À procura de relíquias para o museu, ele andou nas trilhas do Marechal Rondon; em outras aventuras, recolheu 156 animais para o zoológico de Vilhena.
O mineiro João Rodrigues Alves, 82 anos, é morador em Vilhena (sul de Rondônia, a 700 km de Porto Velho) desde a década de 1970; foi um discreto funcionário público federal, a partir de 1979; está aposentado há mais de uma década.
Nos últimos anos, trabalhou como zelador do campus da Unir (Universidade Federal de Rondônia). Mas o que ele gosta mesmo é de mato, histórias e garimpar objetos antigos.
Em 1980, sem saber ao certo o que estava fazendo, João simplesmente comandou uma pequena expedição que remontava à Urucumacuã. Trata-se de uma lendária mina de ouro — às vezes dizem que é jazida de diamantes — presente no imaginário popular há séculos e que teria sido redescoberta e mantida em sigilo pelo sertanista Marechal Cândido da Rondon.
João estudou apenas dois anos, foi efetivado como servidor nos tempos em que Rondônia era território federal. “A pouca leitura”, como ele diz, não inibiu sua curiosidade e o conhecimento empírico sobre zoologia e arqueologia.
Começou a vida profissional como garimpeiro, ainda em Minas Gerais, e sempre colecionou objetos antigos. A mais interessante de suas histórias, são as aventuras que ele passou nas trilhas de Rondon.
Há 43 anos, a pedido do então prefeito de Vilhena, coronel Arnaldo Lopes Martins, João, com dois companheiros, percorreu longos trechos a pé, ficando acampado para recolher artefatos que teriam sido usados pela Comissão da Linha Telegráfica comandada por Rondon, no início do século XX. Boa parte do material disponível no museu municipal Casa de Rondon, fechado e abandonado em 1996, foi apanhado pela equipe.
No chão, ele “desenhou” com um graveto o mapa de suas peregrinações, para demonstrar que, a 34 quilômetros do centro de Vilhena, indo pela rodovia no sentido a Juína (MT), BR-174 , há uma estrada primitiva, à esquerda, que termina numa fazenda. Depois, é preciso andar a pé 170 quilômetros até atingir o Rio Roosevelt. “Foram três semanas de caminhada”, enfatiza; os homens ficaram acampados alguns dias no destino.
O vilhenense conta que “lá você não via nem avião, era um deserto. Encontrei muita coisa abandonada, como eixos de carro de boi, uma moeda de 1865, além de fios e postes de telégrafo. O que mais gostei de achar foi uma garrafa com um jornal muito antigo dentro. Eu estimava demais esse jornal, mas sumiu do museu. Carregamos essas coisas nos ombros para colocar no museu, e tudo acabou abandonado e esquecido”.
O lugar que eles exploraram é descrito por João como uma espécie de santuário: “Água mineral jorra naquelas terras entocadas. É um lugar misterioso e desconhecido. Havia três sepulturas e soubemos, por um pescador, da fábula do ouro, a famosa Mina de Urucumacuã, mas não foi esse o assunto que nos levou até lá”.
Reza a lenda que um dos expedicionários que acompanhavam Rondon descobriu, numa escavação, “uma laje de ouro”, que era parte do “el dorado” de Urucumacuã. Segundo os mais antigos, o tal sujeito foi enforcado imediatamente para que a notícia não se espalhasse. Que fique claro: isso é lenda, são histórias que o povo conta. Mas, afinal, João descobriu ouro por lá? A resposta é não. E o mistério continua.
O fato é que houve várias expedições oficiais para explorar Urucumacuã, inclusive patrocinadas pelo governo do Mato Grosso, que à época, tinha o domínio sobre toda esta região onde é Rondônia.
O antropólogo carioca Edgar Roquette-Pinto, da Academia Brasileira de Letras, em seu livro ‘Rondônia’, de 1917, faz referência a Urucumacuã, situando a província mineral nos vales dos rios Pimenta Bueno e Barão de Melgaço.
Zoológico: outros tempos
Além do espírito aventureiro, João é apaixonado pelos bichos. Na sua passagem como faz-tudo na Unir, tomou gosto pelo bosque da universidade, principalmente por causa dos seus amados macacos, que ele conhecia, cada qual, por nome. E fazia questão de alimentá-los.
Aos poucos, os animais foram sumindo porque os empreendimentos imobiliários tomaram conta do entorno do campus, antes afastado da cidade.
Antigamente, a fauna era muito rica e não havia restrições legais — e nem consciência ambiental. João capturava várias espécies [não na Unir, que sequer existia antes de 1988], em várias localidades do Cone Sul, para o zoológico que funcionou em Vilhena durante 16 anos (1980/96), no terreno do museu Casa de Rondon.
“Eu não só cuidava de tudo aquilo, do zoológico todo, como fui quem trouxe das matas as onças, queixadas, antas, gaviões, enfim, eu capturei 156 animais que compunham o zoológico. Só não trouxe o leão Léo, porque na Amazônia não existe leão [risos]. Ele foi doado pelo então senador Olavo Pires, mas era eu quem ia ao matadouro arranjar cabeças de boi para alimentá-lo”, conta.
Uma das maiores atrações do zoológico era uma sucuri de seis metros e mais de 120 quilos. “Há fotos minhas espalhadas por esse mundão abraçado a essa cobra e até deitado sobre ela. Os turistas me pediam para demonstrar minha amizade pelo animal e gostavam de me fotografar com ela”, recorda.
Quando ganhou a cobra, João conta que o bicho tinha dois metros: “foi um caminhoneiro que a deixou num bordel nas proximidades de Vilhena. Eu fui lá e a busquei num saco para o zoológico”.
O zoo foi fechado, os bichos acabaram doados para o Município de Cuiabá (MT). João lembra que “naquele tempo, as leis ambientais não eram tão rígidas e não era muito claro o conceito de preservação”. Por isso ele aceitava pegar bichos no mato. Hoje, porém, “não gosto de manter animais em cativeiro, e acho isso errado. Eu não tinha conhecimento e fazia o que me mandavam. Não gosto de aprisionar e defendo os animais. Eu errei”.
Em casa, o pioneiro trata, diariamente, de dezenas de pássaros soltos. “Gasto pelo menos cinco quilos de canjiquinha por semana”. Ele levou de casa, durante 12 anos, as frutas para sustentar a bichara, livre, no antigo bosque da Unir.
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