas como espécies separadas ou uma única, conforme a definição aplicada por cada pesquisador.

A bióloga considera que estudos com bancos de dados são importantes e podem permitir novas sínteses de processos naturais. “No entanto, é importante fazer trabalho de campo para aumentar a quantidade de informações e melhorar sua qualidade.”

Migração das plantas

Segundo a bióloga Carine Emer, pesquisadora do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro e do Instituto Juruá, na Amazônia, e coautora do artigo, o comportamento das aves pode ter implicações ecológicas importantes.

O sabiá-do-campo (Mimus saturninus) habita áreas de campo e urbanas em boa parte do país. Rodrigo Missano / Unesp

Segundo ela, ao passar a selecionar frutos maiores, as aves podem acabar deixando de lado as espécies que produzem frutos menores, que também são importantes na composição das florestas e perdem a carona que pode levá-las para longe da árvore-mãe. 

Entre as funções ecológicas desempenhadas pelas aves está essa dispersão de sementes, depositadas com as fezes depois de digeridos os frutos. 

Se essa parceria entre plantas e dispersores falha, algumas plantas podem não conseguir se estabelecer em outras regiões, o que também pode prejudicar a recuperação de áreas degradadas que dependem do aporte de sementes a partir dos locais onde a biodiversidade se mantém.

Outro fator que afeta a dispersão de sementes são as quedas acentuadas da população de animais, processo chamado de defaunação. A redução mundial de dispersores de sementes já diminuiu a capacidade das plantas de se adaptar às mudanças climáticas em 60%, segundo outro artigo publicado na revista Science em janeiro de 2022. 

Isso acontece em grande parte porque os animais são responsáveis pelo transporte das sementes de 90% das espécies de árvores das florestas tropicais.

Conteúdo publicado originalmente por Revista FAPESP*.

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