Porto Velho na época da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré. Foto: Dana Merrill
Por Júlio Olivar – julioolivar@hotmail.com
Em 1917, a jovem cidade de Porto Velho, recém-formada com a construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré e separada do território de Humaitá, no sul do Amazonas, já mostrava seu vigor literário. Desde 1915, o jornal “O Município” publicava crônicas e poesias, abrindo espaço para a expressão artística.
Em menos de um ano após o falecimento do poeta maranhense Vespasiano Ramos, ocorrido em dezembro de 1916, foi lançado na cidade o livro de poesias “Saudades Esperanças”, escrito pelo médico Jayme Pereira.
Graduado no Rio de Janeiro, o Dr. Jayme se estabeleceu em Porto Velho, uma cidade com menos de dois mil habitantes, onde trabalhava como inspetor sanitário na região do Alto Madeira, a serviço do Estado do Amazonas. Mesmo com a agenda repleta de campanhas de vacinação e atendimentos nas farmácias Americana e Madeira, ele encontrava tempo para se dedicar à poesia.
Aqui está um de seus poemas:
Uma Saudade: Esperança
Saudade, constante, das lutas infantis,
Dos dias de antanho, com cheiro de mar.
Saudade dos tempos que não voltam mais,
Guanabara querida, que lembranças fatais.
Saudade dos colegas de tantas galhofas,
Do vinho, dos bailes, dos doces saraus.
Saudade da juventude vivida aos risos,
Na capital de nossa Pátria, momentos tão reais.
Saudade e Esperança! A Raiz, o Fruto,
Esperança que alude à fé sem temor,
Deus de todas as causas, seu nome absoluto,
É ela que guia o coração sonhador.
Esperança: poesia sem voz,
Sentimento que o coração seduz,
E me trouxe ao Vale do Madeira,
Meu Porto Velho, novo amor, minha luz!
Nas principais cafeterias de Porto Velho, a declamação de poemas era comum. A cidade vivia tempos de glamour com o ‘boom’ da borracha, que a transformava em um microcosmo europeu, com cinema, teatro e moda à belle époque tropical. Desde 1917, a Livraria e Papelaria Madeira, anexa à tipografia do jornal “Alto Madeira”, oferecia ao público o livro de Jayme. Infelizmente, não restaram exemplares nos arquivos consultados.
Outro médico-poeta
Jayme não estava sozinho. O médico José de Mendonça Lima, em 1918, foi eleito membro da Sociedade Homem de Letras de Manaus. Residente no povoado de Abunã, então parte do município de Santo Antônio do Rio Madeira (anexado a Porto Velho em 1945), ele era um fervoroso promotor cultural. Fundou um cinema chamado Bohemia e chegou a exibir filmes para Rondon em 1918, durante a passagem do sertanista por Abunã.
Dr. Mendonça também participou da inauguração do sino da Igreja Católica de Abunã, que ajudou a financiar. Ele via o sino como um símbolo de fé e comunicação. Morou em Guajará-Mirim e serviu como cônsul do Brasil em Guayaramerín, cidade boliviana na fronteira com Rondônia. Segundo o jornal “Alto Madeira”, Dr. Mendonça era “um orador notável, escritor castiço, com profundos e variados conhecimentos, servidos por uma cultura vasta”.
Embora poucas informações sobre as obras dos Drs. Jayme e Mendonça tenham sobrevivido ao tempo, destaca-se a presença de médicos no universo literário desde os norte-americanos, nos primórdios de Porto Velho, em 1907, passando por Dr. Joaquim Augusto Tanajuro (dono do jornal “Alto Madeira”) até os dias atuais.
Nomes como Viriato Moura, Aparício Carvalho, Newton Pandolpho (em Vilhena) e Heinz Roland Jakobi são autores contemporâneos que seguem essa tradição, contados às mais diferentes ramificações da literatura. Entre 2019 e 2023, o médico-historiador Jakobi publicou uma série de três livros sobre os médicos em Rondônia: “Fragmentos da História da Medicina em Rondônia” (volumes 1 e 2) e “101 Personagens da História da Medicina em Rondônia”.
Sobre o autor
Júlio Olivar é jornalista e escritor, mora em Rondônia, tem livros publicados nos campos da biografia, história e poesia. É membro da Academia Rondoniense de Letras. Apaixonado pela Amazônia e pela memória nacional.
*O conteúdo é de responsabilidade do colunista